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Kenneth Rogoff: “Gostava que houvesse um botão de pausa” na inteligência artificial

Numa entrevista exclusiva antes de participar na conferência do Negócios, o antigo economista-chefe do FMI Kenneth Rogoff defende “regulação pesada” para a inteligência artificial. No longo prazo, mostra-se otimista com os ganhos económicos da tecnologia, mas alerta para os riscos do avanço rápido da IA. O professor de Harvard fala ainda da ação do BCE e da Fed no controlo da inflação, avisa para futuras crises no médio prazo e elogia o trabalho de Portugal.

Pedro Catarino
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Numa antevisão da conferência do Negócios sobre inteligência artificial (IA), que ocorre esta quinta-feira em Lisboa, o conceituado economista norte-americano Kenneth Rogoff aponta os ganhos potenciais da tecnologia, admitindo que, no longo prazo, e apenas em termos económicos, as vantagens superem as desvantagens. Mas mostra-se também muito preocupado. O antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) defende uma “regulação pesada” da IA, tanto pelos Estados Unidos como pela Europa. Nesta entrevista, Kenneth Rogoff avalia também a atuação do BCE e da Fed de forma positiva, mas avisa que os picos de inflação elevada vieram para ficar.

Olhando para o desempenho do Banco Central Europeu (BCE) e da Reserva Federal (Fed) nos Estados Unidos, considera que foram tomadas as medidas apropriadas para combater a inflação? Já estamos na fase, pelo menos na Zona Euro, de um aperto monetário excessivo?

Os bancos centrais estão entre a espada e a parede. A economia europeia está muito fraca e os governadores centrais arriscam-se a ir em qualquer direção. Penso que, de um modo geral, tanto a Fed como o BCE fizeram um bom trabalho depois de a inflação ter ficado elevada e isso será visto no futuro como bem-sucedido. Mas preocupa-me o facto de estar a ganhar a batalha [contra a inflação] não signifique que ganhem a guerra. A minha visão do mundo daqui para a frente é que vai ser mais difícil para os bancos centrais conseguirem consistentemente uma inflação baixa.

Porquê?

A geopolítica cria, antes de mais, pressões orçamentais. Cria desglobalização em algum nível, também temos um nível de populismo nos Estados Unidos e na Europa como não víamos há muito tempo. E talvez a razão número um seja mesmo o facto de as taxas de juros reais terem normalizado, tal como a inflação. Quando juntamos todas essas coisas, [a tarefa dos bancos centrais] vai ser mais difícil. É essa a minha expectativa. Ganhámos a batalha, a inflação baixou, mas eu prevejo que, em algum momento nos próximos cinco a dez anos, no máximo, algo mais acontecerá. Uma guerra, uma pandemia, uma crise cibernética... Voltaremos a ter uma situação difícil e voltaremos a ter um pico de inflação. Acho que o novo normal é ver, no futuro, picos de inflação mais do que deflação.

Costuma dizer-se que as crises económicas são cíclicas. Mas o que é diferente desta vez?

Um banco central nunca está a escolher a inflação alta de propósito. Nunca sabem o que está ao virar da esquina. Os bancos centrais têm de correr riscos com uma recessão, riscos com uma inflação alta. Considero que vivemos num mundo onde as pressões, daqui para frente, vão exigir mais riscos com a inflação. Não estou a dizer que a inflação está prestes a subir. Estou a dizer que algo vai acontecer nos próximos cinco a dez anos. Não sei o quê. E isso tornará muito difícil fazer previsões novamente. E suspeito que acabaremos com outro pico de inflação. Tenho essa suspeita muito forte em relação aos Estados Unidos, onde o orçamento está fora de controlo. Mas eu acho que a Europa enfrenta um acerto de contas com a necessidade de pagar pela sua defesa, lidar com todas as pressões populistas na Europa e o envelhecimento da população que também é problemático. Penso que chegámos a um ponto de viragem há dois anos, relativamente às taxas de juro reais e à inflação. Os dez anos antes de 2022 foram uma aberração. Esse foi um período atípico e estamos de volta a um período mais normal.

Antecipa um cenário de policrises?

Vivemos num mundo mais volátil e a geopolítica está no centro disso. Mas o populismo também. Houve realmente uma mudança no que o público exige, o que cria muitas pressões, tanto sobre as taxas de juro reais e como sobre a inflação. Mas não sei o que está ao virar da esquina. Espero o melhor, mas acho que é preciso preparar-nos para o pior. Eu descrever-me-ia certamente como um pouco pessimista. É um período muito difícil.

Com todo este pessimismo, onde é que os governos devem colocar as suas fichas para que as economias cresçam mais?

Primeiro, claramente em inteligência artificial, nos Estados Unidos e em todos os lugares.

Vai ajudar?

Vai ter impacto. Pode, penso eu, aumentar o crescimento. Não acho que seja bom para o emprego, mas acho que é claramente bom para o crescimento. Mas pode criar muito mais populismo, tensões e problemas.

Pelo que tem dito, acredito que está algures entre um tecno-otimista e um tecnopessimista.

Estou otimista em relação à tecnologia. Estou pessimista sobre como a humanidade vai usá-la. Nunca aceitei essa ideia da estagnação secular. Tive grandes debates com Larry Summers e disse que era ridículo. O problema é que o futuro vai avançar demasiado depressa, não demasiado devagar. E, infelizmente, acho que estamos a chegar a esse ponto. Há muitas coisas boas que se podem fazer. Os meus alunos podem fazer os trabalhos de casa com recurso à IA. Julgo que, infelizmente, o uso militar também será importante no mercado de trabalho. Gostava que houvesse alguma maneira de carregar num botão de pausa para que a sociedade evolua. Acompanhei a inteligência artificial muito de perto, toda a minha vida através do xadrez. Fui jogador profissional de xadrez. Eu fui e sou amigo de todos os programadores de computador, não apenas agora, mas desde há 50 anos e assisti a este progresso e no xadrez está a evoluir muito bem (risos). Mas é assustador como a [IA] está a tornar-se boa no xadrez. É assustador como está a ficar cada vez melhor. Portanto, é de esperar que o computador atinja um nível de Deus e depois há um nível de Deus mais acima. Vemos a rapidez do avanço e é, simplesmente, alucinante. E isto é apenas no xadrez. Acredito que vamos ver a mesma coisa em diferentes áreas e a questão é saber o quão rápido nos vamos ajustar. Há tantas áreas desde as ‘deep fakes’ e o que isso faz com as redes sociais, a destruição de empregos, aplicações militares. É emocionante. Sou um tecno-otimista no sentido da velocidade a que está a acontecer, mas sou pessimista no sentido em que gostaria que não fosse tão depressa.

Acredita que deveria haver mais regulação?

Deus, sim! Acho que o facto de não termos regulamentado a tecnologia e, especialmente, as redes sociais foi um dos grandes erros que os Estados Unidos cometeram. A minha vizinha aqui da universidade é Elizabeth Warren, que é senadora de esquerda na Califórnia e é muito radical. Concordo plenamente com ela nesta questão. Não termos regulado as redes sociais é responsável por muitos dos nossos problemas. A IA são as redes sociais multiplicadas por dez. E, por isso, sim, sou a favor de uma regulamentação pesada. E quero fazer uma analogia. Se pensarmos na crise financeira, a regulamentação entrou e foi muito pesada. Os bancos queixaram-se. Disseram que era demais. Mas quando tivemos a pandemia da covid-19, o sistema bancário aguentou-se. E às vezes é preciso exagerar com a regulamentação em momentos como este. Isso traz-nos lições para a IA. É sempre possível reduzir a regulação mais tarde. E, sim, há o medo de que a China nos passe se regulamentarmos demais. Mas como me disse um dos meus ex-alunos que trabalha com o tema: ‘Então você quer ter certeza de que são os Estados Unidos que acabam com o mundo e não a China?’ Sou a favor de uma regulação muito, muito mais forte. Quero dizer, há muitas áreas em que sou a favor de uma regulamentação mais forte. Os criptoativos parecem estar a pagar metade da eleição presidencial dos EUA, segundo um artigo da New Yorker. E eles simplesmente não querem ser regulamentados. A IA vai ser a mesma coisa. É muito perturbador.

Há uma grande discussão sobre os dividendos da inteligência artificial e quem beneficiará dela. Acredita que será possível um equilíbrio sobre esses dividendos?

De momento, há um equilíbrio muito precário. No curto prazo, se falarmos apenas de economia, haverá provavelmente muito mais deslocalização de trabalhadores e desemprego do que melhoria de emprego. Pessoas qualificadas vão usar a IA e achar que é maravilhosa, mas acho que vai destruir um número massivo de empregos num primeiro momento. A longo prazo, a sociedade vai reorganizar-se. Vamos encontrar outras coisas, mas vai ser, certamente, muito desafiador e haverá uma grande reação política. Mas é certamente fascinante. Vai solucionar alguns problemas que não conseguimos resolver agora. E isso é bom. E talvez nos ajude a viver mais tempo, a resolver matemática difícil, problemas de física que não conseguimos solucionar. Mas, em última análise, somos nós que estamos aos comandos. E por isso acho que é um desafio difícil. E voltando à questão da regulação que colocou, sim, precisamos mesmo de pensar que os governos tenham uma mão mais forte. Infelizmente, tenho a sensação de que a Europa o fará e os Estados Unidos não.

Recentemente, nas reuniões do FMI, Kristalina Georgieva disse que a inflação está sob controlo e que isso aconteceu sem dor, ao contrário de outras crises, como o das dívidas soberanas, onde o desemprego disparou, especialmente na Zona Euro e nos EUA. Partilha desta visão otimista?

Bem, as Perspetivas Económicas do FMI preveem um crescimento muito lento para o mundo. A Europa está a crescer muito lentamente. A Alemanha está quase em recessão [os números que saíram entretanto mostram que o país conseguiu evitar uma recessão técnica no terceiro trimestre]. E a China, mesmo que os números não mostrem, está em recessão. Os EUA até estão bem. A previsão do FMI não foi brilhante. E para que a inflação descesse sem dor, foram precisos dois anos com as taxas de juro muito elevadas. E acho que vão continuar muito elevadas. As coisas podiam ter corrido pior, mas não tenho certeza se está a ser indolor na Europa ou na China. Os EUA estão com inflação ainda acima da meta, provavelmente vão ficar acima da meta, mas o crescimento tem sido muito sólido.

O que explica a diferença nos Estados Unidos?

Ainda não analisámos completamente os números. Há esta enorme imigração ilegal na fronteira do sul, que tem ocorrido sob a presidência de Joe Biden que aumentou a força de trabalho. A população dos EUA tem crescido em torno dos 2%. E é claro que isso faz com que o crescimento seja maior. Não tenho certeza se isso significa que é bom, mas os Estados Unidos estão muito melhor do que as outras grandes economias do mundo.

 

Estou otimista em relação à tecnologia, mas estou pessimista sobre como a humanidade vai usá-la. [...] O problema é que o futuro vai avançar demasiado depressa, não demasiado devagar.
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