Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Há 18 anos: um retrato de 2003

Em 2003, também se falava de crise e remetia-se a recuperação do país para 2005. No ano em que a edição diária impressa do Negócios se estreou em banca, os hipermercados ainda estavam proibidos de abrir ao domingo e a China iniciava a sua estratégia de aposta forte em Angola, Belmiro de Azevedo escreveu um artigo de opinião para a primeira edição, a 8 de maio, e Michael Porter dizia o que o setor dos vinhos devia fazer para se afirmar lá fora.

Mariline Alves
Negócios 31 de Maio de 2021 às 15:00
  • ...
O prato principal da primeira edição impressa do Negócios, que foi para as bancas a 8 de maio de 2003, foi uma entrevista ao então governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio. Tal como agora, a crise constituía uma palavra obrigatória. "2003 será o pior ano desta fase da evolução da economia portuguesa" e a recuperação que tem vindo a ser sucessivamente adiada já se vai sentir em 2005, vaticinava Vítor Constâncio.

Ainda assim, o governador do Banco de Portugal desvaloriza o então quadro recessivo "Temos tido uma crise mais ou menos de dez em dez anos: 74/75, 83/84, 93/94. Todas elas foram piores, quer medidas pela redução do produto, quer pela redução do rendimento disponível."

À data, o FMI havia produzido um relatório no qual mostrava grande preocupação sobre a banca portuguesa e criticava o papel do supervisor. Para Vítor Constâncio, tratava-se de alertas "exagerados e sem total fundamento". "Um ciclo de crescimento reduzido põe pressão sobre o setor financeiro e é de grande exigência para a gestão, que terá de pensar bastante nos níveis de adequação de capital", afirmava Vítor Constâncio.


Hipermercados querem abrir ao domingo para criar quatro mil empregos.


Não me peçam para estar calado, até porque sou presidente da API. A confiança está muito mal e assim a agência não arranja investidores. Miguel cadilhe, à data, presidente da Agência Portuguesa para o Investimento 
Portugal na cauda da produtividade A produtividade do setor de serviços português era em 2020 menos de metade - 45,8% - da média comunitária. A conclusão era extraída pelo Eurostat. De acordo com este organismo, Portugal estava isolado na cauda do "ranking" europeu em todos os segmentos do setor terciário. Em média, uma empresa portuguesa de serviços, no ano 2000, rendia 11 euros por hora trabalhada. Nas suas congéneres europeias, este valor mais do que duplicava. Na vizinha Espanha, o país mais mal classificado depois de Portugal, a hora trabalhada nos serviços rendia 15 euros. Correios e telecomunicações eram a exceção. Neste setor uma empresa nacional rendia 48 euros/hora, enquanto a média europeia estava em 41 euros/hora.

A notícia sublinhava que os números do Eurostat vinham não só quantificar a enorme distância que separa a produtividade média dos serviços portugueses dos seus congéneres comunitários, como mostrar, também, as significativas divergências de níveis de produtividade no interior desse mesmo setor, ao nível nacional.
| O turismo a crescer e a vontade de querer traçar um rumo

Em 2003, o turismo de cruzeiros era ainda uma atividade incipiente. O negócio estava em crescimento até à pandemia e é muito provável que volte a recuperar depois dela. E José de Mello queria pensar o país.

Cruzeiros de turismo em lisboa com crescimento de 240%
O crescimento do turismo de cruzeiros era uma novidade em 2003. No primeiro trimestre desse ano, segundo dados da Câmara Municipal de Lisboa, tinham entrado no porto da capital 17 navios de cruzeiro, o que representava um crescimento homólogo de 240%. "Considero excecional este aumento de procura que é muito importante para o comércio e a economia da cidade", declarava ao Negócios o então presidente da edilidade, Pedro Santana Lopes. Ao longo de 2019, antes da eclosão da pandemia de covid-19, tinham entrado no porto de Lisboa 310 navios de cruzeiro.

José de Mello reúne "notáveis" para discutir estratégia para o país
José de Mello reuniu, em maio, na sua casa em Sintra, um grupo de notáveis para discutir a estratégia para o país. A ideia era lançar, em junho ou setembro, um evento de "projeção pública". Segundo um dos dos participantes neste encontro, José de Mello pretendia dinamizar um grande debate que levasse à consolidação de uma "estratégia de pensamento constante imune às variações do ciclo político" para defender os interesses nacionais. Neste ano de 2021, também em maio, foi a vez de Vasco de Mello dar a cara pela criação de uma associação de grandes empresários.


| O desejo da China de entrar em Angola

Nos dias de hoje é evidente o peso determinante que a China ganhou em Angola, tanto através do crédito concedido como das obras ganhas por intermédio deste mecanismo. Em 2003, essa estratégia estava a dar os primeiros passos.

No mês de maio, o Negócios avançava que o Governo chinês estava interessado em investir nos países lusófonos, com particular destaque para Angola, onde as necessidades de reconstrução representam um importante filão de negócio.

Para materializar esta estratégia, Pequim promoveu a criação da Associação Comercial Internacional de Empresários Lusófonos, com a missão de promover as ligações entre responsáveis institucionais e empresários, e, por essa via, incentivar a constituição de parcerias público-privadas.

