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Kenneth Rogoff: “Portugal está melhor do que muitos países europeus”
Com a economia a crescer mais do que a média da Zona Euro e a dívida pública a descer, Kenneth Rogoff deixa elogios a Portugal. No entanto, mostra-se preocupado com as tensões geopolíticas e os efeitos que isso poderá ter nas economias europeia e global.
É um defensor acérrimo da união política e orçamental na União Europeia e acredita que se os líderes do Velho Continente ainda não perceberam isso com a guerra na Ucrânia, então não sabe o que o fará. Nesta entrevista exclusiva ao Negócios ainda antes das eleições nos EUA, o professor de economia de Harvard, acredita que Portugal fez um caminho “notável” desde a crise das dívidas soberanas.
De certa forma, a imigração tem alimentado a força de trabalho na Zona Euro, mas sem ganhos tão notórios no crescimento como nos EUA. O que pode explicar a diferença?
É um ponto interessante. Será que realmente foi tão grande quanto nos Estados Unidos? Julgo que não. Quer dizer, a entrada de imigrantes tem sido massiva nos Estados Unidos. A Europa tem muitos problemas. É uma das populações que envelhece mais rapidamente, o que certamente se sente em Portugal, mas a guerra na Ucrânia é terrível para a Europa. Ou seja, o conflito é que um golpe do qual os Estados Unidos estão mais afastados. Acho que essa é uma grande diferença entre o que está a acontecer na Europa e nos Estados Unidos.
E sem perspetivas de resolução.
E sem perspetivas de resolução. Se Harris ganhasse, resolveria? Eu, não sei. Se Biden ficasse no cargo por mais quatro anos, isso resolveria? Não tenho a certeza. É muito deprimente.
Porque diz que é deprimente? É uma palavra forte...
A instabilidade geopolítica global é a pior desde a II Guerra Mundial. Estamos de volta à Guerra Fria. É terrível para a economia global. E considero que ainda nem começámos a sentir todos os efeitos desta nova realidade. E não tenho certeza se a Europa sentiu todos os efeitos disso. Um primeiro ponto é que a Europa terá, suspeito, gastos muito maiores com a sua própria defesa. Mesmo que Harris vencesse, a Europa teria de gastar muito mais na sua própria defesa. E temos o Médio Oriente, o Mar da China Meridional, o que está a acontecer na Ucrânia... Ainda há muitas questões complicadas... Além da desglobalização, que prejudicou especialmente a Alemanha, mas também toda a Europa.
Falou há pouco do caso da Alemanha. Costumávamos ver a Alemanha como o motor da economia europeia e agora?
Eu gostava que o único problema fosse a guerra. Que tudo fosse como antes: a Alemanha estivesse a vender produtos para a China, a obter gás barato da Rússia e que os Estados Unidos estivessem a pagar pela defesa. Foi um acordo muito bom para a Alemanha, mas isso mudou. Também acho que parte do sucesso da Alemanha foram as reformas que [Gerard] Schroeder instituiu no início dos anos 2000 e que tornou a economia muito mais flexível. Destruíram essas reformas. O populismo, a viragem à esquerda na Alemanha tornou a economia alemã muito mais esclerótica, muito mais parecida com o resto da Europa. Não tem flexibilidade para lidar com esses choques. Pode demorar algum tempo até que a Alemanha endireite o navio e comece a crescer novamente. Quer dizer, a economia alemã sempre funcionou bem sob quase qualquer sistema. A Alemanha Oriental, foi a economia mais forte da antiga União Soviética, do antigo bloco soviético, mas acho que está em um período de fraqueza prolongada. É em parte a guerra, mas acho que é também são as escolhas que os sistemas políticos fizeram para desfazer as reformas de Schroeder. Não é uma surpresa que a Alemanha esteja mais vulnerável a recessões.
Como avalia o plano de Mario Draghi. É um entusiasta dos impactos que pode vir a ter na economia europeia?
