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"Think tank" Negócios/Banco Popular Portugal: Automóvel alerta para políticas que afectam dinamismo
Há vários investimentos anunciados na indústria automóvel. As vendas estão, por outro lado, a crescer. Mas todo o sector se une nos alertas para os constrangimentos que sentem no dia-a-dia e na mudança das sociedades.
A indústria andou perto das 300 mil unidades, estando agora em menos de metade. Apesar da confiança na inversão de queda, Hélder Pedro lembra alguns condicionalismos: rigidez laboral, não ajustada aos picos de produção, mas também a concorrência crescente já não apenas da Europa de Leste, mas também do Norte de África ao nível da instalação de fábricas.
Revoluções mais ou menos silenciosas têm contribuído para mudar todo este sector.
São desafios para os quais o sector vai chamando a atenção, lembrando que está sujeito a outros constrangimentos que deviam ser olhados pelos poderes públicos e regulamentações, nomeadamente ao nível da legislação laboral, da carga fiscal ou em algo que parece simples: a classificação das portagens. Está, dizem os responsáveis, desactualizada e é mais uma forma de penalizar quem tem carro.
E penalizar "tanto" a propriedade de automóveis pode significar, também, penalizar a indústria, com as consequências que daí podem advir.
Produção vai recuperar?
Os dados da indústria mostraram até final de Outubro do ano passado uma quebra na produção automóvel em Portugal. O sector, explica Hélder Pedro, é sazonal, mas a descida de Outubro de 21% - e que resultou numa queda consecutiva de dez meses - tem que ver com os ciclos de produção de linhas. O secretário-geral da ACAP acredita, no entanto, que em 2017 o balanço da produção será melhor já que surgirão novos ciclos de produção, o que implicará, por outro lado, o aumento da procura nos mercados a que esses produtos se destinam.
Comércio está a crescer, mas longe do ano estrela
Portugal já vendeu 400 mil veículos num só ano. Decorria o ano 2000. Agora está em metade. Dificilmente voltará a atingir os valores de 2000, admitem os agentes do sector. Miguel Félix António, do Entreposto, acredita que "voltar a 2000 será difícil e não é apenas pelo poder de compra. É pelas mudanças com que o mundo e a sociedade estão confrontados."
A nova geração, nascida no milénio ("millennials"), tem a sua quota-parte de responsabilidade, já que é um grupo etário que quer mobilidade, pelo que prefere a economia da partilha e conceitos mais baratos. Hoje até o avião é um concorrente ao carro.
Grupo Entreposto
Se isto está a acontecer com esta geração, certo é que as marcas consideradas "premium" começam hoje a ter um peso como nunca tinham conseguido. Há ainda quem veja o automóvel como uma jóia, acreditam os responsáveis do sector que lembram, por outro lado, que hoje com a facilidade de aquisição - nomeadamente ao nível do crédito - as pessoas conseguem ter acesso a veículos que antes não tinham. Além disso, hoje, "já não compram o carro que lhes querem vender, mas querem um especificado. É um pouco como deixar de comprar no pronto-a-vestir e ir, antes, ao alfaiate. A exigência é também maior.
"Há de facto muitos desafios", acredita Nuno Martinho que se prepara, a nível de ensino, para eles.
Se os números estão longe dos anos 2000, o ano de 2016 representou, no entanto, uma subida face ao anterior. "Temos ainda espaço para crescimento", admite Miguel Félix António, que, no entanto, acredita que o mercado ajustará em valores mais baixos do que os conseguidos em 2000. É por isso que o sector acredita que o número de espaços a venderem automóveis é acima do necessário. "Não é por ter mais pontos de venda que se vende mais", sustenta, explicando que também nesta área há novos desafios, como o canal digital a retirar pessoas dos "stands" que são cada vez mais pontos de entrega de veículos. "Temos a convicção de que há operações a mais para a dimensão do mercado", considera.
A nível de saúde financeira do sector, há, de acordo com Carlos Álvares, presidente do Banco Popular Portugal, feridas a sarar. No segmento do comércio a autonomia financeira é baixa e a dívida líquida sobre EBITDA está nos 5%, mas já chegou a estar nos 20%, com encargos financeiros que estão nos 30%, mas que já chegaram a ser superior ao EBITDA. "Há empresas fantásticas, mas a média ainda não é muito boa, precisa de dois ou três anos para ganhar músculo." Com a melhoria do sector, a banca estará mais atenta, assegura.
Sector quer aumentar incorporação nacional
A indústria de componentes orgulha-se do crescimento que tem conseguido nos últimos anos, atingindo já um volume de vendas de nove mil milhões de euros, sendo 85% para exportação. Adolfo Silva, director da associação que representa este sector (AFIA), vai dizendo que, por isso, os investimentos anunciados ao nível dos construtores começam, cada vez menos, a ter um impacto grande nos componentes. Já que a maior parte das empresas deste segmento já trabalha para o exterior. A produção de veículos em Portugal é, pois, "uma pequena fracção do que servimos". Afinal, "provavelmente", em cada dois veículos vendidos a nível mundial um tem pelo menos um componente produzido em Portugal.
E o objectivo da indústria é, mesmo, aumentar a incorporação nacional que, nos componentes, varia entre os 22 e os 45% das vendas das empresas, dependendo da área de actividade que se esteja a considerar.
Adolfo Silva vai lembrando que os construtores em Portugal não têm dimensão para absorver o volume de negócios que a indústria de componentes já tem. "O mercado nacional é pequeno demais para a indústria [de componentes] que está instalada", assegura o responsável da AFIA. O mercado interno absorve 15/16% da produção de componentes, mas o resto é exportado, sendo os primeiros mercados ainda na Europa - Espanha, Alemanha, França e Inglaterra. Já vai havendo exportações para outras localizações, mas ainda são diminutas, até porque as grandes centrais de compras dos fabricantes estão na Europa.
Este é um sector reconhecidamente de exportação, embora nem sempre a balança comercial acabe positiva. Aliás, quer ao nível dos construtores, quer dos componentes, Hélder Pedro garante que "Portugal é considerado um país de indústria automóvel, que é uma das mais importantes da União Europeia, quer ao nível do emprego, do investimento em investigação e de-senvolvimento, etc". A tradição industrial de Portugal vem desde os anos 60, altura em que houve a lei de montagem dos automóvel.
Agora é altura de se falar nas mudanças que aí estão à porta. Há mesmo quem assuma que esta indústria está a entrar num novo paradigma, com o conceito automóvel a mudar radicalmente e "quando se muda de paradigma o relógio volta a zero. As oportunidades vão estar aí."