Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Orçamento 2011 - Um fardo para as PME

A subida do IVA e o corte nos salários vão ter um grande impacto no consumo e muitas empresas não vão conseguir resistir, alertam as PME. As medidas concretas sobre as empresas, contempladas na proposta de Orçamento do Estado para 2011, não são suficientes para evitar um futuro que se antevê muito difícil. Pedem cortes sérios na despesa para que medidas como o desagravamento fiscal sobre o trabalho e as empresas possam ser uma realidade.

21 de Outubro de 2010 às 10:46
  • ...
A cadeia lógica da quebra de rendimento das famílias, que leva a uma queda do consumo e, logo, a um recuo inevitável do volume de negócios das empresas é o que mais preocupa os empresários que lideram as pequenas e médias empresas (PME) do país quando olham para a proposta de Orçamento do Estado para 2011 que o Governo colocou em cima da mesa. Mais do que qualquer medida concreta que a proposta possa conter e que tenha como alvo as PME, são as grandes medidas que centram as atenções dos empresários. Mas também a falta de estratégia, que possa traçar um rumo para o país.

A ideia é resumida por Isabel Flores, que fundou e gere uma microempresa, a Kids 4 Kids, criada em 2008: "Um orçamento que torna o IVA num dos mais elevados da Europa, corta salários a cerca de 50% da população (e os restantes virão por arrasto), aumenta os impostos por todas as vias que consegue, corta no investimento público e introduz desconfiança no privado, tem de ser fortemente prejudicial para todo o tecido económico-social em particular para as pequenas e médias empresas." Resultado: a sobrevivência das empresas é a preocupação de muitos pequenos e médios empresários.

No caso da Kids 4 Kids, que produz e comercializa materiais para o ensino precoce da língua inglesa, contando já com dezenas de clientes institucionais e centenas de clientes privados, sobretudo escolas, a sobrevivência parece não estar em causa. Há só um posto de trabalho fixo, o de Isabel Flores, que se desdobra para fazer de tudo um pouco, e o desperdício é todos os dias reduzido a zero, mantendo o objectivo de encontrar um investidor que permita potenciar a criação de uma linha de produtos próprios que possa ganhar escala para ser exportada para mercados maiores e mais ricos.

Mas este pode não ser o cenário para uma boa parte das mais de 260 mil pequenas e médias empresas que operam no país. "As insolvências são inevitáveis, estão todos os dias a acontecer", salienta Augusto Morais, presidente da Associação Nacional de PME. Dá o exemplo das empresas ligadas à pequena distribuição como as mercearias de bairro, que trabalham muitas vezes a crédito. "Muitas vão fechar, até para mal da própria clientela", refere. Augusto Morais garante, mesmo, que há 40 mil empresas que ainda não pagaram o subsídio de férias, o que coloca sérias dúvidas sobre o subsídio de Natal.

Isso não quer dizer que as PME vão seguir as mesmas directrizes do Estado, quando decide, neste Orçamento, reduzir salários na Função Pública. Uma hipótese que o próprio relatório do OE coloca quando diz que "a redução de salários da função pública não poderá deixar de ter um forte efeito na moderação salarial no sector privado em 2011 e mesmo nos anos seguintes." Augusto Morais diz que não aprova esta medida: "Não estamos de acordo em reduzir salários aos nossos trabalhadores, porque já ganham pouco."

José Alves da Silva, presidente da Associação PME Portugal, assina por baixo. "O microempresário não vai reduzir salários, porque estes já são baixos, quem os pode reduzir são as grandes empresas." Sabendo que as medidas de austeridade são "um facto consumado", o presidente da PME Portugal diz que, ao mesmo tempo que o Governo aplica um antibiótico para curar os seus males, devia também dar algumas vitaminas.

Medidas positivas versus medidas negativas
Olhando para os detalhes da proposta do OE, José Alves da Silva encara a nova linha de crédito PME Investe, a VII, como sendo à partida uma 'vitamina'. Sempre é uma linha que abarca três mil milhões de euros, mas questiona se vai chegar de facto às empresas. Uma linha que é também encarada como uma medida positiva deste Orçamento por Francisco Balsemão, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários, quando se atravessa uma fase de restrição ao crédito.

Outra medida encarada como potencialmente positiva são os incentivos à Investigação & Desenvolvimento, mas que, a avaliar pela aplicação concreta dos últimos anos, não deixa grandes esperanças, refere Isabel Flores. Também a medida que visa incentivar os sócios a fazerem suprimentos de capital podia ser positiva não fosse o caso de muitos sócios não terem dinheiro para investir, refere a empresária.

Ao contrário, há uma medida concreta do Orçamento que o presidente da PME Portugal considera "terrível" para as PME, aquela em que a dedução de prejuízos fiscais vai ficar sujeita à certificação legal das contas por Revisor Oficial de Contas. "Os custos de um ROC são demasiado elevados, podem corresponder ao custo anual do Técnico Oficial de Contas, e muitas empresas podem preferir pagar o imposto na totalidade, evitando o custo do ROC", salienta, acrescentando que este é, no fundo, um obstáculo que pode resultar em mais receita de IRC. Por isso, não hesita em dizer que se trata de uma medida "imoral".

