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"Reserva Ecológica Nacional vai ficar melhor definida"

Foi com os olhos postos no texto da nova Lei da Rede Ecológica Nacional, profusamente realçado a tinta amarela florescente, que Francisco Nunes Correia deu muitas das respostas nesta entrevista ao Jornal de Negócios.

24 de Julho de 2008 às 14:02
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Foi com os olhos postos no texto da nova Lei da Rede Ecológica Nacional, profusamente realçado a tinta amarela florescente, que Francisco Nunes Correia deu muitas das respostas nesta entrevista ao Jornal de Negócios.

Primeiro muito cauteloso, o ministro do Ambiente e Ordenamento do Território foi soltando amarras em relação ao texto da lei, foi em tom convicto, quase indignado, que defendeu os projectos da CostaTerra e Pinheirinhos na Comporta e já com indisfarçável entusiasmo que, quase no final da conversa, prometeu de surpresa uma nova Lei do Solos para o segundo semestre de 2009. Incrédulo, o Jornal de Negócios tentou assegurar a consistência de tal promessa, trata-se de uma lei basilar, pedida por vários especialistas no domínio do Ordenamento do Território há décadas, mas que “mexe com interesses que cobrem todo o espectro político e partidário” e, por isso, nunca “venceu” o Parlamento.

“Mas para que é que estamos cá? Não nos preocupa mexer com interesses! Estamos habituados a ter todo o tipo de oposições!”, foi a resposta de Nunes Correia.

Pois em toda a conversa, esta é a parte a ignorar. Em contacto telefónico no dia seguinte, o ministro fez saber que tinha de retirar a promessa, explicou que se entusiasmou e que só no início do próximo ano poderia perceber se tinha condições para seguir em frente com tamanha empresa. Nada mais do que Nunes Correia disse mereceu reparos, mas este, porém, ainda que não esteja estritamente no âmbito da própria REN é quase irreparável. Para começar, rouba o título desta entrevista: “Não nos preocupa mexer com interesses!”

O diploma da REN que foi para discussão pública acabou por resultar bastante alterado em relação a uma versão inicial que foi conhecida, pensa que as alterações feitas...

Houve rascunhos a circular, que a comunicação social deu como propostas finais e que foram muito deturpadas na forma como foram apresentadas. Nesta versão, como em nenhuma das que circularam antes, houve um processo de municipalização da REN. Este texto final vem mostrar que há uma grande clarificação do que cabe ao governo e às autarquias fazer, mas não há nada do que durante duas semanas se andou a dizer que eram as orientações deste documento.

Em todo o caso, a versão final continua a dar aos municípios um papel muito importante na elaboração das cartas de REN. Como se garante que as orientações nacionais serão bem executadas e como se inverterá a arbitrariedade que tem pautado a elaboração das cartas de REN ?

Em primeiro lugar, até agora, não havia as orientações que passa a haver, a nível nacional. Sem que existisse isto, as câmaras propunham as suas cartas de REN de ‘motu proprio’, não enquadradas por este conjunto de orientações. Por outro lado, as CCDR vão acompanhar o trabalho das câmaras, mas podem ir mais longe e estabelecer protocolos de parceria com as câmaras para fazerem esse trabalho em conjunto. Em terceiro lugar, depois de concluídas as cartas pelas câmaras, cabe às CCDR a respectiva apreciação e, num prazo de 22 dias, convocar uma conferência de serviços para fazer a avaliação local de cada carta de REN. Finalmente, a proposta apresentada pela câmara é tornada pública através da Internet e qualquer cidadão pode criticar e dar contributos, chamando a atenção para eventuais problemas. Tudo isto contribuirá para que a REN cumpra melhor os seus objectivos. Porque a REN é um instrumento que tem sido útil em Portugal, mas tem sofrido de algumas limitações que, ao fim de 20 anos, se revelam perfeitamente evidentes. Uma das principais é a maneira muito incoerente e inconsistente, cega e nem sempre completamente fundamentada, como os municípios a delimitam. Há zonas que deviam ser REN e não estão delimitadas e outras não se compreende porque são delimitadas. Há uma falta de critério, de crivo e de fundamento que procuramos agora resolver.

Garante que esta proposta resolverá esses problemas?

Quem vai garantir é quem terá a responsabilidade do trabalho. O que garanto é que estamos a criar um quadro de preparação da REN mais sofisticado e parece caminhar no sentido de trazer maior racionalidade. Mas a REN sofria de outro defeito que lhe trouxe muito hostilidade por parte das pessoas. Tornou-se, na prática, uma disposição estritamente “non edificandi”, quando nos seus propósitos não era isso que estava previsto. Desde que foi criada, nos anos 80, que a lei diz que os usos e as acções compatíveis com a REN serão estabelecidos em diploma próprio.

Foram estabelecidos em 2006...

Sim, mas passaram mais de 20 anos sem que essas acções tenham sido estabelecidas. Na ausência desses usos e acções compatíveis a REN tornou num “non edificandi” estrito e isso levou aos problemas que têm sido referidos. O agricultor que não pode aumentar a casa para acomodar uma filha que casou, ou, indo ao ridículo, quis construir uma casota para o cão e não pôde. O que nós fizemos em 2006 e agora revimos foi justamente este conjunto vasto de acções que se consideram compatíveis com os vários tipos de REN. E aqui chegamos a uma terceira questão, com a qual a lei no passado mostrou também grandes insifuciências. Um terreno é classificado como REN por razões diversas. Pode ser uma zona de infiltração máxima, de erosão, susceptível de ser atingida por cheias. No momento em que tivermos que definir os usos compatíveis, temos que saber que tipo de zona estamos a classificar e por que razões.



Este documento vai resultar numa diminuição da área de REN? O que é que vai acontecer às áreas de REN entretanto intervencionadas por via de planos directores municipais agressivos, ou por usos que desconfiguraram essas áreas?

Temos que esclarecer uma questão preliminar. A REN é ‘Reserva Ecológica Nacional’, não é ‘Rede Ecológica Nacional’, em si mesma, não protege espécies ou habitats, que é para o que serve a Rede Natura 2000. O que a REN protege, sobretudo, são configurações no terreno, suportes físicos.

Recentemente, na Beira Interior, um terreno REN foi intervencionado para plantar cerejeiras. O que é que vai acontecer a casos como este?

Está a colocar uma pergunta que não posso responder à distância sem conhecer o problema...

O caso serve apenas de exemplo para falarmos da legitimação de atropelos...

Não, mas eu não quero antecipar o que vai acontecer aí, porque pode haver actividade agrícola na REN. O problema aí não é tanto o de haver ou não cerejeiras, é o da modificação de um declive, que, tanto quanto li nos jornais, foi transformado em terraços. Não me parece que isso seja justificação suficiente para que seja desclassificado da REN. Mas muita gente se pronunciará sobre isso. Não é o ministro...

Mas olhe para este caso com um exemplo em abstracto.

Muito bem, a questão era se a REN iria aumentar ou diminuir. Penso que neste momento ninguém sabe responder a essa pergunta. Mas essa não é a questão essencial. O ponto é que, depois deste processo, que vai levar seguramente três anos, a REN vai estar muito melhor fundamentada. Fica-se a saber porque é que cada metro quadrado aí está e, nessas condições, o que é que pode e não pode ser feito. Agora, se a área vai aumentar uns metros quadrados ou diminuir, o futuro dirá. A minha convicção é que nuns sítios vai aumentar e noutros diminuir, o balanço final será mais ou menos o mesmo.

Admite ou antevê muitas situações conflituantes de usos e alterações entretanto feitas ao longo do tempo que tornem complexo o processo de definição das cartas de REN pelas câmaras?