A primeira iniciativa da associação seria a organização do Fórum para a Cooperação Económica entre a República Popular da China e os Países de Língua Portuguesa que deveria decorrer, em setembro, em Macau. "Esta será uma oportunidade de juntar empresários dos dois países [Portugal e China] para investirem nos países lusófonos", diz João Marques de Almeida, presidente da TVA - Consultoria em Tecnologias Avançadas, ao Negócios.

Tribunal Europeu de Justiça chumba "golden shares"

Mais tarde, o caso das "golden shares" haveria de dar brado em Portugal, sobretudo por causa da OPA à PT lançada pela Sonae.

Mas a esta data o chumbo do Tribunal Europeu de Justiça visava o Estado espanhol que mantinha "golden share" em empresas como o BBVA, Telefónica, Repsol, Endesa, Altadis e Indra.

Segundo esta instância europeia, a capacidade que o Estado espanhol tinha, através das "golden shares" , de vetar fusões ou a entrada de estrangeiros em setores estratégicos restringia "de forma desproporcionada" a liberdade de circulação de capitais no seio da União Europeia.

Segundo o Tribunal Europeu de Justiça, o alegado interesse que era protegido por estas "golden shares", de salvaguardar serviços considerados essenciais, não justificava que estas pudessem constituir uma restrição a duas liberdades fundamentais do mercado europeu.


Setores
| Da energia aos vinhos

João Talone à frente da EDP
"É a melhoria garantida da concretização rápida e bem-sucedida do modelo que mereceu o apoio dos principais acionistas de referência da empresa." Foi assim que o Ministério da Economia, então liderado por Carlos Tavares, justificava a escolha de Talone como CEO da EDP. O gestor regressou este ano à elétrica para liderar o conselho geral.

Quatro candidatos disputam pousadas
Os consórcios BES/Logoplaste, Pestana/Fundação Oriente/CGD/Abreu/Portimar, Cofina/Hotéis D. Pedro/Quinta das Lágrimas e um grupo de quadros da Enatur apresentaram-se como candidatos à privatização de 49% do capital e ao direito de exploração das Pousadas de Portugal. Em setembro foi anunciado o vencedor, o grupo Pestana.

Relatório Porter para os vinhos
A Monitor Company, do guru dos "clusters, Michael Porter, apresenta a sua receita para os vinhos portugueses. O estudo, encomendado pela ViniPortugal, faz as seguintes recomendações: apostar no mercado britânico e americano; ter explorações com maior dimensão; duplicação das exportações em seis anos e especialização em cinco castas.

"É ilusório pensar que se pode considerar separadamente a independência e o sucesso económico." Belmiro de azevedo [1938-2017], artigo de opinião publicado na edição de 8 de maio de 2003
Para termos liberdade no discurso temos de ter autonomia financeira Armindo Monteiro, Presidente da Associação Nacional dos Jovens Empresários 
A sobrevivência de pequenos mercados é difícil no médio prazo. João Freixa, Presidente da Euronext Lisboa

A pandemia de covid-19 colocou o setor da aviação civil numa crise sem precedentes e será preciso muito tempo para que recupere. Antes disso, os ataques terroristas às torres gémeas, em Nova Iorque, Estados Unidos, no ano de 2001, tinham contribuído para uma forte crise do setor. O medo de voar tornou-se real, muitas companhias aéreas bateram no fundo e outras encerram a sua atividade.

Essa crise foi duradoura e em 2003 o Negócios assinalava que o setor da aviação continuava em crise, agravada pela epidemia da SARS.

Fernando Pinto, à época presidente da TAP, no discurso de abertura do congresso da IATA (Associação Internacional do Transporte Aéreo), que decorreu em Lisboa, diz esperar que os primeiros sinais de recuperação surjam em 2004.

Os maiores problemas da aviação civil, segundo Fernando Pinto, passavam pela fragmentação do setor, pela regulamentação internacional - "que muitas vezes não nos permite fazer certas coisas" - os problemas laborais e a concorrência das companhias "low-cost".

Nawal Taneja, um consultor ligado ao transporte aéreo, que participou no congresso da IATA realizado em Lisboa, atribuiu também responsabilidades ao setor pelo quadro que então estava desenhado.

Na ótica de Taneja, a indústria tinha cometido alguns erros de gestão, defendendo que algumas "low-cost" são um exemplo de como se deve fazer. "E em 2003 vão fazer algum dinheiro", sublinhava o consultor.


| Um acordo rodoviário e uma homenagem consensual

Depois de uma desavença que ameaçava chegar aos tribunais, a Lusoponte e a Brisa fizeram as pazes e chegaram a um acordo. Em maio de 2003, Silva Lopes foi homenageado pela sua dedicação ao serviço público.

Um acordo entre duas concessionárias desavindas
A Lusoponte e a Brisa andavam de candeias às avessas e a concessionária da ponte tinham mesmo avançado com uma ação judicial. Em maio, o Negócios noticiava que as duas partes tinham chegado a um acordo sobre o diferendo devido à cobrança dos custos unitários por passageiro nas portagens entre as redes rodoviárias das duas concessionárias. O acordo entre as duas empresas incluía a emissão conjunta pelas duas concessionárias de extratos de pagamento a um preço "substancialmente mais baixo do que o anteriormente praticado". Ficou também acordado que a Lusoponte passaria a aceitar a Via Verde da Brisa.

Banco de Portugal e ISEG homenageiam José da Silva Lopes
José da Silva Lopes (1932-2015), à data com 71 anos, foi alvo de uma homenagem pelo ISEG e Banco de Portugal, na qual esteve presente o Presidente da República, Jorge Sampaio. Os organizadores quiseram distinguir a dedicação de Silva Lopes ao serviço público. Participaram nesta iniciativa diversos economistas estrangeiros, entre os quais Teresa Ter-Minassian, a representante do FMI em Portugal nos conturbados anos 70 e 80, quando Silva Lopes foi ministro das Finanças e governador do Banco de Portugal. Cavaco Silva, Vítor Constâncio e Jorge Braga de Macedo foram outros dos intervenientes nesta homenagem.


| Pagamentos especiais por conta avançam

As Finanças vão avançar com os pagamentos especiais por conta, prevendo a primeira cobrança em junho e uma segunda em novembro. A medida, que devia ter entrado em vigor em março, foi suspensa até junho pelo Governo após a forte contestação empresarial ao agravamento da carga fiscal que representa.

Manuela Ferreira Leite, ministra das Finanças à data, dizia não admitir mais "adiar os pagamentos especiais por conta. "Acho que não vou abdicar de usar este instrumento e vou tomar em consideração as observações feitas pelos empresários", dizia a governante no espaço de entrevista de Linha de Crédito, uma iniciativa conjunta do Negócios e SIC Notícias.

Segundo os empresários, esta medida poderia conduzir a uma onda de falências, dado o estado de descapitalização em que se encontravam muitas empresas, sobretudo PME.

Obviamente, gostaria de ver as taxas de juro baixarem um pouco. Mas confio no Banco Central Europeu. Esperemos que tomem a decisão certa. Durão Barroso, Primeiro-Ministro
2005Bolsa
A Jerónimo Martins admitia cotar na bolsa a sua subsidiária polaca, a Biedronka, em 2005. A hipótese não saiu do papel. 

| Medicamentos genéricos disparam nas vendas

As vendas de medicamentos genéricos aumentaram 388% no primeiro trimestre de 2003, em relação ao período homólogo do ano anterior. Segundo os dados a que o Negócios teve então acesso, as vendas de genéricos totalizaram 34,7 milhões de euros no período referido, contra 7,1 milhões de euros nos primeiros três meses de 2001.

Os dados do Infarmed revelam um forte crescimento do número de medicamentos genéricos disponíveis no mercado, ao passarem de uns residuais 45 para 134 no período em análise, o que representa uma subida de quase 200%.

Em resultado do maior número de medicamentos genéricos disponíveis para comercialização, a sua quota no mercado global dos medicamentos passou de 1,3% para 5,8%.

Na totalidade, o Infarmed dava conta de que as vendas de medicamentos tinham atingido os 455 milhões de euros, no primeiro trimestre de 2003, um crescimento de 4,1% face ao período homólogo.

O forte crescimento deste segmento de mercado dos medicamentos genéricos conjugado com a descida dos preços de muitos medicamentos, devido à introdução do sistema de comparticipação de preços-referência, fez com que a taxa de crescimento das vendas e dos encargos do Serviço Nacional de Saúde com medicamentos tenha registado uma queda de três pontos percentuais em relação à verificada em 2002.

Os medicamentos genéricos, em menos de duas décadas, já se impuseram definitivamente, tendo atualmente uma quota de mercado de 53%.

Não há memória de algum banco ter perdido 100% no imobiliário. Portanto, [o FMI] dizer isso, sem nenhuma qualificação, parece-me uma infantilidade total. João Salgueiro, presidente da APB
7.800Investimentos
Hoteleiros do Algarve queixavam-se de que a burocracia estava a travar projetos de 7.800 milhões de euros na região. 
Números do Governo para a criação de emprego revelam um conformismo alarmante.  Ferro Rodrigues, à data, líder do PS
| As contas do Europeu de futebol do ano seguinte

Portugal haveria de receber, em 2004, o campeonato europeu de futebol. A seleção das quinas chegou à final, mas o título europeu foi para a equipa adversária, a Grécia.

Um ano antes já se faziam contas à importância deste evento. Segundo um estudo encomendado pela UEFA e realizado por uma consultora independente, a realização do Europeu de futebol teria um impacto positivo de 796 milhões de euros na nossa economia.

Deste valor global, 262 milhões de euros seriam provenientes do turismo, 244 milhões com a construção e empregos gerados pela prova, enquanto o retorno conseguido com a promoção das cidades-sede que iriam receber os jogos estava contabilizado em 290 milhões de euros. O estudo assegurava que o evento ia deixar um lastro positivo na economia nacional que poderia ser traduzido num valor ligeiramente superior a mil milhões de euros, menos de 1% do PIB.
Ver comentários
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio