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Crédito para garantir sobrevivência

Com medo da política portuguesa e incerteza em relação ao rumo da economia, o banco disse a Franco Couto que não lhe faria um crédito. Empresário do sector têxtil, tal como muitos empresários responsáveis por Pequenas e Médias Empresas (PME) do país, precisava do dinheiro porque não recebe a tempo e horas dos seus clientes, também estes vítimas da crise.

15 de Julho de 2010 às 19:35
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Numa época de crise financeira, o acesso ao crédito passou a ser um bem escasso a que muitas empresas não conseguem aceder. Precisam de dinheiro sobretudo para pagar impostos e salários e, sem garantias para dar, ficam de fora. As linhas PME Investe, lançadas pelo Governo e que vão na sexta edição, prometem dar uma ajuda. Mas há quem garanta que só uma pequena parte das PME consegue ter acesso. As que realmente precisam, ficam de fora.

Com medo da política portuguesa e incerteza em relação ao rumo da economia, o banco disse a Franco Couto que não lhe faria um crédito. Empresário do sector têxtil, tal como muitos empresários responsáveis por Pequenas e Médias Empresas (PME) do país, precisava do dinheiro porque não recebe a tempo e horas dos seus clientes, também estes vítimas da crise.

Estava disposto a hipotecar a casa e a pedir um crédito à habitação, para poder injectar dinheiro na empresa, mas nem isso lhe permitiram. Restava-lhe a esperança das linhas de crédito lançadas pelo Governo, as chamadas PME Investe. Mas também não funcionou. O que ouviu do outro lado foi: "Não estamos a apostar na confecção em Portugal."

Numa altura em que o Governo anuncia a sexta edição da PME Investe, para que servem afinal as linhas de crédito lançadas pelo Governo, quem tem direito e qual a sua eficácia? Segundo o secretário de Estado da Indústria, Fernando Medina, o crédito serviu para "que as empresas pudessem desenvolver e melhorar a actividade, fazer face às suas necessidades de tesouraria, de fundo de maneio, de investimento e também de exportação."

Já para o presidente da Associação Nacional de PME, Fernando Augusto Morais, o leque de aplicação do dinheiro é bem menos variado: "Desde Julho de 2005, as empresas recorrem ao crédito para pagamento de salários e impostos, tentando evitar, desta forma, a insolvência", afirma. Garante que, das 267 mil PME existentes em Portugal, cerca de 80% não reúne as condições de acesso ao crédito, faltando-lhes a autonomia financeira (uma solvabilidade de 25%), situações contributivas normalizadas perante o Fisco e Segurança Social e não terem antecedentes registados no Banco de Portugal.

Fernando Augusto Morais sublinha, também, que as linhas PME Investe podem beneficiar as empresas exportadoras e as PME Líderes, num total de 23 mil, que representam menos de 10% das PME existentes em Portugal. "Mas as empresas exportadoras não necessitam verdadeiramente de crédito, precisam de aumentar a sua capacidade competitiva, através da descida drástica dos encargos sociais e encargos fiscais", acrescenta.

Segundo os números divulgados pelo IAPMEI, já beneficiaram das várias linhas PME Investe, da I à V, quase 50 mil empresas, num valor total de crédito acima dos seis mil milhões de euros. Os números dizem, ainda, que a maior fatia desta verba foi para a indústria, com quase 40%, seguindo-se o comércio (28%). Referem também que o Norte, Centro e Lisboa levaram, em conjunto, mais de 91% do valor global. Só as exportadoras, com fatias específicas, receberam nas edições III e IV mais de 1,8 mil milhões de euros.

O problema das garantias

A Frulact é um caso de uma PME Líder, exportadora, que recebeu vários créditos ao abrigo do PME Investe. João Miranda, presidente e fundador da empresa, diz que "a principal vantagem advém da oportunidade, face à crise financeira que provocou um forte constrangimento às PME, no acesso ao crédito e na sua liquidez." Falando nas desvantagens, aponta a pouca flexibilidade do PME Investe para a aplicação dos recursos, "obrigando as PME a efectuar investimentos forçados em activos corpóreos que poderão, a prazo, dotar a empresa de uma capacidade excessiva", numa altura em que a procura de bens está a cair. Desta forma, diz, eleva os custos fixos e isso tem impacto na competitividade da empresa. É por isso, acrescenta, que no caso da Frulact foram bastante rigorosos na gestão destas situações.

Com uma longa experiência dos PME Investe, uma vez que a Frulact concorreu a todas as linhas à excepção do PME Investe V, João Miranda diz que as várias linhas PME Investe foram sendo adaptadas e optimizadas ao longo do tempo. Quanto ao processo em si, afirma que não teve problemas no acesso ao crédito. Desde o momento que entregou o pedido, até à obtenção do crédito, diz que passaram dois meses, "o tempo necessário para que seja salvaguardado o rigor", diz.

