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Sérgio Figueiredo: "O online foi o seguro de vida do Negócios em papel"

Para falar do futuro, Sérgio Figueiredo volta ao passado da fundação do Negócios diário que liderou: "o jornal nasceu agarrado ao online porque era o que mercado estava a pedir". E fala de tango, chouriço e filantropia.

Miguel Baltazar/Negócios
27 de Junho de 2013 às 10:00
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Ainda se lembra da primeira manchete: "Recuperação só em 2005", prevê Constâncio. E espontaneamente conta a manchete mais feliz: a "OPA da PT. Chamei o Pedro Guerreiro [director-adjunto, à época, em Fevereiro de 2006] e disse-lhe: ‘muda a primeira, muda tudo, a Sonae vai lançar uma OPA à PT’. Ele respondeu-me ‘À PTM?’ Não, à PT. ‘Não pode ser!’".

O entusiasmo é evidente. E continua, sem abrandar, a contar todos os detalhes daquela manchete. "Telefonei ao engenheiro Belmiro. Ele atendeu e disse-me logo: ‘está a ligar-me de um 96 e está à espera que o atenda?". Ri-se, com a mesma confiança da altura. "E eu respondi: mas atendeu-me... Porque o 96 vai ser seu! Já sei que vai lançar uma OPA sobre a PT. Ele disse-me que estava a assinar uns papéis e que já me ligava. Pronto, percebi que me estava a confirmar a história". A mais feliz de Sérgio Figueiredo, segundo o próprio, à frente do Negócios, o jornal que lançou como diário há 10 anos.

Lançar um segundo jornal diário de economia em Portugal "não era a segunda parte do mesmo jogo", esclarece logo, numa referência ao Diário Económico (DE), concorrente de onde tinha saído há vários meses e cuja redacção tinha ficado sem alguns dos principais jornalistas, que o acompanharam no novo projecto. "No DE sempre tive a sensação que fechava puxando pela melhor notícia. No Negócios sentia a necessidade de puxar pela notícia que a mais pessoas dizia", explica Sérgio Figueiredo, dando a empresa onde agora é administrador como exemplo para colorir esta estratégia "Nós sabíamos que na mesa do dr. António Mexia iriam estar os dois jornais. Sabíamos que o DE estava posicionado há muitos anos no segmento de CEO e tínhamos de ir buscar os directores de primeira linha das empresas". É desta necessidade que nascem "secções de recursos humanos e ‘management’ fortes". E de advogados.

"Quando criámos uma secção de advogados de negócios era com a consciência que os banqueiros de investimento estavam ‘cobertos’ pelo DE. E um grande negócio em Portugal é sempre acompanhado pelo banco de investimento e por um escritório de advogados".

Esta estratégia é visível logo no primeiro número do jornal. No canto inferior esquerdo lá está, "Advogados querem mais liberdade nas relações externas", a estreia de uma "página temática semanal" que dura até hoje nas páginas do jornal.

Um arranque "a patinar"

A primeira capa do Negócios dá mais que sinais sobre a estratégia editorial do novo diário. Permite perceber o contexto económico difícil do lançamento. O texto da manchete abria com a frase do então governador do Banco de Portugal a alertar que "2003 será o pior ano desta fase da evolução da economia portuguesa".

Constâncio estava a desenhar, neste primeiro número, o cenário que iria dominar as primeiras centenas de números do Negócios. "Entre 2003 e 2005 houve muita dificuldade. O próprio produto, com muito pouco tempo de vida, arrepiou caminho no grafismo, no formato, tudo sintomas que algo não estava a correr bem", relembra Sérgio Figueiredo, socorrendo-se das imagens mentais mais fortes sobre esse período para vincar o momento da economia: "Estávamos no rescaldo dos atentados das torres gémeas de 11 de Setembro, depois do pântano do Guterres, depois da tanga do Barroso".

E, sem se deter, sublinha os pressupostos específicos de "lançar um segundo jornal com fracos índices de leitura, com a economia a patinar e com um accionista para quem a informação económica não era uma prioridade". Uma referência ao presidente da Cofina, que não fica sem um complemento: "O engenheiro Paulo Fernandes é uma pessoa muito pragmática e muito focada nos resultados". Por isso, ", houve sempre a preocupação de a direcção editorial ajustar os custos à realidade. O projecto cresceu a um ritmo mais lento". Mas faz questão de deixar claro que a principal motivação para lançar o Negócios diário "é do accionista, que meteu o dinheiro. Não fui eu que precisei de convencê-lo".

O "seguro de vida" digital

O diagnóstico surge convicto após uma pausa forçada em que a frase "o caminho de fidelização de leitores foi lento" ficou a carburar na sua memória: "dez anos depois, tenho claro que se o jornal não tivesse nascido já integrado no online, provavelmente hoje não existia".

E Sérgio Figueiredo volta ao primeiro Jornal de Negócios diário para carregar na tecla da versão digital do trabalho daquela redacção. "A equipa não viveu tanto a sensação de ter nascido um filho, como no arranque do DE, em que também participei. Porque o Negócios nasceu multimédia". E depois da maior alegria, o maior prazer: "em qualquer conferência de imprensa, a única pessoa que se levantava a meia era do Negócios, porque estava a mandar três frases para o online. Interiorizaram logo a cultura, à nascença".

Essa mudança cultural, que continua hoje bem viva nas redacções, foi "fácil de fazer ali porque se estava a nascer". E recorda um episódio que o Negócios diário já não teve de enfrentar: "Na minha primeira semana do semanário, em Setembro de 2002, o primeiro choque cultural que tive foi o chefe de redacção a esconder, na quarta-feira, a manchete para o editor do online não a queimar". "Isso não aconteceu no diário, porque a vantagem de trabalhar para o primeiro número durante vários meses foi que as pessoas teoricamente do papel pudessem produzir informação diária para o online", ilustra.

Foi também devido a esse longo trabalho de preparação que "nesse dia estávamos a abrir uma garrafa de champanhe à hora mais cedo de sempre, porque o primeiro número demorou sete meses e meio a preparar". E, garrafa de champanhe esvaziada, o Negócios continuou o seu dia, virado agora para o "seguro de vida" do projecto.

O chouriço, o porco e o erro

"O segredo nasceu no modelo empresarial, no modelo económico. O Negócios online foi o seguro de vida do arranque do diário em papel e isso teve a ver com a gestão de recursos, não com opções editoriais". É que o então director do jornal tinha também de enfrentar uma forte concorrência. "O incumbente tinha mudado de accionista, que estava com um cabedal financeiro e com a disposição de matar no ovo o concorrente".

E recorre a uma imagem criativa para exemplificar a diferença de armas no combate que acabara de iniciar: "Onde ia oferece um chouriço, sabia que a seguir entrava alguém do DE a oferecer um porco. Aquilo não era uma entrada com tapete vermelho à porta", descreve.

Para tornar o desafio maior, Sérgio Figueiredo assume também as suas responsabilidades num problema que criou quando lhe parecia ser uma solução. "Eu trouxe 6.000 leitores em pacotes de assinaturas, que negociei com os presidentes das empresas, para dar uma almofada durante um ano. Foi um erro", reconhecendo a sua "má percepção" sobre a "capacidade para ter uma renovação maior das assinaturas". E explica: "Sobrevalorizei a capacidade de resposta do grupo, que tinha um departamento de assinatura competente mas vocacionado para revistas".

Então, como é que o Negócios chegou ao 10º aniversário? "Para já, a economia foi melhorando. E depois, o jornal foi consistente. O que dita o sucesso destes projectos de longo prazo é a capacidade de resistência". E introduz um novo "rival" no jogo dos económicos: "É a qualidade do projecto e da redacção, que foi crescendo e continua, que permitiu que o jornal fosse sendo entendido como uma alternativa aos jornais generalistas". Uma tendência que levou à abertura dos económicos a outras áreas e que "resultou".

O regresso ao futuro

Desvalorizando as críticas sobre a maior pressão que o jornalismo económico sofre dos anunciantes – "eu dirigi o incumbente [quando estava sozinho] e fiquei anos a penar" – ou sobre o efeito da concorrência nos padrões de jornalismo – "se o produto se degrada, os leitores facilmente mudam" –, Sérgio Figueiredo chega ao presente, também de crise, para destacar a especialização na base do crescimento do jornal.

"Quando era director do Negócios tinha uma velinha acesa ao ministro que tinha a tutela da lei do arrendamento. Porque nós tínhamos competência, ‘know how’ e tínhamos percebido que aquele tema gerava umas vendas por impulso inacreditáveis". Nesse sentido, "a crise [actual] é um bom estímulo a que o jornalismo económico dê respostas. E se transforme num bem de primeira necessidade. Nesse ponto de vista, até cumpre uma função social, pedagógica". "Porque as pessoas precisam de saber o que está a acontecer".

Olhar para o futuro, a partir de um momento económico difícil como o foi o do lançamento do Negócios diário, é voltar ao online, ao futuro que já é passado. "Temos agora um tango entre papel e online que tem sido bem articulado no Negócios. E ajuda ter o mesmo director, quanto muito o Pedro tem de negociar com o Guerreiro e o Guerreiro com o Santos. É mais fácil" que noutras marcas de informação. No entanto, "a questão já não se põe entre online e papel, põe-se entre informação paga e gratuita. Porque hoje tens as duas coisas nos dois suportes". Por isso, para o homem que dirigiu a primeira edição diária do Negócios, "as notícias sobre a morte do papel foram demasiado exageradas". "Não acho que o papel desapareça, pode mudar muito, inclusivamente a frequência da sua publicação. Mas o Negócios não vai dispensar, até ver, um suporte em papel, porque complementa".

E volta ao passado para tentar perceber o futuro: "O Negócios nasceu agarrado ao online porque era o que o mercado estava a pedir", uma guinada para o campo da gestão, independente das plataformas ou das escolhas editoriais: "eu não acredito em filantropia em jornalismo. Se não houver um racional económico, é de desconfiar".

 
A frase

"Quando era director do Negócios tinha uma velinha acesa ao ministro que tinha a tutela da lei do arrendamento."

 
O momento

"No dia do primeiro fecho estávamos a abrir uma garrafa de champanhe à hora mais cedo de sempre. Aquele jornal tinha demorado sete meses a preparar."

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