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Eles não se fecharam no gabinete das próprias cabeças
Começamos com Fernando Pessoa, porque o momento é solene. "Nada revela mais uma incapacidade fundamental para o exercício do comércio que o hábito de concluir o que os outros querem sem estudar os outros, fechando-nos no...
04 de Junho de 2009 às 14:58
Cinco empresas do sector comercial foram distinguidas com os prémios Mercúrio. Saiba porquê e conheça os projectos.
Começamos com Fernando Pessoa, porque o momento é solene. "Nada revela mais uma incapacidade fundamental para o exercício do comércio que o hábito de concluir o que os outros querem sem estudar os outros, fechando-nos no gabinete da nossa própria cabeça e esquecendo que os olhos e os ouvidos - os sentidos, enfim - é que fornecem os elementos que o nosso cérebro há-de elaborar, para com essa elaboração formar a nossa experiência." Sim, Pessoa olhou para o mundo dos negócios e dedicou-lhe o seu "O Comércio e a Publicidade". Sinal de que a coisa é mesmo importante - este não é poeta para valorizar o invalorizável -, Fernando Pessoa escreveu sobre o comércio e deu-nos esta maravilha de agarrarmos os sentidos para não nos fecharmos "no gabinete da nossa própria cabeça".
E como há gente nas lojas que quer o bem das cabeças alheias, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal e a Escola de Comércio de Lisboa atribuiram os "Prémios Mercúrio 2008", para dizer "obrigado" a quem se entregou ao hábito do comércio. Nestes óscares de um sector tantas vezes esquecido, o Negócios expõe os cinco projectos que levaram o Mercúrio para casa na área de empresas (no total, são cinco categorias diferentes). E Pessoa que esteja tranquilo, porque esta gente trata bem dos hábitos dos outros.
Começamos com Fernando Pessoa, porque o momento é solene. "Nada revela mais uma incapacidade fundamental para o exercício do comércio que o hábito de concluir o que os outros querem sem estudar os outros, fechando-nos no gabinete da nossa própria cabeça e esquecendo que os olhos e os ouvidos - os sentidos, enfim - é que fornecem os elementos que o nosso cérebro há-de elaborar, para com essa elaboração formar a nossa experiência." Sim, Pessoa olhou para o mundo dos negócios e dedicou-lhe o seu "O Comércio e a Publicidade". Sinal de que a coisa é mesmo importante - este não é poeta para valorizar o invalorizável -, Fernando Pessoa escreveu sobre o comércio e deu-nos esta maravilha de agarrarmos os sentidos para não nos fecharmos "no gabinete da nossa própria cabeça".
Novos conceitos Amor no Porto, negócio em Évora
Évora foi o poiso escolhido e o casal já tinha o impulso do negócio próprio. "Não é por questões de dinheiro, mas sempre senti que queria ter algo meu. Gosto de ver as coisas bem feitas e sempre quis ter um negócio. E, à vezes, fica-se com a sensação, nos sítios que não são nossos, que não há esta vontade de ter tudo muito bem feito", explica Inês Varejão, ela com um bilhete de identidade a marcar 1,50 metros e o do marido a registar uns significativos 1,90 metros - se o amor fosse uma média, este ficava com 1,70 metros (um amor muito português, ou não fosse esta a nossa média de altura). Em 2004, esta vontade de ter as coisas bem feitas traduziu-se no Boa Boca Gourmet. "A ideia era aliar os nossos conhecimentos - 'design' e agronomia - e abrir uma loja "gourmet". Fizemo-lo no centro de Évora, com o objectivo de aliar produtos de qualidade ao 'design' das embalagens. Primeiro, importámos, depois começamos a criar os nossos próprios produtos", desenvolve Inês Varejão. Entre os prazeres da mesa que andam pela Boa Boca Gourmet, encontramos chocolate, café e biscoitos artesanais, frutos secos, licores, todos empacotados em embalagens de altíssima qualidade, algumas delas premiadas. Se a loja é o habitat natural dos produtos, é na distribuição que o negócio é mais lucrativo - estes produtos próprios da loja de Inês Varejão e de António Policarpo são vendidos para outros pontos do país, incluindo hotéis. Agora, o objectivo é fazer chegar estas delícias alentejanas além-fronteiras. "Temos contactos estabelecidos em diversos países, entre os quais a Escócia, os Estados Unidos, Israel, Turquia, Itália e Índia", define Inês Varejão. Para já, e além de Portugal, a Boa Boca Gourmet já paira por Barcelona e Amesterdão. |
