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Publicidade do Ikea “correu bem, mas também pode correr muito mal”. Quem ganha com este tipo de campanha?

Ninguém ficou indiferente à estante que pode guardar livros “ou 75.800 euros” do Ikea, espalhada pelos mupis do país durante esta semana. A empresa de móveis e decoração diz não querer contribuir para o debate político, mas os especialistas alertam para o risco associado à publicidade contextual.

27 de Janeiro de 2024 às 12:30
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Lembra-se da campanha da Nívea que, em 2017, publicitou um desodorizante com o slogan "branco é pureza", e foi posteriormente acusada de tom racista? Ou do anúncio televisivo da gigante Pepsi, criticado por banalizar protestos sociais com o simples ato de partilhar uma lata da bebida com um policia?

 

E mais recentemente, em Portugal, quando a espanhola de cosméticos e perfumaria Primor enviou uma newsletter aos assinantes com o título "Manda para o caralh* o dia mais triste do ano", em referência à Blue Monday?

 

Estes são alguns exemplos de publicidades que usaram uma estratégia de marketing "arriscada", segundo os especialistas contactados pelo Negócios: aliar a publicidade a um contexto atual.

 

Esta semana muitos portugueses se depararam com uma publicidade do Ikea em mupis espalhados pelas ruas do país, fazendo referência a uma quantia minimamente familiar a quem está atento à atualidade política. A estante "boa para guardar livros. Ou 75.800€" dividiu opiniões entre internautas e especialistas de marketing.

 

A notoriedade e visibilidade "ficaram garantidas", mas há algum tipo de riscos associados a esta estratégia? Quem é que fica a ganhar?

 

"O grande vencedor parece ser mesmo o Ikea", diz o diretor executivo do IPAM, Daniel Sá. "O truque resulta porque, em condições normais, ninguém estava a comentar esta publicidade. O certo é que o mediatismo resultou e a intenção da marca foi conseguida."

 

A mesma opinião tem Rodrigo Freitas, CEO da Central Informação, que acrescenta que a atitude "corajosa" não afeta negativamente a reputação da marca. "É um abanar do politicamente correto e uma lufada de ar fresco dentro do espectro de comunicação dos últimos tempos, dominado pelos partidos políticos", sublinha ao Negócios, considerando que a publicidade do Ikea não é politicamente tendenciosa e que brinca com temas "insistentemente discutidos na opinião pública".

 

Para os especialistas, a publicidade à estante, apesar de arriscada, foi bem conseguida, até porque outras marcas prontamente seguiram a ideia, dado que a estratégia de risco "pode gerar muito melhores resultados que uma campanha mais inofensiva", assume Rodrigo Freitas. 

O outro lado da moeda

"O Ikea também já entrou em campanha eleitoral". "Vamos ver a reação do Partido Socialista". Assim como os aplausos, também as críticas online se fizeram sentir. Daniel Sá afirma ter visto no Linkedin especialistas de marketing a dizerem que a marca "goza com o próprio país – o que também não lhes fica muito bem".

 

A estratégia da empresa sueca em juntar o sentido de humor à utilidade dos produtos, acrescentando ainda a componente política, já tinha sido usada no passado.

 

Desta vez, por um lado, correu bem, admite Sá, mas por outro "também pode correr muito mal". "Não faltam marcas a darem-se mal com este tipo de estratégias. Esta ‘coisa’ do humor não é algo matemático, em que juntamos estes dois mundos e sabemos que dá conta certa, até porque nunca sabemos o que esperar, porque os consumidores não são iguais", sublinhou o diretor executivo do IPAM.

 

Rodrigo Freitas afiança que "o humor é sempre uma boa fórmula, como provam as campanhas da Control ou do Licor Beirão". A "simplicidade" da mensagem do Ikea atenuou o risco, "mas não tenho dúvidas que um eventual impacto negativo de uma campanha como esta poderia gerar consequências severas para os responsáveis da agência e da marca", alerta. 

Tom de marca 

Os dois especialistas contactados pelo Negócios concordam que a reputação do Ikea fica influenciada de forma positiva, mas mostraram surpresa no tom adotado pela gigante do mobiliário.

"É como aqueles amigos mais certinhos que, de repente, num jantar, dizem uma piada inesperada", ironizou o CEO da Central da Informação, acrescentando que a publicidade à estante "parece uma campanha viral feita anonimamente".

 

"Uma marca como a Gucci, por exemplo, é elegante, não é "brejeira" e não pode estar a fazer campanhas deste género. Já a Ryanair também adota este tom de marca, faz publicidade que se relaciona com a atualidade, até num tom provocador. Na minha opinião técnica, o tom de marca do Ikea não é este, não é a maneira mais humorada para fazer este tipo de campanha", acredita Daniel Sá.

Nas redes sociais, há quem acuse a empresa de fazer declarações partidárias com a campanha, num momento em que o país atravessa uma crise política. No entanto, o Ikea negou ter "qualquer intenção" de contribuir "para o debate partidário e para o atual contexto pré-eleitoral no país".

 

De acordo com Cláudia Domingues, "marketing manager" da empresa, esta ação pretende retratar "o próprio humor" com que muitas vezes os portugueses "abordam os temas mais sérios". "Trata-se de uma campanha de mupis bem humorados, descontraídos, que, partindo de temas e termos da atualidade, servem única e exclusivamente para animar e divertir quem por eles passa", afirmou à Visão.

 

O autor da publicidade, Luís M. Jorge, senior copywriter da Uzina, sublinhou que as suas campanhas refletem "a vida real", abordando "rotinas, conversas, discussões, mais e menos acesas, e o próprio humor" com que as equipas debatem "temas mais sérios".

A campanha do Ikea faz referência à Operação Influencer, que motivou a queda do Governo de António Costa, levando Portugal a eleições legislativas antecipadas, marcadas para 10 de março. Durante buscas realizadas à residência oficial do primeiro-ministro, em novembro de 2023, as autoridades encontraram no escritório do agora ex-chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, uma quantia de 75.800 euros em numerário, que estava guardada em envelopes dentro de livros e numa caixa de vinho.

 

Na mesma onda do Ikea, marcas como a Staples, o Gato Preto e até mesmo a livraria Almedina publicitaram os seus produtos nas horas seguintes, fazendo referência à polémica com Vítor Escária.

Texto editado por Carla Pedro

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