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Pagar dívida tarifária toda em 2024 teria aumentado preços da energia em 34%, avisa ERSE
O presidente da ERSE, Pedro Verdelho, defendeu um aperfeiçoamento dos ajustamentos tarifários, para que a revisão extraordinária de tarifas possa ser substituída por "algo mais automático". "Já fazemos isso na componente de energia, temos de fazer na componente de acesso às redes também".
O presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Pedro Verdelho, disse esta quarta-feira numa audição parlamentar na Comissão de Ambiente e Energia, que o valor da dívida tarifária do sistema elétrico nacional para 2024 poderia ter acabado por ser muito mais elevado, e ascendido a um total perto dos 3.300 milhões de euros - quase o dobro dos 1,7 mil milhões em que acabou por se saldar. Isto caso o regulador não tivesse tomado a decisão, em julho de 2023, de levar a cabo uma "revisão extraordinária das tarifas de acesso às redes muito em alta" para o segundo semestre do ano ano passado.
As contas da ERSE mostram que no final do ano passado a dívida tarifária em Portugal era de apenas 879 milhões de euros, dos quais 600 milhões a serem pagos em 2024, sobrando ainda 278 milhões agora somados aos 1.717 milhões de nova dívida entretanto criada. Tudo somado, em dezembro deste ano o país contará com um défice tarifário na ordem dos 1.995 milhões de euros.
Foi neste contexto que Pedro Verdelho defendeu um aperfeiçoamento dos ajustamentos tarifários, para que a revisão extraordinária de tarifas possa ser substituída por "algo mais automático". "Já fazemos isso na componente de energia, temos de fazer na componente de acesso às redes também, para reduzir estes desvios. A volatilidade está para ficar, temos de pensar em instrumentos para viver com ela e que protejam os consumidores".
Da mesma forma, o responsável máximo da ERSE defendeu que a decisão de adiar o pagamento da dívida tarifária gerada para um futuro mais distante (cinco anos) permitiu evitar um enorme aumento dos preços da energia já em 2024, que seria insuportável para os consumidores portugueses.
"Se tivéssemos imputado o desvio de 2023 todo num só ano, o impacto nos consumidores residenciais e nas tarifas reguladas de venda a clientes finais teria sido de uma variação anual de 34,2%, em vez dos 2,9% que acabaram por se registar. Ou seja, muito acima do que seria o custo expectável", disse o presidente da entidade reguladora.
E explicou: "Alocar os desvios tarifários por períodos temporais mais alargados é uma decisão regulatória. É um instrumento que pode ser usado, tendo em conta a análise de sustentabilidade do sistema elétrico nacional. Se toda a dívida fosse recuperada este ano, isso ia gerar aumentos nas tarifas de energia de mais de 30%", disse Pedro Verdelho na audição a pedido do grupo parlamentar do PSD sobre o "agravamento da dívida tarifária no setor da energia, face à proposta apresentada pela ERSE para 2024".
"Se não tivéssemos revisto as tarifas em julho, a dívida teria sido de 3000 milhões de euros. Mudar as tarifas de acesso às redes logo a 1 de julho de 2023 foi fundamental para mitigar este efeito", frisou o presidente da ERSE, justificando perante os deputados a decisão tomada pelo regulador de "recuperar o desvio criado sem afetar os preços, de forma neutra para o mercado".
Quanto aos preços do mercado liberalizado, Pedro Verdelho diz que estas duas opções tarifárias da ERSE permitiram manter as ofertas dos comercializadores, em média, 5% abaixo das tarifas do mercado regulado. "Os consumidores têm este poder de escolher o seu fornecedor de energia, o que é favorável e desejável".
Na sua intervenção no Parlamento, Pedro Verdelho não se cansou de sublinhar a enorme volatilidade que hoje afeta os mercados energéticos, longe das certezas do passado. "2021, 2022 e 2023 foram anos muito impactados por uma enorme instabilidade, devido à crise energética que fez aumentar os preços de um valor médio anual de 47,16 para 124 euros por MWh. Passou a haver uma imprevisibilidade enorme. A bola de cristal do passado desapareceu", defende.
Prova disso são as previsões de preços que a ERSE fez para 2023 (no final de 2022) e que acabaram por sair completamente goradas. "Era esperado um valor mais alto da energia, que acabou por não se verificar. Eram esperados 200 euros por MWh, mas em 2023 o diferencial foi grande, de mais de 120 euros por MWh. Isso criou um desvio tarifário, que teve de ser corrigido, relacionado com o diferencial de custos com a produção com tarifas garantidas, que em 2022 permitiram ultrapassar a crise energética com maior estabilidade", referiu ainda Pedro Verdelho, explicando que foi estabelecido um novo preço da energia para o segundo semestre de 111 euros por MWh.
Aos deputados, o presidente da ERSE falou de uma "nova realidade". "O sistema elétrico europeu está desadaptado, há uma falta de flexibilidade enorme. Há momentos em que temos tanta energia que não sabemos como encaixá-la e os preços afundam para terreno muito negativo, e outros em que há escassez de energia, porque não temos renováveis, e os preços são encostados aos preços marginal do combustível fóssil mais caro. Isto cria uma volatilidade enorme". Ainda assim, o responsável garante que a penetração cada vez maior da energia renovável no sistema elétrico nacional "é positiva em termos económicos".