Comércio "on-line" Como bater o Continente com presentes
Posto isto, avançou tudo - o casamento e a ideia de negócio, que se tornou numa empresa que os Prémios Mercúrio distinguiram na categoria "comércio on-line". Dois anos após o casamento, Pedro Sousa oficializou o Presentes.pt. Um dos mecanismos disponibilizados no portal, e que é o mais rentável, é precisamente o das listas (podem ser de casamento e Lua-de-Mel ou de nascimento e baptizado, entre outros): por exemplo, os noivos fazem a sua lista, à qual os convidados podem aceder "on-line" inserindo o nome de cada um dos elementos do casal e a data do casamento; posteriormente, abre uma página, onde os convidados podem escolher o que querem oferecer, numa lista que contempla as lojas que os noivos quiserem (e não uma loja só, como é hábito nas listas normais); finalmente, os convidados escolhem o que querem oferecer e "voilá". Há mais dois serviços disponibilizados no Presentes.pt: por um lado, um cartão de desconto multimarca/multiloja, que permite compras em mais 150 lojas, que correspondem a cerca de 900 pontos de venda; por outro lado, há os "bairros.pt", em que o utilizador pode ver zonas que contemplam várias lojas próximas entre si e onde pode utilizar o cartão - são os "shopping centers" geográficos. Tudo somado, é este o conceito do Presentes.pt. Nos Prémio Mercúrio, e na categoria de "comércio on-line", o projecto de Pedro Sousa (ele que já foi director-geral da Via Net.Works) levou a melhor sobre o Continente.pt, entre outros projectos a concurso. "O objectivo é internacionalizar o conceito. Assim de imediato, o Brasil está nos planos", explica Pedro Sousa, ao indicar o presente que quer para si. |
Lojas com história Ir ao Estádio para ver livros a sério
Antero Braga, um dos donos da empresa que detém a Lello, ouviu a conversa de passagem. Ele sabia que ali não era espaço para lençóis, mas fez a associação certa. "O que a senhora procura não é a Maria Gabriela Llansol?" Era mesmo e a brasileira já tinha que ler nos seus lençóis. A história tem piada, mas Antero Braga dá-lhe sentido além da graça "Esta é uma das diferenças da nossa livraria: se a senhora fosse a uma grande superfície, se calhar o funcionário ia ao computador, via que não tinha nenhuma Maria dos Lençóis e acabava ali", explica. A Lello não é bonita só por fora: quem já lá foi, sabe que tem do outro lado gente entendida para falar de livros (e de Llançóis, diga-se). Nos Prémios Mercúrio, a Lello levou a estatueta das "Lojas com História" e o óscar distinguiu uma vida que remonta ao século XIX. Fundada em 1881, a livraria passou para as actuais instalações numa época em que a República ganhava forma - estávamos em 1906 quando a Lello migrou para a casa onde hoje ainda se mantém. Em 1994, o espaço foi alvo de restauro, furto da intervenção dos novos donos que passou a ter, entre os quais Antero Braga, ele que foi o administrador mais jovem de sempre da Bertrand. Um ano volvido, em 1995, a Lello reabre . O espaço cheira a páginas verdadeiras e há lá uma escada em caracol daquelas antigas que já não se fazem. É daqueles sítios onde os livros se tornam mais belos - é como se antes só os tivéssemos visto na televisão e um dia fomos ao estádio vê-los a sério. Antero Braga, que não esconde o orgulho de ter levado o óscar dos Mercúrio, confessa que está a ser estudado um plano de expansão da livraria. "O plano será anunciado no devido tempo", solta. Mas o plano de regressar a esta Lello já ninguém nos tira. |