A Paris-Sete, outra das empresas beneficiária da linha PME Investe, também não se queixa do processo de aprovação, tendo esperado os mesmos dois meses. A Paris-Sete obteve um crédito de 250 mil euros para fazer um investimento que, de outra forma, não teria avançado. Gustavo Brito explica que esta foi a única forma de a sua empresa de decoração e "design" entrar numa nova área de negócio em pleno 2008. Nem o processo de garantias foi complicado porque a empresa tem uma solvabilidade da ordem dos 25%, explica Gustavo Brito.

Mas não é essa a experiência da maioria das empresas, segundo garante Fernando Augusto Morais. Afirma que a "banca só empresta com garantias e se o empresário não as tem e se as sociedades de garantia mútua não despacham favoravelmente uma garantia à banca, nada feito". Diz, mesmo, que há casos de empresários que nunca chegam a ter respostas aos pedidos de crédito. "Para não perderem o cliente, os bancos vão empatando", acrescenta. No caso de grande parte das empresas associadas da ANPME, "o risco é analisado com demoras inadmissíveis, falta de uniformidades de critérios e de autêntico desespero." Em todo este processo de atribuição de crédito, a linha PME Investe V é a que mais tem sido alvo de críticas. Fernando Augusto Morais diz ser surpreendente o facto de o dinheiro ter esgotado antes do lançamento. Mas não é essa a versão do Governo.

Luís Filipe Costa, presidente do IAPMEI, afirma que a procura foi tal que a linha esgotou em duas semanas. Daí o Governo ter avançado pouco tempo depois com a PME Investe VI. Para esta nova linha de crédito, que arrancou a 18 de Junho e que abrange 1.250 milhões de euros em crédito, o Governo garante que vai ser facilitado o acesso às empresas que não tiveram possibilidade de aceder anteriormente.







Gustavo Brito Empresário e gestor
Empresa ParisSete
Área de negócio Decoração e "design" para casa e empresas
Nº de trabalhadores 12
Volume de negócios 2009 2,5 milhões de euros








ParisSete
A aposta numa nova área de negócio

A Paris-Sete está no mercado português há mais de 20 anos. Trabalha na área da decoração e do "design" para casa e, em 2008, quis lançar uma nova área de negócio. Não seria estranho, não fosse o facto de aquele ter sido o ano em que rebentou uma das mais graves crises económicas e financeiras desde a II Guerra Mundial.

Como resultado, o acesso ao crédito por parte das empresas ficou cada vez mais difícil e a Paris-Sete teve de encontrar uma alternativa.

A solução foi recorrer ao PME Investe II, explica Gustavo Brito, acabando por ver aprovada uma linha de crédito no valor de 250 mil euros. Foi com esse dinheiro que abriu a unidade de negócio vocacionada para empresas e escritórios. E se a empresa tem agora duas lojas foi porque conseguiu ter acesso ao crédito. "Se não fosse isso, não teria feito o investimento. Não me sentiria confortável em fazer um investimento em contra- -ciclo", justifica Gustavo Brito.

Diz que a linha de crédito foi fundamental porque, caso contrário, "não ia comprometer toda a capitalização da empresa numa altura em que o risco era grande." Quanto ao processo de candidatura, afirma que foi fácil - não demorou mais de dois meses - e mesmo na questão das garantias não houve problema. "Fui ter com o meu gestor

de conta, abrimos o processo e a Lisgarante foi rápida em dar a resposta", explica, acrescentando que a empresa cumpria o critério de solvabilidade da ordem dos 25%. Dois anos depois, diz que a nova área de negócio está em fase de consolidação e já começaram a resgatar a dívida.










João Miranda Empresário e gestor
Empresa Frulact
Área de negócio Sector agro-alimentar
Nº de trabalhadores 400
Volume de negócios 2009 50 milhões de euros







Frulact
A experiência de vários PME Investe

As condições atractivas de crédito levaram a Frulact a candidatar-se às linhas de crédito PME Investe nas suas várias edições. Só não chegaram à linha PME Investe V e já estão a pensar na linha PME Investe VI. Para uma empresa do sector agro-alimentar, com uma forte internacionalização - exportam 95% daquilo que produzem -, o financiamento serviu para vários fins, de activos fixos a capital circulante, sobressaindo a compra de equipamentos de produção, logísticos e de protecção ambiental. É uma PME Líder, o que já por si representa um perfil de risco dos mais elevados em termos de notação.