Bom, casos como esse da Cova da Beira, penso, não haverá muitos, o que não quer dizer que no todo nacional não apareçam uns quantos, uma meia dúzia, se tanto. Agora, há situações, chegam-nos ecos disso, extremamente anómalas. Ainda no outro dia, numa conversa com um autarca na região do Centro me foi mostrado como a actual REN tem excesso de rigidez. Há aldeias inteiras integradas na REN e esse autarca não pode construir um edifício social entre duas casas porque o terreno era REN. Isto são excessos que não aproveitam à política de ambiente, pelo contrário, só criam má vontade e são motivo de incompreensão por parte das populações. No caso de aldeias e populações dentro de uma área REN talvez tenhamos que traçar uma envolvente em torno destas e definir que estão excluídas da REN. Mas, em contrapartida, há muitas zonas que deveriam estar classificadas como REN e não estão. Acredito que, com todo este exercício, passarão a estar. Se no balanço final irá ficar mais ou menos não sei, mas estou convencido que ficará mais bem definida.

A lei estabelece prazos curtos para tomada de decisões por parte das entidades públicas e aponta para o deferimento tácito em diversas situações...

Temos o deferimento tácito porque o cidadão não pode ficar anos à espera de uma resposta. Mas tem uma limitação: só é válido se aquilo que o cidadão se propõe fazer for legalmente admissível.

Mas quem é que vai depois verificar isso?

Os serviços da CCDR, as câmaras municipais, a inspecção do Ambiente e Ordenamento do Território e, em muitas acções concretas, o serviço da Guarda Nacional Republicana especialista nestas matérias.

Há meios humanos e técnicos nas CCDR para tudo isto? Está a pensar reforçar a Inspecção do Ambiente?

Sim, sim, o mais possível! É uma das que está...

Desfalcada!

Sim, bastante. Agora, também tem havido aumento do número de inspectores ao longo deste tempo... Mas a pergunta era: “quem é que vai controlar e fiscalizar?”. E agora, quem é que controla e fiscaliza? Pior não será! Será melhor, porque estamos a fazer um esforço para melhorar. Não há um novo problema que se coloca.

Tal qual estão as CCDR estariam em condições de garantir uma boa execução da nova lei?

Acredito que sim. Já fazem tarefas muito afins destas.

Ainda em relação ao deferimento tácito, a lei permite usos pouco compatíveis com o espírito da REN que se não tiverem resposta célere podem acabar em facto consumado...

O diferimento tácito tem o limite da legalidade. É claro que, se uma CCDR abdica de dizer “neste caso, sim; neste caso não”, naturalmente que há um prejuízo para o poder público. Sem dúvida, essa é uma situação muito, muito inconveniente! Mas esperamos que isso aconteça o menos possível. Só por erro ou falha da administração é que os deferimentos são tácitos. Mas o deferimento tácito só pode acontecer para os casos em que é preciso uma autorização que não é dada. Ou seja, apenas para algumas coisas – pequenas coisas –, porque os grandes projectos não estão aqui contemplados. Esses precisam de um licenciamento muito mais complexo, onde essa figura não se coloca.

A lei prevê a figura do “relevante interesse público”, que legitima a aprovação de projectos em todas as zonas estabelecidas na REN com a assinatura de dois ministros. Fazia falta a introdução desta figura?

O mais possível, diria que todos os dias, com a lei actual, nos confrontamos com situações desse tipo de casos. Situações típicas que passam por mim com abundância são por exemplo casos de abastecimento de água ou construção de ETAR em zonas de REN. Não podemos impedir esse tipo de iniciativas que são manifestamente de interesse público. Senão, não haveria saneamento básico em Portugal, por exemplo.

Um projecto turístico caberia no reconhecimento de interesse público?

Isso é mais complicado. Aí poderia estar em causa, em situações extremas, uma desafectação da REN. Agora, isso são situações que a lei já hoje permite e são excepções. Teria que haver razões muito fortes de índole económica ou social para que isso fosse aceitável.

E essas “razões” não deveriam estar também tipificadas?