Comércio não alimentar A biologia de deixar uma vida aos 30 anos
O desafio de mudar de vida também remete para a cumplicidade do marido de Ana, Jorge Reis-Sá - ele é a face da empresa "Do Impensável - Projecto de Altitudes Culturais", que detém a editora Quasi e, por inerência, a Loja das Quasi. E foi assim que Ana Reis Sá se lançou à aventura - "é a primeira vez que estou ligada a uma empresa" - para largar as aulas. Agora o negócio propriamente dito: mas o que é isto da Loja das Quasi? No fundo, "isto" é cultura: o espaço, que foi erguido em Famalicão, dedica-se à edição de livros e comércio a retalho de livros, à realização de "workshops" e eventos culturais, aos que se junta ainda a comercialização de diversas forma de arte (artigos de "design", cerâmica, artesanato urbano, peças de mobiliários, entre outros). A retocar o que se vende, surge o que se vê: a Loja das Quasi tem uma decoração de interiores assente em placas de aço perfuradas com o seu quê de vanguardista. "Estamos abertos há muito pouco tempo, desde o final do ano passado. Vamos ver como corre o projecto e, se vier a funcionar como esperamos, pode surgir a possibilidade de expandir para outras cidades", refere Ana Reis Sá. E expandir lá para fora? "Não quero deambular de mais, mas claro que seria bom", completa. Para quem quiser dar um salto a Famalicão (cidade que acolhe essa delícia que é a Casa das Artes), a Loja das Quasi abre as portas de terça a sábado entre as 10h e as 19h30, ali com um hiato no meio para almoço. À segunda, é só à tarde que dá para ir comprar livros (são de diversas editoras, não só da Quasi) à loja do aço perfurado. E como o calor está aí, vai dar para passar por lá à noite em breve (e não é à noite que os livros ganham aquele encanto?) |
Comércio alimentar No início, eram 100 m2. Agora, é uma pequena cidade
"Eles" são os Supermercados Apolónia, que levaram o Prémio Mercúrio na categoria de "comércio alimentar". Com uns humildes 100 metros quadrados, o que hoje é super começou por ser mini. Sim, um mini-mercado criado por um casal de emigrantes que veio do Canadá e que se lançou nesta aventura do emprego próprio em 1983. Então, marido e mulher escolheram Almancil para criar o seu negócio e beneficiaram do inglês que aprenderam lá fora: é como os Algarves (Almancil fica em Loulé) são terra de muitos turistas, saber entendê-los bem é vantagem competitiva. E este casal entendia muito bem o que lhes pediam e começou por crescer aqui um dos traços distintivos dos Supermercados Loulé: ouvir o cliente e dar-lhe o que ele quer. Mais de 20 anos volvidos, Avelino Apolónia, a parte masculina do casal que andou pelo Canadá, já não lidera um negócio com 100 metros quadrados, mas antes dois supermercados - um em Almancil e outro em Galé - que andam pelos mil metros quadrados. E Paulo Apolónia, filho do casal e administrador dos supermercados que têm o nome da família (ele esteve na antiga Telecel antes de ajudar os pais), explica ao que o próximo passo é ter um poiso de 20 mil metros quadrados. "Em conjunto com um investidor, investimos 100 milhões de euros num novo complexo em Almancil, para onde vamos transferir o supermercado. Este complexo vai funcionar como a baixa de uma cidade: além do supermercado, vai ter médicos, sapateiros, arquitectos, veterinários e por aí fora. Ou seja, é tudo integrado e terá todas as valências necessárias para viver", explica Paulo Apolónia (para quem leu "A Caverna" de Saramago, há aqui algo muito, muito familiar neste conceito de integração...). Mas enquanto o novo complexo não nasce (será inaugurado em 2011), há sempre os dois supermercados da família. E por lá, garantem os Apolónia, o atendimento é do mais dedicado e a oferta tem o exotismo a preceito - há produtos alimentares de todo o lado, do México ao Japão. |