Por isso, diz João Miranda, presidente e fundador da empresa, sabe que por aí leva vantagem. "Os requisitos foram os normais em condições semelhantes e as garantias já estavam fixadas legalmente não tendo havido exigências acrescidas às que para nós já são habituais", explica. Sem problemas quanto às garantias e com um processo relativamente rápido (cerca de dois meses), João Miranda considera estas linhas de crédito fundamentais e diz mesmo: "É indispensável que o Estado acorra sempre que o mercado não responde positivamente, ou até esteja a funcionar em modo de falha, como tem sido experienciado nos últimos meses."










Franco Couto Empresário e gestor Empresa Briachi Confecções, Lda
Área de negócio Indústria têxtil
Nº de trabalhadores 10
Volume de negócios 2009 169 mil euros








Briachi Confecções
Crédito falhado

A Briachi Confecções opera num sector que tem conhecido dias difíceis em Portugal: o sector têxtil. E as dificuldades já tiveram impacto concreto no negócio: três lojas de revenda acabaram por fechar.

Com uma fábrica em Vila do Conde, o desafio agora é conseguir dar resposta às encomendas sem contratar mais ninguém, uma vez que não há liquidez para pagar mais salários, explica Franco Couto, justificando que o problema reside nos atrasos de pagamento dos seus clientes, também eles a atravessarem dificuldades.

"Precisava de pelo menos mais quatro trabalhadores, mas não estou a empregar porque não tenho apoio e posso ter dificuldades em pagar salários", acrescenta. Tentou de tudo para tentar obter crédito, mas não tem sido fácil. Tudo, menos embarcar na mudança de nome como acusa muitos de fazerem para obter os apoios. Pediu 25 mil euros ao seu banco, mas ouviu como resposta o medo da política portuguesa. Ainda tentou hipotecar a casa para lhe darem um crédito à habitação, mas nem isso. Garante que tem cumprido os pagamentos de outros créditos que contraiu em 2008 e 2009, num total de 40 mil euros, e com o plano de pagamentos que estabeleceu com a Segurança Social e com as Finanças. Ainda tentou o PME Investe V, mas não conseguiu obter crédito. A justificação que ouviu do outro lado foi: não estamos a apostar na confecção em Portugal. Sobre o futuro, Franco Couto vê o mesmo destino de três concorrentes, que recentemente fecharam portas. Neste caso, seriam mais 10 pessoas no desemprego. Sendo este o cenário, Franco Couto conclui: "Como não tenho dinheiro, não me emprestam. Porque não nos perdoam as dívidas, em vez de nos emprestarem dinheiro?"




E N T R E V I S T A






Luís Filipe Costa
Presidente do IAPMEI








"Sem estas linhas, mais de metade das empresas não teria acesso ao crédito"

Uma das principais críticas à linhas PME Investe é que não chegam às empresas que realmente precisam.
No total das cinco linhas de crédito já lançadas foram efectuadas 65 mil operações, abrangendo quase 50 mil empresas. Isso não é marginal. O Estado tem vindo a ampliar a partilha de risco, com os sistemas de garantia mútua a cobrirem, por exemplo, 65% do crédito no caso das microempresas. Se não houvesse o mecanismo de partilha de risco, as empresas não tinham acesso ao crédito. Além disso, a partir da linha PME Investe V foi introduzido um mecanismo adicional que permite usar parte do crédito para pagar as dívidas à Segurança Social e ao Fisco. Estamos a criar condições para que cada vez mais empresas sejam abrangidas.

Mas a verdade é que há casos de empresas que precisam e o crédito é-lhes negado. Este mecanismo não devia servir sobretudo estas empresas?
Não acede quem for considerado como tendo um risco muito elevado. Mas isso é o mercado a funcionar. O Estado não pode emprestar dinheiro directamente às empresas. Se estas linhas não tivessem sido lançadas, mais de metade das empresas que beneficiaram do PME Investe não teriam tido acesso ao crédito.

Onde é que as empresas estão a aplicar o dinheiro que recebem?
Nas linhas I e II era imposto que o dinheiro fosse aplicado em investimento. Mas como a situação económica começou a degradar-se, a partir daí as linhas foram aumentando as possibilidades de aplicação e os financiamentos começaram a direccionar-se para fundo de maneio e para todo o tipo de necessidades financeiras.

A linha PME Investe V foi a mais polémica. Quando muitas empresas queriam candidatar-se, já a linha tinha fechado.

A PME Investe V representou um alargamento sectorial. Como há uma preocupação com o emprego, foi criada uma linha geral que abrange não só as exportadoras, mas qualquer sector de actividade. Houve, por isso, uma procura muito grande em tão pouco tempo. Daí termos lançado a PME Investe VI três semanas depois, com 1.250 milhões de euros.

Que garantias pode dar de que a PME Investe VI vai abarcar novas empresas, até agora, excluídas destas linhas?
As exportadoras que ainda não tiveram nenhuma operação aprovada ao abrigo da PME Investe têm 60% de garantia mútua. Isto para que todas as empresas que tenham um nível mínimo de aceitabilidade quanto ao risco possam ter acesso. Tem de haver um escrutínio do risco.

Vai haver transferência de processos da PME Investe V para a VI?
Todas as empresas que se candidataram à V edição e viram o seu nível de risco aprovado (mínimo de risco aceitável) podem ver o seu pedido satisfeito na PME Investe VI. Os bancos só tiveram de refazer o processo.
Quais são os gastos do Estado português com as linhas PME Investe?
Há três tipos de custos para o Estado: a bonificação das taxas de juro, uma vez que as empresas vão pagar ao banco "spreads" inferiores; a comissão paga à garantia mútua, que assume um risco de 50% e recebe uma comissão por isso; e as contribuições para o Fundo de Contragarantia Mútua, que permite que as sociedades de garantia mútua possam cobrir os pagamentos em caso de incumprimento. Globalmente, estas linhas têm um custo de 10% a 11% do valor total já financiado (seis mil milhões). Deste valor, 50% são maioritariamente recuperáveis, só se perde quando houver sinistralidade, e os restantes 50% cobrem, então, os "spreads" e a comissão da garantia mútua. São 300 milhões de euros que se estendem pela vida dos empréstimos, cerca de cinco a seis anos.

PERGUNTAS & RESPOSTAS
O que são as linhas PME Investe?
Na linha das orientações da Comissão Europeia, em plena crise do "subprime", o Ministério
da Economia criou as linhas PME Investe. O objectivo é o de facilitar o acesso das PME ao crédito bancário, nomeadamente através da bonificação de taxas de juro e da redução do risco das operações bancárias através do recurso aos mecanismos de garantia do Sistema Nacional de Garantia Mútua que suportam, por regra, 50% do capital em dívida.

Quando foram lançadas?
A linha PME Investe I foi lançada em Julho de 2008, com uma dotação de 750 milhões de euros. Seguiu-se a PME Investe II, também de 2008, abarcando 1.000 milhões de euros em crédito às PME. Em 2009, foi lançada a PME Investe III, com 1.800 milhões de euros e a PME IV com 1.900 milhões. A PME Investe V, disponível no início de 2010, tinha por sua vez uma dotação de 750 milhões de euros, seguindo-se pouco depois a PME Investe VI, agora lançada, com uma dotação de 1.250 milhões de euros.

Quem pode concorrer?
As linhas PME Investe dirigem-se às micro, pequenas e médias empresas (PME) que tenham situação líquida positiva no último balanço aprovado, não tenham incidentes não justificados ou incumprimentos junto da Banca, não estejam em classe de rejeição de risco de crédito e tenham a situação regularizada junto da Administração Fiscal e da Segurança Social, à data da contratação. A linha PME Investe VI tem uma dotação específica para empresas exportadoras.

Quais são as operações elegíveis?
Investimento novo em activos fixos corpóreos ou incorpóreos (realizados no prazo máximo de seis meses após a contratação), reforço do fundo de maneio ou dos capitais permanentes e até 30% do empréstimo para liquidar empréstimos contraídos à banca para a regularização de dívidas à Administração Fiscal e Segurança Social.

Quais são as condições do crédito?
O montante máximo é de 25 mil euros por micro empresa, de 50 mil euros para uma pequena empresa, um milhão de euros para as PME Líder e 750 mil euros para as restantes. A taxa de juro é da Euribor a três meses acrescida de um "spread" que pode variar entre 2,75% e 3,75% conforme a empresa. Já o limite máximo da garantia a dar pelas sociedades de garantia mútua é, por regra, de 50%.

Qual é o processo de candidatura?
A empresa apresenta o pedido de financiamento junto de um dos bancos que tem protocolo com a PME Investe. O banco pode rejeitar de imediato e dar conhecimento ao cliente. Se o banco aprovar, envia o pedido para uma das sociedades de garantia mútua. Se esta aprovar a garantia, o banco apresenta a candidatura à Entidade Gestora da Linha. Esta tem cinco dias para dar confirmação ao banco, que depois confirma a aprovação ao cliente. Se a sociedade de garantia mútua recusar, o banco pode realizar a operação sem intervenção da garantia mútua, beneficiando da bonificação de juros, ou pode ajustar o montante global da operação de crédito em função do valor da garantia mútua disponível.

PME Investe VI em números

2.009 é o número de operações candidatas ( 1.967 pertencem a micro e pequenas empresas), com um valor de 72,4 milhões de euros;

871 é o número de operações enquadradas (868 pertencem a micro e pequenas empresas) no valor de cerca de 26,1 milhões de euros;

2% é a percentagem de utilização da linha.
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