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Como 11 pessoas tentam travar as fake news nas maiores eleições do mundo

Numa altura em que o fenómeno das fake news é cada vez mais um foco de preocupação para as plataformas online, o Facebook tenta "passar o teste" numas das próximas grandes eleições, as indianas. E fá-lo com a ajuda de verificadores de factos externos.

22 de Abril de 2019 às 17:19
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Uma das operações mais vitais para o Facebook está a um mundo de distância da sua sede em Menlo Park, na Califórnia – e isto, em mais do que uma perspetiva. Em vez dos extensos jardins nos rooftops e dos cafés sofisticados que se concentram juntamente com as últimas modas de Silicon Valley, o apertado escritório em Mumbai tem carpetes desgastadas e paredes decadentes, em linha com os cabos elétricos expostos.

A descrição corresponde ao espaço da Boom Live, uma das sete pequenas empresas de verificação de factos que está no centro dos esforços do Facebook para restituir alguma da sua credibilidade durante as eleições na Índia.

A maior democracia do mundo representa um terreno de batalha decisivo para o amplificador de desinformação de Silicon Valley. De acordo com dados preliminares, mais de 60% dos 900 milhões de votantes elegíveis na Índia deverão moldar as respetivas intenções de votos entre o momento presente e maio de 2019, à medida que o partido de centro-esquerda Congress Party tenta retirar poder ao Bharatiya Janata Party, de direita.

Tal como em qualquer outra parte do mundo, fanáticos dos partidos e esquemas pagos estão a espalhar propaganda através do Facebook e de outra das aplicações do grupo, o Whatsapp Messenger. A propaganda segue no Twitter, Youtube, TikTok e outros canais de comunicação ubíquos.

Em conjunto com os filtros automáticos do Facebook, os 11 verificadores de informação da Boom e de outras empresas contratadas semelhantes são a primeira defesa do Facebook contra a calamidade das fake news.

"Num país muito guiado pelas notícias locais e da comunidade, sabíamos que era essencial ter parceiros de verificação da informação e que pudessem rever o conteúdo transversal a várias regiões e linguagens", comentou Ajit Mohan, o diretor executivo e vice-presidente do Facebook na Índia, numa publicação recente.  

Os relatos do combate às fake news

Os verificadores de informação do Facebook analisam notícias na Índia em dez das 23 línguas oficiais do país, mais do que em qualquer outro país, de acordo com fonte oficial.

"A verificação de factos faz parte de uma estratégia mais ampla para combater notícias falsas, que inclui um trabalho extensivo para remover contas falsas; um corte dos incentivos para aqueles que espalham as fake news motivados pelo fator financeiro; a promoção da literacia da informação; e, finalmente, ais contexto acerca das publicações", explicou a empresa.

Estas empresas "verificadoras" têm alguns truques, incluindo o acesso ao software interno do Facebook que lhes dirige alertas acerca de publicações de popularidade suspeita. A equipa também se debruça sobre listas de queixas recebidas de utilizadores acerca de mensagens questionáveis partilhadas via Whatsapp. Estes profissionais passam assim a maioria do tempo a verificar e desmistificar as publicações que Rebelo compila todas as manhãs baseando-se nestas ferramentas e na sua própria avaliação.

A equipa classifica o próprio trabalho como "trabalho de Sísifo" (interminável e inútil). Depois de horas a reunirem material para persuadir o Facebook a apagar uma página de direita de nome "postcard News", uma página de fãs apareceu para retomar a partilha de vídeos da Postcard com os milhões de seguidores dos criadores. Ainda está em atividade.

Entre os casos identificados pelos "verificadores de factos" na Índia está uma imagem de elevada circulação, a qual tinha sido alterada para que uma das caras da campanha do Congress, Priyanka Gandhi, aparecesse acompanhada de uma cruz proeminente, sugerindo que esta não praticava aquela que é religião mais prevalente na Índia.

Os próprios verificadores debatem-se para lidar com a avalanche de ódio que encontram online, e contam histórias familiares aos moderadores de conteúdo que trabalham para o Facebook e outros serviços semelhantes, os quais reportam distúrbios de stress e pós-traumáticos. "Sinto a loucura todos os dias", diz Mohammed Kudrati, que se juntou a equipa da Boom em janeiro. A editora, Karen Rebelo, também ficou perturbada com um vídeo que mostrava uma cena de abuso sexual de uma menor. Agora, os trabalhadores da Boom anexam avisos de conteúdo gráfico antes de reencaminhar para que sejam avaliados pelos colegas.

Rebelo diz que pratica meditação para se manter sã e ordena à sua equipa que desligue entre as onze da noite e as seis da manhã. "Faça coisas que gostam, cultivem um passatempo, pratiquem um desporto, passem tempo com amigos e família, leiam livros, durmam mais", aconselha a editora aos colaboradores, a maioria na faixa dos 20 anos.

De mal a pior

O panorama atual das fake news deverá piorar, assegura um diretor sénior da empresa de pesquisa Gartner Inc, DD Mishra. Em 2022, a maioria dos indivíduos nas economias maduras irá consumir mais informação falsa do que verdadeira informação, de acordo com os dados desta empresa. "Num futuro próximo, a capacidade de criações de inteligência artificial produzirem informação falsa vai ultrapassar a capacidade do mesmo tipo de tecnologia de as detetar, fomentando a falta de confiança no ambiente digital", afirma Mishra.

Esta tendência, a acontecer, conferiria uma importância reforçada a estes exércitos de verificadores de informação, tendo em conta que empresas como o Facebook têm confiado em grande parte em software para filtrar a desinformação.  

Hoje em dia, estima-se que o Facebook e o Whatsapp, em conjunto, tenham mais de 300 milhões de utilizadores na Índia. A Boom Live abriu portas em 2016, antes dos termos "fake news" e "deepfakes" se tornarem parte do léxico comum.

A contratação de terceiros para estas tarefas acontece numa altura que o Facebook assumiu como uma das prioridades o combate à desinformação, mas existem mais vantagens. As contratadas trabalham por uma quantia inferior à dos trabalhadores da rede social, podem ser percecionados como mais objetivos no escrutínio e podem, ainda, ser "bodes expiatórios" fáceis caso seja necessário.

A equipa de Rebelo trabalha para o Facebook desde umas eleições regionais no verão passado, e a intervenção relacionada com as eleições mais recentes foi reforçada no início deste ano. O fundador, Govindraj Ethiraj, afirma que a empresa está agora no break-even, embora prefira não revelar valores do contrato com o Facebook, justificando com o acordo de confidencialidade entre os dois parceiros.

Uma visita à Boom torna evidente que a escala dos esforços do Facebook para responder a esta questão na Índia não é suficiente. A equipa parece capaz e trabalhadora mas, tendo em conta a escala do problema, podem estar a peneirar grãos de areia de uma praia tóxica. "O que podem 11 pessoas fazer", diz a editora da Boom, Karen Rebelo, "quando centenas de milhares de pessoas que são pela primeira vez utilizadoras de smartphones e de internet e partilham avidamente todos os vídeos suspeitos e todos os pequenos petiscos que lhes chegam.

De acordo com o Facebook, os verificadores de informação são só um dos elementos do plano de 18 meses que a empresa tem para salvaguardar as eleições indianas, e que inclui a abertura de uma versão da "sala de combate" que esteve ativa durante as eleições americanas de 2018, desta vez em Deli, na Índia. O objetivo é tornar a propaganda política mais transparente e apagar centenas de páginas locais e contas que divulguem desinformação relacionada com o evento das eleições.

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