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Hidrogénio: Limpinho, limpinho

Apresentam-se como o futuro, mas não sabemos a que distância está esse amanhã: os carros a hidrogénio respeitam o ambiente, são mais fáceis de abastecer, mas ainda têm custos astronómicos. Não recomendamos o investimento.

27 de Agosto de 2019 às 11:30
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Já não se fala de alterações climáticas. Agora estamos numa situação de emergência climática e a transferência de votos nas últimas europeias para partidos verdes fala por si e fez correr rios de tinta.

O ponto da situação das medidas que têm sido tomadas para atenuar o estado das coisas pode resumir-se a uma célebre frase de um número dos Gato Fedorento: "Eles falam, falam, mas não os vejo a fazer nada."

Mas esta observação não é inteiramente verdadeira. Os construtores de automóveis têm visto a procura dos veículos elétricos aumentar exponencialmente. Alguns vão mais longe: para quê depender de baterias e esperar horas por um carregamento?

O hidrogénio é o melhor combustível, dizem. Ora, nem mais: 2019 foi declarado pela ONU o Ano Internacional da Tabela Periódica. Será a conversão do parque automóvel para o hidrogénio, o primeiro elemento situado à esquerda naquela tabela (representado pelo símbolo H), a melhor forma de celebrar a efeméride?

Em forma de gás, pode ser usado para armazenar energia, para aquecer e arrefecer, "descarbonizar" os processos industriais (reduzindo a emissão de gases que geram efeito de estufa) e, não menos importante, como fonte de propulsão de veículos.

Líderes de vários setores que o promovem como fonte alternativa de energia associaram-se no Hydrogen Council.

Este organismo prevê que a procura de hidrogénio se multiplique por 14 até 2050, o que, a confirmar-se, será benéfico para as empresas que trabalham já neste tipo de projeto. Os investidores imediatamente ouviram moedas a tilintar e atiraram-se às ações mais populares do setor.

Mas será aconselhável apanhar boleia do carro a hidrogénio? É melhor travarmos um pouco e analisar o fenómeno.

Um elétrico disfarçado

Na verdade, estes automóveis também são elétricos. A diferença está num detalhe, mas não é de somenos: o hidrogénio, armazenado a alta pressão no reservatório do carro, é enviado para uma célula de combustível, em que se vai combinar com o oxigénio presente na atmosfera. A reação química entre o hidrogénio e o oxigénio vai gerar a eletricidade que alimentará o motor elétrico que faz mover o veículo. A parte verde chega neste ponto - o único subproduto desta reação emitido pelo tubo de escape é... vapor de água.

Por isso, na prática, são carros elétricos que, em vez de bateria, obtêm a energia desta célula de combustível alimentada a hidrogénio. A vantagem já está à vista em relação aos carros elétricos que vão invadindo as nossas estradas. Enquanto as baterias demoram ainda muito tempo a carregar e ainda têm autonomia limitada, o depósito de hidrogénio pode ser abastecido em poucos minutos, de forma semelhante à que usamos para abastecer os atuais carros a gasolina ou diesel, e com uma autonomia semelhante. Ou seja, bastante maior do que a dos carros elétricos atuais.

Por isso, poderia dispensar-se a criação de muitos postos de carregamento elétricos, o que levanta dificuldades em cidades altamente povoadas. O Japão, por exemplo, vê com bons olhos esta tecnologia. Não é por acaso que são os nipónicos e também os coreanos quem lidera este mercado. A Toyota foi a pioneira, neste domínio, com o modelo Mirai. Foi seguida pela Honda e pela Hyundai, que lançaram os modelos Clarity e Nexo, respetivamente. Por outro lado, alguns construtores chineses (Dongfeng, SAIC, FAW e Greatwall), encorajados por um sistema de incentivos do Estado, estão a avançar para esta arena de mobilidade.

Já os europeus mostram-se mais hesitantes.

Afinal, estão a concentrar esforços no desenvolvimento da viatura elétrica a bateria. Contentam-se, nesta área, com parcerias tecnológicas. A BMW colabora com a Toyota, enquanto a Audi está associada à Hyundai. A Daimler foi um pouco mais longe e lançou, em pequena escala, o SUV GLC F-Cell, com alimentação híbrida a bateria e a células de combustível.

É tudo muito bonito, mas...

Pelo que foi dito até agora, estamos perante um investimento com forte potencial de sucesso. Mas não é bem assim.

Tecnicamente, os modelos podem ser um êxito, mas os seus preços ainda são proibitivos. Comparados aos elétricos, que já são mais caros do que os automóveis convencionais, os modelos movidos a hidrogénio podem custar o dobro.

Ainda nenhum está à venda em Portugal, mas se pegarmos no exemplo mais clássico, o do Mirai, o preço de lançamento na Europa, em finais de 2015, era de 66 mil euros, sem incluir os impostos...

Baixar preços desta envergadura é possível.

Basta, para isso, que os construtores os comecem a produzir em larga escala. Mas não se adivinha que isso esteja para breve.

Outro problema muito importante é a necessidade de desenvolver as redes de abastecimento. O hidrogénio é inflamável, o que levanta algumas dificuldades quanto ao transporte e armazenamento.

Há, no entanto, outras áreas de aplicação interessantes para esta tecnologia, como autocarros, camiões, veículos industriais, e até comboios e barcos.

Siga com prudência nesta estrada

Para o comum dos cidadãos e para os investidores, tudo parece estar ainda antes do início neste setor. Por isso, as nossas recomendações são prudentes (cotações de 10 de junho).

Os principais atores desta aventura tecnológica podem ser divididos em três grupos.

Por um lado, os fabricantes de células de combustível, como a Ballard Power ou a Plug Power. Esta última ganhou notoriedade por fornecer monta-cargas a hidrogénio a colossos como a Amazon ou o Wallmart. Outro grupo é o dos que se dedicam à produção e ao armazenamento de hidrogénio. Neste domínio, imperam a britânica ITM Power e a norueguesa NEL. E há ainda uma terceira família, que se dedica, há anos, a fornecer a indústria automóvel com várias componentes.

Parece incrível, mas empresas de pneus como a Michelin (agregada com a Faurecia, líder mundial dos interiores de veículos, na Symbio) ou a Continental lançaram-se também neste desafio.

Mas as empresas que ambicionam progredir neste domínio ainda estão numa fase precoce de desenvolvimento, por maior que seja a experiência de algumas na área do automóvel. Têm de fazer investimentos pesados para atingir uma rentabilidade que não está assegurada. Mais: em geral, estão a acumular perdas e, o que é mais preocupante, nem sequer estão a conseguir um crescimento sustentado das receitas e do número de unidades vendidas. Portanto, precisam de fazer regularmente aumentos de capital. Além disso, algumas empresas, como a Plug Power ou a NEL, viram as suas cotações bolsistas subirem muito nos últimos tempos.

Com as reviravoltas tecnológicas a que vamos assistindo, a situação pode mudar rapidamente. Mas de momento, o melhor é parar o motor deste carro.
O hidrogénio é simplesmente demasiado caro para ser comercializado no mercado de massa. O investimento em qualquer destas empresas será sempre especulativo.

Tendo em conta o risco e o nível atual das cotações, não recomendamos a compra de nenhuma ação do setor.

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