Não, porque temos de aceitar que o Governo, este e os próximos, exerce estes poderes com sentido de responsabilidade e responde politicamente por isso.

Este Governo desafectou terrenos da REN em dois projectos diferentes, o da Pescanova, no Norte, e na Comporta para empreendimentos turísticos sem que se percebessem exactamente os critérios...

Não percebe os critérios que estiveram na base? Ah, mas isso está quantificado! São milhares de postos de trabalho! Aquela é uma das zonas mais deprimidas do país, onde tem havido processos terríveis de abandono das populações, por falta de emprego, e aqueles projectos, que são muito exigentes do ponto de vista ambiental, com densidades [de edificação] muito baixas, são muito estimuladores da economia local.



Em todo o caso, não facilitaria a percepção dos cidadãos a existência de um conjunto de critérios pelos quais se deveriam pautar o reconhecimento de interesse público e as desafectações da REN como estas?

Muitas vezes, outras disposições da legislação se cruzam aí e apontam para alguns desses critérios. Bom, a questão da REN punha-se só na Comporta[Pinheirinhos], não se punha na Costa Terra, aqui punham-se questões relacionadas com a Rede Natura. Pois bem, a directiva comunitária e a legislação nacional sobre a Rede Natura dizem que, desde que não sejam afectados habitats prioritários, podem ser autorizados por razões de índole social e económica. Além disso, desde há quinze anos constam do Planos Regional do Litoral Alentejano e dos PDM.

O facto de estarem publicadas não é uma garantia de qualidade...

Bom, a minha convicção é que na ponderação global eles são bons para o país. Não tenho dúvidas.

Esta e outras questões assentam num problema fundamental que é o inexistência de uma lei dos solos adequada.

Estamos muito interessados... A lei dos solos é em Portugal, como em qualquer país do mundo, um processo muito complexo. Estamos a trabalhar, o secretário de Estado do Ordenamento do Território e Cidades, professor João Ferrão, tem em mente um calendário para avançar, nesta legislatura ainda, ou seja, até ao fim deste mandato, com a Lei dos Solos. Ou seja, estamos a trabalhar arduamente nisso. Resolvidas estas questões...

O que é que isso quer dizer, desculpe, “avançar com a Lei dos Solos”?

Quer que, no fim do primeiro semestre de 2009 estaremos em condições de aprovar uma Lei dos Solos.

Quer fechar este mandato com uma nova lei dos solos, tem dois semestres para a elaborar, discutir e aprovar...

Sim, mas o trabalho já vem de trás! Essa é a nossa intenção! Estamos a trabalhar para isso! Sim!

Essa é uma grande novidade!

Não percebo a vossa surpresa. Isso até consta no programa do Governo, julgo!

Sim [afinal, não, não consta]!

Consta. Estamos a trabalhar para isso! Desde o princípio existe essa intenção, o que acontece é que documentos como estes são, em certo sentido, mais pressionantes. Concordo que a Lei dos Solos e mais estruturante. Mas documentos como estes [revisão da Lei da REN] são mais pressionantes. Por exemplo, acabar o Programa Nacional de Políticas de Ordenamento do Território, lançar os PROT, que eram quase inexistentes, tínhamos apenas um da Área Metropolitana de Lisboa e tínhamos um do Algarve, que vinha do princípio dos anos 90, eram enormes prioridades, que se têm muito a ver com a vida do dia-a-dia do cidadão. Mas era também muito urgente avançar com os PROT para que pudessem servir de suporte para decisões no quadro do QREN. Ou seja, havia um sentido de urgência em relação a estes documentos, mas a Lei dos Solos sempre esteve no nosso horizonte de cinco anos de governação. Estamos a cumprir isso!

Folgamos em ouvir!

Mas é muito complexo! Vamos ter...

Deve ser, sim. Mexe com interesses que cobrem todo o espectro político e partidário.

Mas para que é que estamos cá? Não nos preocupa mexer com interesses! Estamos habituados a ter todo o tipo de oposições!

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