João Miranda, presidente da Frulact, uma das três mil PME Líderes do país, entende, por sua vez, que a redução dos benefícios fiscais em sede de IRC e a implementação em definitivo do Código Contributivo são factores negativos para as empresas, já para não falar numa questão que lhe diz directamente respeito: a subida do IVA. "Como a incidência é nos produtos transformados, quem sofrerá o primeiro impacto será a agro-indústria", diz, acrescentando que o sector vai perder competitividade, irá refrear investimentos ao nível da inovação e ver-se-á limitada em termos de recursos, atrasando ou suspendendo processos de internacionalização.

Perante tantos factos que parecem consumados, António Ressurreição, um empresário da área do vestuário, que exporta já para dez países, diz que só resta uma esperança para os pequenos e médios empresários: a de que a redução da despesa seja de tal forma "efectiva e estrutural que permita rapidamente a libertação de meios financeiros e a sua disponibilização, à economia em geral e às PME em particular."

Mas isso não basta, diz João Miranda, não acreditando em Orçamentos reactivos. É preciso "estabelecer um rumo estratégico para o futuro". "As linhas orientadoras do Orçamento de Estado deveriam estar enquadradas num acordo ou pacto político-partidário, em que houvesse uma concertação por parte dos partidos com maior relevo, sobre a estratégia para os próximos 10 ou 15 anos para Portugal."

O que faz falta
Considerando este Orçamento "inexequível, Augusto Morais diz que em termos de medidas concretas benéficas para as PME, seria importante a proposta incluir medidas como a redução do IRC para os 20%, a redução da taxa de contribuição patronal para a Segurança Social em 7,75%, isto para além de fortes medidas de corte da despesa pública (que passam pela eliminação de organismos públicos e de ministérios e secretarias de Estado) que permitam dar margem orçamental para reduzir a carga fiscal sobre o trabalho, por exemplo.

É isso mesmo que propõe Francisco Balsemão, da ANJE, que a queda da taxa social única devia ser reduzida em compensação pelo aumento do IVA. "Só assim, a nossa indústria exportadora pode ser mais competitiva", refere.

João Mirada deixa mais algumas propostas concretas que gostaria de ver no Orçamento: uma aposta de suporte à internacionalização de forma diferenciada, nomeadamente através do apoio não só aos sectores que estão na "moda", mas também nos sectores tradicionais como a Agricultura, o Agro-alimentar, ou o Calçado e uma política de benefícios fiscais para as empresas que cumpram com objectivos de internacionalização.

Já Isabel Flores gostaria de ver um Orçamento que tivesse uma visão, uma estratégia para um país que se quer tornar exportador . "Não encontro nenhuma medida que favoreça a educação, nem o investimento, nem a ciência, nem nenhum dos sectores que podem vir a acrescentar valor ao país."




As medidas do Orçamento que pesam nas PME



Dedução de Prejuízos.
A dedução de prejuízos fiscais vai ficar sujeita à certificação legal das contas por Revisor Oficial de Contas. Segundo o Oorçamento (OE), esta é uma solução que se destina a "pôr termo a eventuais aproveitamentos abusivos de prejuízos fiscais, reforçando o escrutínio sobre as empresas e a responsabilização na elaboração de contas."

"Fringe benefits".
As taxas de tributação autónoma de IRC aplicáveis aos "fringe benefits" vão ser alvo de medidas de "moralização", diz o OE. Os encargos suportados com automóveis da empresa continuam a estar sujeitos a uma taxa autónoma de 10%, que é agravada para 20% sempre que apresentem valor mais elevado tendo em conta os limites estabelecidos no Código IRC para efeitos de depreciação de viaturas.

O Governo diz que o objectivo é desmotivar "a atribuição de viaturas como mero benefício acessório, sem prejudicar a aquisição de viaturas utilitárias para o uso corrente da sua actividade". Além disso, o OE determina que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais.

Limitação global dos benefícios fiscais de IRC.
O Governo diz que o objectivo é alargar a base de incidência do IRC e garantir maior equidade no tratamento fiscal das empresas. Desta forma, revê o limite global ao aproveitamento
de benefícios fiscais que consta no artigo 92º do Código de IRC para os 90%, sendo esta a percentagem de referência abaixo da qual não se consideram os benefícios fiscais. Além disso, em vez de enunciar os benefícios a que se aplica, passa a aplicar-se a qualquer benefício fiscal, sendo apenas enunciadas as excepções.

INOV.
Será dada continuidade a este projecto de formação de recursos humanos, com destaque para a formação de quadros profissionais especializados em comércio internacional. Serão, assim, colocados 500 jovens em PME exportadoras.

Seguros de crédito à exportação.
O governo vai dar garantias aos seguros de crédito para incentivar as exportações.