Podemos ter esperança. [Mario] Draghi fez uma excelente análise sobre os problemas, mas sublinho que, até agora, não conheci qualquer líder europeu nos últimos anos, até muito recentemente, que considerasse a união orçamental uma boa ideia. Ninguém queria. E incluiria neste grupo os italianos. Quando referi há pouco a crise financeira, há 15 anos, disse a toda a gente que era preciso ter uma união orçamental. A necessidade de desenvolver um sistema de transferências e uma rede de segurança. Não podem continuar como estão!’Mas esse é o futuro: uma união orçamental e política. Julgo que não há outro caminho. Portanto, concordo totalmente com Draghi – que só muito recentemente defendeu esta solução. Mas, por exemplo, existe abertura para isso em Portugal?
Diríamos que sim, mas é um tema que está a ser avaliado com muito cuidado.
Exatamente. Falei com amigos franceses sobre o tema e a questão não é apenas ter mais despesa com a Defesa. É preciso ter um sistema mais centralizado. Não podemos ter um comando italiano, um comando francês e um comando alemão. E os franceses estão muito apreensivos. Não porque não confiem na Alemanha, mas porque se a Alemanha avançar para a produção em massa de armamento... bem, é uma das poucas áreas em que a França lidera na Europa. E temem que, se a Alemanha avançar para esta área, esmaguem a França. Obviamente, que não querem que isso aconteça. E é apenas uma coisa um pouco absurda de se dizer, mas eles admitem isso. Portanto, a questão é: até onde pode ir a união política? Tenho alguns dos meus alunos a trabalhar nesta questão, a escrever documentos sobre se, de facto, a Europa precisa de uma união orçamental.
Nessa união está a incluir a emissão de dívida comum?
Absolutamente, sem dúvida alguma. A UE precisa de uma união orçamental em que o centro arrecada, digamos um mínimo de 10% do PIB dos impostos e fornece bens e serviços. Precisam de uma união política para ter uma união orçamental. E se a guerra, se a invasão russa da Ucrânia não pode ensinar essa lição à Europa, não sei o que pode. Julgo que vai acabar por acontecer, mas não sei o que vai ser preciso para que isso aconteça. Portanto, quando houver outra crise das dívidas na Europa – que provavelmente haverá em algum momento, mas não em Portugal – as taxas de juros reais mais altas vão tornar mais doloroso lidar com isso. Quando a UE avançou com o mecanismo de apoio na covid, as taxas de juros reais eram negativas. Foi barato socorrer toda a gente e, no futuro, não vai parecer tão barato, o que pode tornar mais difícil uma solução, o que cria mais pressões para avançar agora.
Mencionou Portugal. Há 15 anos, o país estava entre os mais endividados do mundo. Como avalia o caminho feito até aqui?
Sempre tive a sensação de que Portugal esteve numa situação muito melhor do que a Grécia, por exemplo. E, sinceramente, muitos dos líderes europeus com quem falei durante a crise financeira diziam a mesma coisa. Se perguntassem sobre a Grécia, ninguém confiava no país. Se perguntassem sobre Portugal, diziam que queriam ajudar, confiamos em Portugal. Eles estão a tentar fazer a coisa certa. E acho que o país o demonstrou. É notável. E o crescimento de Portugal tem sido decente em comparação com o resto da Europa. Prevê-se que seja um pouco mais lento este ano, mas o crescimento está acima da média. Tem sido um bom período. Não estou a seguir a política em detalhe, mas Portugal está claramente num caminho melhor do que muitos países europeus.
Mas podemos dizer que foi indolor também, como diz o FMI, com uma aterragem suave na Zona Euro e nos EUA?
A situação da Alemanha é muito problemática para Portugal. Não há dúvida de que se a Alemanha continuar em recessão – é uma economia muito grande – afeta Portugal. Isso diminui as perspetivas de crescimento de Portugal. Mas os fundamentos estão nas mãos de Portugal, na forma como o país gere a sua economia. A Alemanha não está bem, mas a Polónia está a sair-se muito bem. A Roménia é um país que, simplesmente não consigo compreender, o quão bem está. Quando eu era jogador de xadrez, os romenos eram notoriamente corruptos, mas agora estão talvez com uma economia 5 ou 10 anos atrás da Polónia. E Portugal não está tão bem como Espanha, mas está a avançar. São definitivamente histórias positivas na Europa, à exceção da Alemanha, claro.