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CMVM acusada de ceder a pressões dos inquéritos parlamentares

O Negócios questionou as auditoras sobre as propostas apresentadas pela CMVM para mudar a auditoria, que incluiem a rotação obrigatória de auditoras nas empresas em cada sete anos e a incompatibilidade de prestação de outros serviços (por exemplo de consultoria) por quem audita. Veja aqui na íntegra as respostas da PricewaterhouseCoopers, enviadas por escrito.

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Introdução

As questões suscitadas pelas três primeiras perguntas [do Jornal de Negócios] foram já amplamente analisadas e discutidas nos foruns próprios da União Europeia, no âmbito dos trabalhos preparatórios da 8ª Directiva.

Nesse processo participaram, para além dos representantes do poder politico dos Estados Membros, inúmeros académicos e representantes dos reguladores, dos investidores, das empresas visadas e dos profissionais de auditoria. Foram efectuados vários estudos académicos e “surveys” alargados, bem como diversas consultas publicas.

As soluções encontradas estão plasmadas na 8ª directiva, que viria a ser transposta para o direito interno nacional principalmente através dos Decretos Lei 224/2009 e 225/2009, ambos datados de 20 de Novembro de 2008.

A posição expressa no projecto apresentado pelo Governo à AR e por esta aprovado, foi no sentido de alinhar a posição nacional com a posição largamente maioritária na EU, não usando da faculdade de introduzir variações aos mecanismos previstos na Directiva.

Surge agora a CMVM a propor algumas variações, alegando a necessidade de reforçar a independência do auditor.

Em nosso entender, esta acção voluntarista coloca problemas no plano prático e no plano dos princípios:


» No plano prático, porque se afasta das regras adoptadas por uma vasta maioria dos Estados Membros da EU, o que num mundo cada vez mais globalizado é um passo na direcção errada; como se aplica um requisito nacional num grupo multinacional? Como se controla a independência das “networks” de auditores noutras jurisdições; o que justifica que um mercado de capitais minúsculo como o português, tenha regras diferentes e mais rigorosas do que as existentes em mercados bem mais sofisticados, como os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, etc.?


» No plano dos princípios, porque lança uma suspeição geral sobre a actividade de auditoria, tomando medidas excepcionais de prevenção, em lugar de reforçar a monitorização da qualidade e, quando aplicável, a aplicação de medidas sancionatórias apropriadas. O tipo de medidas propostas não tem paralelo no regime de incompatibilidades de qualquer outra actividade, desde o exercício de funções de carácter politico, regulatório ou de quaisquer outras actividades.

Os eventos recentes, em Portugal e no Mundo, evidenciam a necessidade de melhoria no sistema de controlo das entidades de interesse publico. Essas melhorias distribuem-se por três níveis:

» Legislativo, respondendo a uma clara alteração na percepção pública do peso relativo de cada um dos “stakeholders” das entidades de interesse público;


» Regulatório, respondendo à percepção pública de uma intervenção mais acentuada dos reguladores, o que pode incluir um reforço dos poderes que legalmente lhe são conferidos


» Auditoria, reforçando os mecanismos de controlo da qualidade e, quando aplicável, dos mecanismos sancionatórios quando existam falhas no cumprimento dos padrões de qualidade exigidos.

A relevância e, sobretudo, a forma que assumiu em Portugal a discussão pública de alguns casos de maior notoriedade, colocaram enorme pressão sobre os reguladores. Por isso, a iniciativa reactiva agora adoptada pela CMVM, que face à referida pressão pecará por intempestiva e comprometendo uma reflexão aprofundada que envolva os três níveis acima referidos.

No entretanto, apresentamos de forma sintética a nossa posição relativamente às questões que nos foram colocadas.

1 – Na rotação obrigatória da empresa de auditoria (não apenas do “partner”) de sete em sete anos

Para além de rejeitarmos a suspeição implícita nesta medida, lembramos que, no concreto, este eventual “excesso de familiaridade” é mitigado ou mesmo eliminado, pelas próprias mudanças ocorridas na Empresa auditada ou na sua estrutura de gestão.

Além disso, na auditoria de entidades de interesse público é normal haver outros "Partners" envolvidos para além do "Partner" responsável, cuja função é rever e validar as principais decisões tomadas, assegurando que o processo cumpre os padrões de qualidade exigidos.

Mas, acima de tudo, o principal argumento em sentido contrário, decorre das consequências da perda do conhecimento detalhado da organização, das suas operações, sistemas e riscos.

Por tudo isto, partilhamos com a maioria dos Estados Membros da EU, e também com os reguladores do mercado norte-americano, a convicção que a rotação obrigatória das firmas de auditoria, longe de contribuir para uma melhoria da qualidade das auditorias, é factor de agravamento de risco.

2 – A proibição da mesma firma acumular a revisão oficial de contas e serviços de consultoria à mesma empresa

Mais uma vez, trata-se de suspeição preventiva, contrária ao espírito das normas adoptadas na EU.

Uma auditoria de qualidade exige o apoio de especialistas em várias áreas (fiscalidade, sistemas, informática, actuários, avaliadores de activos e de empresas, etc., etc.). Na maioria dos casos de empresas de grande dimensão, torna-se igualmente indispensável a participação de especialistas do sector, capazes de identificar e avaliar os riscos próprios da indústria.

É utópico acreditar que é possível dispor desses recursos dentro de uma firma de auditoria. Não pertencendo á actividade “core”, nem reunindo condições para serem ROC´s, esses especialistas ficariam remetidos a uma mera função de suporte, sem acesso aos escalões mais elevados da organização.

A única forma de atrair e reter especialistas qualificados, foi a criação de sociedades de consultoria, onde lhes é possível aspirar a uma carreira sem limites. Mas estas sociedades movem-se num mercado altamente competitivo. Impedi-las de aceder a uma fracção muito significativa do mercado é colocá-las numa situação de grande desvantagem competitiva que muito rapidamente as impedirá de aspirar a uma posição de liderança no mercado.

Qual será o profissional altamente qualificado e, naturalmente, ambicioso quanto aos seus objectivos de carreira, que escolherá trabalhar numa organização que tem vedado 30% ou 40% do mercado, quando pode optar por uma outra sociedade onde tais barreiras não existem?

Perdendo o apoio destes especialistas, a qualidade da auditoria tenderá a concentrar-se apenas nos aspectos contabilísticos, perdendo grande parte da eficácia. Foi esta a conclusão a que se chegou na EU, desde a conhecida Recomendação da Comissão emitida em 25 de Maio de 2002 e prosseguida no texto da 8ª Directiva.



3 – O presidente da CMVM justificou estas medidas com a necessidade de prevenir eventuais conflitos de interesse, resultantes de um eventual “clima de confiança excessivo” entre auditores e gestores auditados. Esse risco coloca-se?

A questão está substancialmente respondida acima. Estas alegadas “necessidades de prevenir” estão muito afastadas dos princípios da liberdade e responsabilização que caracterizam a Europa de hoje.

A discussão travada na União Europeia sobre esta matéria tem praticamente uma década. Basicamente, debateu-se quanto à prevalência de um sistema “principles based” ou “rule based”.

Foi clara a prevalência do primeiro e é isso que está vertido na 8ª Directiva e, por via, disso, na nossa legislação interna.

Surpreendente é que, tendo essa legislação apenas poucos meses de vida, venha agora a CMVM querer alterá-la pela via regulamentar. Nestas circunstâncias, parece poder concluir-se que esta iniciativa se relaciona com as pressões resultantes dos recentes inquéritos e debates parlamentares. Uma legislação reactiva, feita sobre a pressão da conjuntura, não suportada pela pesquisa necessária e, sobretudo, não integrada num todo coerente e harmonioso, baseado em princípios e não em iniciativas isoladas de carácter voluntarista, não será a metodologia mais apropriada à solução dos problemas existentes.

4 – Em 2008, cerca de 38% das receitas da PwC devidas ao seu trabalho junto das empresas do PSI 20 teve origem em outros serviços que não de revisão oficial de contas. Este facto não é susceptível de condicionar a independência do trabalho de auditoria?

Os dados sobre a estrutura das nossas receitas encontram-se disponíveis no Relatório de Transparência relativo a 2008, oportunamente divulgado no nosso site.

Nesse mesmo relatório são descritos os mecanismos de gestão da qualidade e de garantia de independência que adoptamos. Consideramos o conjunto dos procedimentos e sistemas adoptados uma base mais sólida de garantia de qualidade e independência, que invalidam eventuais subjectividades não fundamentadas de vulnerabilidade e considerações de natureza mercantilista, contrárias a uma actuação baseada em princípios.

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