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"Fui enganado". A história do colapso de uma gigante das matérias-primas

A Noble Group chegou a ter um valor de mercado de 12 mil milhões de dólares, mas foi reduzida a quase nada devido a dívidas incobráveis, prejuízos e acusações de manobras contabilísticas para ludibriar investidores.

01 de Setembro de 2018 às 21:00
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Francis Tay sente-se enganado. O ex-funcionário público de Singapura conta que perdeu o equivalente a 36.600 dólares na implosão da gigante de trading de commodities Noble Group. Afirma que outros accionistas também foram abandonados pelas autoridades reguladoras responsáveis por os proteger do tipo de crise que levou esta empresa ao abismo.

 

O reformado de 71 anos afirma que não tinha alternativa a não ser votar a favor de uma reestruturação de troca de dívidas por acções que entregará o controlo aos credores mais importantes e diluirá o valor dos accionistas atuais. Após uma assembleia geral extraordinária em Singapura na segunda-feira, o acordo para o resgate da empresa foi aprovado com 99,96% dos votos. O chairman descreveu a proposta como a única que permitia a sobrevivência do Noble Group e já tinha o apoio dos maiores accionistas, incluindo do fundador Richard Elman (na foto).

 

"Enganaram-me com as minhas poupanças que tanto custaram a ganhar", lamenta Tay, que ainda detém uma pequena porção de acções. "Como uma empresa gigantesca pode ruir?", acrescentou, numa entrevista realizada ainda antes da AG. "Que mensagem estamos a dar ao mundo sobre a reputação de Singapura?"


 
 

Tay e outros pequenos investidores foram os mais penalizados, embora os institucionais e detentores de dívida também tenham sofrido fortes perdas. A Noble Group chegou a ter um valor de mercado de 12 mil milhões de dólares, mas foi reduzida a quase nada devido a dívidas incobráveis, prejuízos e acusações de manobras contabilísticas para ludibriar investidores. A empresa cotada em Singapura não respondeu a pedidos de comentário da Bloomberg.

 

À medida que os problemas se foram acumulando, a actuação das autoridades locais foi colocada em causa. Além de administrar a bolsa de valores, a Singapore Exchange (SGX) está na linha da frente de supervisão e tem responsabilidade de manter mercados justos, ordeiros e transparentes, e de investigar suspeitas de irregularidades. A entidade tem na retaguarda a Autoridade Monetária de Singapura (MAS), que de facto é o banco central da cidade-Estado que é um dos centros financeiros globais e conquistou a muito custo uma reputação de integridade.

 

No caso da Noble Group, as acusações surgiram principalmente da Iceberg Research, que afirmava que os lucros da empresa eram inflacionados. A firma é liderada por Arnaud Vagner, que foi analista de crédito da própria Noble em Hong Kong, onde ficava a sede antes da mudança para Londres.

 

"Polícia sem armas"

 

"A SGX é como um polícia sem uma arma", disse Tay. "Investidores leigos como nós só têm acesso a informações superficiais, como comunicados da empresa e notícias."

 

A SGX defendeu-se apresentando um resumo das medidas tomadas nos últimos três anos enquanto a situação da Noble se agravava.

 

"É preciso perguntar se o conselho da SGX deu a adequada prioridade à protecção dos investidores", disse Mak Yuen Teen, professor de contabilidade Universidade Nacional de Singapura. Também precisa que fique claro se a administração forneceu recursos suficientes à unidade de regulação da SGX, acrescentou.

 

Auditorias e revisões

 

Depois do primeiro relatório da Iceberg Research, "solicitamos ao emitente a nomeação de um auditor de Singapura para realizar uma revisão independente, e tomar uma série de medidas para assegurar que o auditor respondia a todas as dúvidas levantadas nas contas desde 2015", afirma uma fonte oficial da SGX.

 

"Apesar de quer a auditoria quer a revisão terem ficado limpas, continuamos a fazer a nossa parte, investimento os assuntos que são da nossa competência. Estamos comprometidos em apurar os emitentes e profissionais responsáveis pelas suas acções e opiniões. Se houver alguma evidência de irregularidades, encaminharemos para as autoridades competentes".

 

É a segunda vez que uma grande empresa de trading com sede em Singapura passa por problemas. A Olam International Ltd, uma das maiores traders de matérias-primas alimentares do mundo, foi alvo de um ataque da Muddy Waters em 2012, através de apostas em "short selling". A firma levantou dúvidas sobre as suas finanças, comparando-a à trader de energia Enron, defendo que corria um sério risco de falência. A Olam desmentiu as alegações, mas depois de uma forte queda nas acções, a Temasek Holdings (fundo soberano de Singapura) assumiu uma posição de controlo em 2014.

 

Segundo Mak, o caso da Noble foi mais complicado para as autoridades locais porque a empresa é incorporada em Bermuda e "muitas das principais exigências de governação corporativa em termos de deveres dos administradores e direitos dos accionistas na lei de Singapura não se aplicam". Conforme o caso se foi desenvolvendo, a Noble sempre desvalorizou as alegações da Iceberg e defendeu as suas acções.

 

Outros investidores também foram afectados. "O buraco é muito grande. Eles precisam de uma forte injecção de dinheiro", diz S. Nallakaruppan, que trabalha na indústria financeira e considera-se afortunado por em 2016 ter alienado quase todas as acções que detinha do Noble. Tal como Tay, também revelou que iria votar a favor da reestruturação.

 

Tendo em conta o acordo aprovado na segunda-feira, 70% do capital da empresa reestruturada passará para mãos de credores seniores, 10% para os administradores e o resto para os actuais accionistas. Metade da dívida será anulada.

 

O chairman Paul Brough tinha avisado que se a proposta de reestruturação não fosse aprovada, o Noble Group poderia ser obrigado a declarar falência. Horas antes da AG, a empresa pediu que as suas acções fossem suspensas de negociação em bolsa.

 

Lisa Ng, uma administrativa que trabalha no sector financeiro, diz que perdeu 90% do seu investimento no Noble, o que corresponde a cerca de 5 mil dólares. Alegou que não iria participar na AG porque já considerava as acções como perdidas. Vendê-las iria acarretar mais custos em comissões do que poderia recuperar.

 

"Desejaria ter saído quando apareceu a Iceberg com as críticas à contabilidade da Nobble", disse pequena accionista de 61 anos. "Pensei que a Noble, sendo uma ‘blue-chip’, não se teria comportado como eles alegavam".

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