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A matriosca de polémicas aberta pelo inquérito à TAP

Ao longo de dois meses e meio, foram realizadas 46 audições na comissão parlamentar de inquérito à gestão política da TAP. Como uma matriosca, durante as mais de 160 horas de trabalhos foram feitas revelações que geraram polémicas atrás de polémicas e fizeram tremer o Governo. Desde reuniões secretas, pedidos de alteração de voos para o Presidente da República, pagamentos de consultorias e pré-reformas milionárias, contratação de amigos até acusações de agressões e roubo e o envolvimento do SIS, houve de tudo um pouco na comissão que começou por investigar uma indemnização de 500 mil euros e acabou por desencadear uma avalanche de revelações. As conclusões finais serão votadas a 13 de julho, mas a oposição quer que sejam retiradas mais consequências.
Sara Ribeiro 16 de Junho de 2023 às 17:00

| Agressões e roubo
A reunião secreta que causou um terramoto e implicou o SIS

As primeiras audições ficaram marcadas por revelações que geraram polémica e, mais tarde, viriam a ter novas repercussões e a fazer tremer o Governo. Em causa está a reunião secreta preparatória de Christine Ourmières-Widener, ex-CEO da TAP, com o PS na véspera de ser ouvida na comissão de Economia, em janeiro, como a própria revelou. Apesar de várias vozes socialistas terem defendido que este tipo de reuniões é normal, a oposição não partilhou a mesma retórica e pediu vários esclarecimentos e documentos para saber se as perguntas tinham sido ensaiadas. E foi a partir daqui que rebentou o caso mais polémico oriundo desta comissão de inquérito (CPI). As tão faladas notas desta reunião do ex-adjunto de João Galamba, Frederico Pinheiro, geraram uma autêntica avalanche. Desde versões contraditórias sobre se havia ou não notas, acusações de agressão do assessor no dia em que foi demitido por telefone por Galamba até ao alegado roubo do computador que levou à intervenção do SIS, foram vários os episódios rocambolescos deste caso que levou a oposição, o Presidente da República e até alguns socialistas a pedirem a demissão de Galamba.


| Pressão da tutela
O voo de Marcelo Rebelo de Sousa e a ingerência política

Ao longo das audições, houve relatos de pressões políticas sobre a gestão da TAP, incluindo da antiga CEO. E as dezenas e dezenas de documentos pedidos pelo grupo de trabalho vieram a expor algumas situações controversas, como o email de Hugo Mendes, antigo secretário de Estado das Infraestruturas, a Christine Ourmières-Widener a pedir para alterar um voo de Marcelo Rebelo de Sousa de modo a não "perder o seu apoio político". Mas houve mais mensagens enviadas pelo antigo braço direito de Pedro Nuno Santos que geraram surpresa. Uma delas foi também direcionada à antiga CEO para lembrá-la que "a única porta de entrada no Governo" era através das Infraestruturas. Hugo Mendes não só rejeitou todas as acusações, como as devolveu: "Os únicos que tiveram esta fantasia foram dois gestores em litígio com o Estado", disse referindo-se à Christine Ourmières-Widener e ao ex-"chairman", Manuel Beja, demitidos por justa causa a 6 de março. Outro tema que causou perplexidade foi o facto de Hugo Mendes ter participado na reunião para elaborar os esclarecimentos pedidos pelo próprio Governo ao caso Alexandra Reis.


| Qual parecer?
As demissões juridicamente "blindadas"

Ainda antes das audições arrancarem, mas já com a CPI aprovada, o Governo apresentou as conclusões do relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) sobre a indemnização paga a Alexandra Reis e demitiu por justa causa a então CEO e o "chairman" da TAP. Na altura, a 6 de março, em conferência de imprensa, Fernando Medina garantiu que a decisão estava juridicamente "blindada". O problema? Quando foi ouvida na CPI, Christine Ourmières-Widener revelou que o ministro das Finanças a tinha chamado na véspera e, apesar de ter elogiado o seu trabalho à frente da empresa, pediu para que se demitisse. E, segundo a gestora, só soube que ia ser exonerada por justa causa pela televisão, tal como Manuel Beja. Argumentos que já admitiu usar em tribunal, havendo o risco de o Governo ter de pagar uma indemnização à ex-CEO. Desta polémica saiu ainda outra umas semanas depois. Afinal, a decisão do Governo foi tomada sem ter em conta um parecer jurídico. Depois de alguns dias a discutir-se se havia parecer, Medina explicou que a fundamentação tem como base o relatório da IGF. No fecho desta edição, Medina ainda não tinha sido ouvido.