Apoio ao reforço dos capitais próprios das PME.
O propósito, diz o OE, é apoiar o reforço dos capitais próprios das PME através do dinheiro dos sócios, prevendo um aumento para 6% do actual spread de 1,5% sobre a taxa Euribor 12 meses, para efeitos de aceitação como custo da remuneração de suprimentos e outros empréstimos feitos pelos sócios, colocando um prémio sobre as taxas de mercado. Além disso, para incentivar o financiamento das PME pelos sócios, o OE diz que as PME podem deduzir ao lucro tributável o valor resultante da aplicação de uma taxa de 3% ao montante de entradas feitas pelos sócios, na constituição da sociedade ou em aumentos do capital social.

PME Consolida.
Este programa apoiará o reforço da estrutura de capitais das empresas de menor dimensão, envolvendo três instrumentos: o fundo Autónomo de Apoio à Concentração e Consolidação de Empresas (FACDE), o Fundo Imobiliários Especial de Apoio às Empresas (FIEAE) e o reforço dos instrumentos de capital de risco.

Capital de risco.
O reforço dos instrumentos de capital de risco inclui, para além dos capitais de risco do Ministério da Economia, o Sistema de Incentivos à Revitalização e Modernização Empresarial (SIRME).

Apoio ao financiamento.
O governo compromete-se a dar continuidade aos programas FINICIA, FINCRESCE e FINTRANS. No caso do FINICIA, continuando a oferecer soluções financeiras para pequenas empresas, facilitando o financiamento à criação de empresas de menor dimensão e reduzindo as dificuldades de ligação ao mercado financeiro.

PME Investe VII.
A linha de crédito PME Investe será relançada. Abrange três mil milhões de euros e prevê a introdução de novas regras. Nomeadamente, o Estado passa a ser fiador do Fundo de Contragarantia Mútuo para garantir o crédito, até um montante máximo de 215 milhões de euros, a empresas que não conseguem cumprir os requisitos exigidos pela banca.

Criação de empresas.
Será dada continuidade aos projectos de criação de empresas de pequena dimensão e que originem a criação de emprego, nomeadamente do MICROINVEST e o IVEST+.

Investigação & Desenvolvimento.
O Governo compromete-se a reforçar o sistema fiscal à I&D nas empresas, nomeadamente o investimento em I&D de empresas em início de actividade e o investimento em I&D associado a grandes projectos. Desta forma, o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial, o SIFIDE, terá uma nova versão, o SIFIDE II, que vai vigorar entre 2011 e 2015, permitindo uma dedução fiscal de 32,5% aplicável à despesa total em I&D, a somar à dedução de 50% do aumento desta despesa em relação à média dos dois anos anteriores, até ao limite de 1,5 milhões de euros. Os incentivos excluem as despesas com comparticipação do Estado a fundo perdido e as empresas com dívidas ao Fisco e à Segurança Social.

QREN.
O Governo refere que no âmbito da reprogramação financeira do QREN será dada prioridade ao fortalecimento da competitividade, a promoção do capital humano e a valorização do território.

Apoios ao Comércio.
Lançamento de uma nova fase do Sistema de Incentivos a Projectos de Modernização do Comércio (MODCOM), reforçando os apoios a projectos de modernização das micro e pequenas empresas e das estruturas associativas do sector. O Governo prevê abrir concursos no âmbito do MERCA, instrumento do QREN para a promoção da competitividade do comércio e serviços na envolvente urbana.

Dinamizar o imobiliário.
Criação de um grupo de trabalho interministerial com vista à adopção de medidas dinamizadoras do mercado imobiliário, de promoção do ordenamento e responsabilização dos agentes do sector da construção e do imobiliário, alargando as actividades de ordenamento e de regulação aos vários agentes da construção.

Estímulo aos pólos Competitividade.
A aposta na dinamização de pólos de competitividade e tecnologia e "clusters" com o objectivo de acelerar a modernização dos sectores de bens e serviços transaccionáveis será feita estimulando as sinergias que resultam do funcionamento cooperativo e da organização em rede, mas também através da articulação entre centros de produção de conhecimento científico e tecnológico e o tecido empresarial.




As PME em números



• Há 267 mil micro, pequenas e médias empresas em Portugal, das quais 60% Comércio e Serviços, 17% Indústria, 10% construção, 10% Turismo, 3% agricultura e pescas, segundo dados fornecidos pela Associação Nacional de PME.
• Apenas 30% das empresas criadas em Portugal se mantêm activas após o primeiro ano de vida, diz o INE.
• 2.178.493 era o número de pessoas ao serviço das micro, pequenas e médias empresas portuguesas , segundo dados de 2008 do INE.
• 6,2 é a média de trabalhadores empregues pelas PME, segundo dados do INE de 2008.
• 201.765 milhões de euros é o volume de negócios gerado pelas PME em 2008; apenas 15,2% deste valor é gerado pelas microempresas, apesar de estas representarem mais de 85% do total de PMEs , diz o INE.
• Lisboa e a região Norte concentram 65,6% do total de PME (229.604), segundo dados de 2008 do INE.
• 114.000 é o número de empresários que saíram do mercado entre Abril de 2005 e Junho de 2010, abrangendo micro-empresários, empresários que dissolveram empresas e empresários que avançaram para a insolvência, segundo dados do Eurostat.


Ver comentários
Saber mais pme jornal negócios Orçamento 2011
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio