Notícia
Eugénio Rosa e Luís Nazaré: Frente-a-frente nas Comunicações
As mesmas perguntas. Duas visões.
1. Propriedade privada ou pública nos sectores de energia, telecomunicações e correios, qual a melhor forma de acautelar os interesses dos consumidores e do Estado?
2. O que ganhou o Estado com as privatizações?
Eugénio Rosa
Economista
"Poderia ser melhorada acção dos organismos reguladores"
1. Para o Estado poder, no contexto da globalização, promover o desenvolvimento e defender os interesses dos consumidores não é necessária a nacionalização desses sectores, mas é vital que passe para a esfera pública empresas com uma posição dominante em sectores estratégicos. A experiência de outros países, e também a de Portugal, já provou que as grandes empresas que foram privatizadas caem rapidamente sob o controlo estrangeiro, cujos objectivos passam a ser os desses grupos transnacionais que não têm nada que ver com os objectivos nacionais, inclusive de satisfação dos consumidores.
Perante a crescente fragilização do Estado que resulta da sua retirada total da economia, e face ao gigantesco poder dos grandes grupos transnacionais, a possibilidade de o Estado acautelar os interesses dos consumidores, em termos de preço, qualidade e acesso aos serviços, está fortemente limitada. No entanto, poderia ser melhorada a acção dos organismos reguladores dotando-os de uma legislação e meios adequados, que não possuem neste momento, e colocando à sua frente pessoas que não tenham nem conflitos de interesses nem receio de afrontar o gigantesco poder desses grupos.
2. Ganhou muito pouco e perdeu muito. O que ganhou foram algumas centenas de milhões de euros gastos imediatamente e a dívida pública continuou a aumentar; e perdeu uma importante fonte de receitas (só a EDP tem lucros superiores a 1.200 milhões) e instrumentos importantes de intervenção com o objectivo de defender os interesses dos portugueses e de promover crescimento económico e desenvolvimento.
Luís Nazaré
Economista, ex-presidente da Anacom
"Efeitos da saída do Estado na energia fazem-se já sentir"
1. De um modo geral, a abertura do capital a privados foi benéfica, porque introduziu novos factores de dinamismo na gestão.
O Estado deveria ter-se mantido na estrutura do capital, possivelmente com uma maioria relativa – como acontece, em situações análogas, num bom número de países do Norte da Europa –, por forma a garantir o cumprimento de objectivos estratégicos para o País e para o que se quiser designar como interesse público. A regulação e os contratos de concessão, por si só, são curtos.
No sector das telecomunicações, este problema não se faz sentir com a mesma acuidade, dada a sua natureza de capital intensivo e o facto de as necessidades de escala serem amigas do desenvolvimento uniforme das redes. Mas interrogo-me sobre os efeitos futuros do desaparecimento de cláusulas de salvaguarda.
Na energia, os efeitos da saída do Estado como accionista fazem-se já sentir nas múltiplas contradições entre rendibilidade e interesse nacional. Défice tarifário, concorrencialidade na comercialização, energias renováveis, nuclear, estratégia internacional – são temas onde nos sentiríamos certamente mais tranquilos com uma presença pública, desde que não clientelar.
2. As contas dos ganhos e perdas estão por fazer. Um tema extremamente interessante para investigação futura. Para começar, quanto arrecadou o Estado na alienação das suas participações versus dividendos cessantes. E muitas outras questões, de natureza estratégica, de que a ortodoxia liberal não quer ouvir falar.