| Pagamentos milionários
Mais de 8 milhões em consultorias e reformas milionárias

À medida que os deputados abriam os documentos que iam chegando ao Parlamento, o escrutínio à gestão da TAP continuava a causar surpresa. E, sem surpresa, a CPI puxou atrás a fita do tempo e descobriu compensações de 8,5 milhões a 13 administradores, segundo uma auditoria da EY, citada pelo deputado liberal Bernardo Blanco. O pré-acordo de reforma de 1,35 milhões a Maxiliman Urbanh, antigo administrador próximo de Neeleman, foi um dos casos. Também Fernando Pinto recebeu 1,6 milhões por consultoria já depois de ter abandonado a TAP (2018). De todos os inquiridos, só Lacerda Machado admitiu ter recorrido aos mesmos. Desta caixa de Pandora, emergiu ainda outra controvérsia relacionada com Fernando Pinto: em 2015, terá acumulado funções na TAP e no consórcio candidato à privatização (de Neeleman e Pedrosa). Situação explicada por Sérgio Monteiro e Pires de Lima, no governo à data, com "um erro administrativo". Os nomes dos antigos acionistas estiveram ainda envolvidos nos casos dos fundos Airbus, dos pagamentos de salários por prestação de serviços e do misterioso pagamento de 55 milhões a Neeleman para sair do capital da TAP.


| Indemnização e contratações
Saída a custo zero, o motorista e a amiga da ex-CEO

O inquérito à TAP surgiu após se ter sabido que Alexandra Reis tinha recebido uma indemnização de 500 mil euros para sair da TAP. No caminho da análise a esta decisão, os deputados confrontaram-se com uma informação que podia ter alterado o desfecho da história: a 29 de dezembro de 2021, Alexandra Reis enviou um email à tutela a colocar o seu lugar à disposição no seguimento da alteração acionista e sem "contrapartidas", como a própria confirmou quando foi ouvida. Nunca obteve resposta. Poucas semanas depois, é chamada a negociar a sua saída depois de Christine Ourmières-Widener ter falado à tutela em divergências que podiam colocar em causa o plano de reestruturação. Uma informação desmentida por Alexandra Reis, que revelou ainda que Christine tentou demitir o motorista que tinha contado a outros gestores que a antiga CEO usava o carro da empresa para transportar familiares. Os documentos entregues à comissão de inquérito mostraram ainda que Isabel Nicolau, amiga da ex-CEO, foi contratada para diretora da TAP sem ter passado por um processo de contratação usual, e foi ganhar mais 30% do que o seu antecessor.


| Plano de reestruturação
Bruxelas não exigiu despedimentos e cortes salariais

Outras das informações surpreendentes que saíram da comissão estiveram relacionadas com o plano de reestruturação aprovado em 2021 pela Comissão Europeia (CE), depois dos prejuízos causados pela pandemia. Este plano levou à saída de cerca de 1.200 trabalhadores e a cortes salariais, medidas justificadas pelo documento negociado com Bruxelas. Mas, agora, veio-se a saber que, afinal, não tinham sido impostas pela CE. Logo no arranque dos trabalhos, foi revelado ainda que a consultora Evercore - contratada para auscultar o mercado no âmbito do processo de privatização - está a trabalhar há mais de um ano sem ser remunerada. Porquê? Ninguém parece saber. Do lado da TAP tem sido defendido que esta situação se deve ao facto de não ter sido publicado o despacho para efetivar a contratação da empresa e, assim, proceder ao pagamento dos serviços. Nesta mesa de ping-pong, o Governo defende que é "100% alheio à contratação da Evercore", como defendeu o secretário de Estado do Tesouro. Ou seja, como o contrato foi feito "exclusivamente" pela equipa de Christine Ourmières-Widener, a conta tem de ser paga pela TAP.

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