Notícia
CMVM acusada de ceder a pressões dos inquéritos parlamentares
O Negócios questionou as auditoras sobre as propostas apresentadas pela CMVM para mudar a auditoria, que incluiem a rotação obrigatória de auditoras nas empresas em cada sete anos e a incompatibilidade de prestação de outros serviços (por exemplo de consultoria) por quem audita. Veja aqui na íntegra as respostas da PricewaterhouseCoopers, enviadas por escrito.
31 de Julho de 2009 às 13:57
Introdução
As questões suscitadas pelas três primeiras perguntas [do Jornal de Negócios] foram já amplamente analisadas e discutidas nos foruns próprios da União Europeia, no âmbito dos trabalhos preparatórios da 8ª Directiva.
Nesse processo participaram, para além dos representantes do poder politico dos Estados Membros, inúmeros académicos e representantes dos reguladores, dos investidores, das empresas visadas e dos profissionais de auditoria. Foram efectuados vários estudos académicos e “surveys” alargados, bem como diversas consultas publicas.
As soluções encontradas estão plasmadas na 8ª directiva, que viria a ser transposta para o direito interno nacional principalmente através dos Decretos Lei 224/2009 e 225/2009, ambos datados de 20 de Novembro de 2008.
A posição expressa no projecto apresentado pelo Governo à AR e por esta aprovado, foi no sentido de alinhar a posição nacional com a posição largamente maioritária na EU, não usando da faculdade de introduzir variações aos mecanismos previstos na Directiva.
Surge agora a CMVM a propor algumas variações, alegando a necessidade de reforçar a independência do auditor.
Em nosso entender, esta acção voluntarista coloca problemas no plano prático e no plano dos princípios:
» No plano prático, porque se afasta das regras adoptadas por uma vasta maioria dos Estados Membros da EU, o que num mundo cada vez mais globalizado é um passo na direcção errada; como se aplica um requisito nacional num grupo multinacional? Como se controla a independência das “networks” de auditores noutras jurisdições; o que justifica que um mercado de capitais minúsculo como o português, tenha regras diferentes e mais rigorosas do que as existentes em mercados bem mais sofisticados, como os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, etc.?
» No plano dos princípios, porque lança uma suspeição geral sobre a actividade de auditoria, tomando medidas excepcionais de prevenção, em lugar de reforçar a monitorização da qualidade e, quando aplicável, a aplicação de medidas sancionatórias apropriadas. O tipo de medidas propostas não tem paralelo no regime de incompatibilidades de qualquer outra actividade, desde o exercício de funções de carácter politico, regulatório ou de quaisquer outras actividades.
Os eventos recentes, em Portugal e no Mundo, evidenciam a necessidade de melhoria no sistema de controlo das entidades de interesse publico. Essas melhorias distribuem-se por três níveis:
» Legislativo, respondendo a uma clara alteração na percepção pública do peso relativo de cada um dos “stakeholders” das entidades de interesse público;
» Regulatório, respondendo à percepção pública de uma intervenção mais acentuada dos reguladores, o que pode incluir um reforço dos poderes que legalmente lhe são conferidos
» Auditoria, reforçando os mecanismos de controlo da qualidade e, quando aplicável, dos mecanismos sancionatórios quando existam falhas no cumprimento dos padrões de qualidade exigidos.
A relevância e, sobretudo, a forma que assumiu em Portugal a discussão pública de alguns casos de maior notoriedade, colocaram enorme pressão sobre os reguladores. Por isso, a iniciativa reactiva agora adoptada pela CMVM, que face à referida pressão pecará por intempestiva e comprometendo uma reflexão aprofundada que envolva os três níveis acima referidos.
No entretanto, apresentamos de forma sintética a nossa posição relativamente às questões que nos foram colocadas.
1 – Na rotação obrigatória da empresa de auditoria (não apenas do “partner”) de sete em sete anos
Para além de rejeitarmos a suspeição implícita nesta medida, lembramos que, no concreto, este eventual “excesso de familiaridade” é mitigado ou mesmo eliminado, pelas próprias mudanças ocorridas na Empresa auditada ou na sua estrutura de gestão.
Além disso, na auditoria de entidades de interesse público é normal haver outros "Partners" envolvidos para além do "Partner" responsável, cuja função é rever e validar as principais decisões tomadas, assegurando que o processo cumpre os padrões de qualidade exigidos.
Mas, acima de tudo, o principal argumento em sentido contrário, decorre das consequências da perda do conhecimento detalhado da organização, das suas operações, sistemas e riscos.
Por tudo isto, partilhamos com a maioria dos Estados Membros da EU, e também com os reguladores do mercado norte-americano, a convicção que a rotação obrigatória das firmas de auditoria, longe de contribuir para uma melhoria da qualidade das auditorias, é factor de agravamento de risco.
2 – A proibição da mesma firma acumular a revisão oficial de contas e serviços de consultoria à mesma empresa
Mais uma vez, trata-se de suspeição preventiva, contrária ao espírito das normas adoptadas na EU.
Uma auditoria de qualidade exige o apoio de especialistas em várias áreas (fiscalidade, sistemas, informática, actuários, avaliadores de activos e de empresas, etc., etc.). Na maioria dos casos de empresas de grande dimensão, torna-se igualmente indispensável a participação de especialistas do sector, capazes de identificar e avaliar os riscos próprios da indústria.
É utópico acreditar que é possível dispor desses recursos dentro de uma firma de auditoria. Não pertencendo á actividade “core”, nem reunindo condições para serem ROC´s, esses especialistas ficariam remetidos a uma mera função de suporte, sem acesso aos escalões mais elevados da organização.
A única forma de atrair e reter especialistas qualificados, foi a criação de sociedades de consultoria, onde lhes é possível aspirar a uma carreira sem limites. Mas estas sociedades movem-se num mercado altamente competitivo. Impedi-las de aceder a uma fracção muito significativa do mercado é colocá-las numa situação de grande desvantagem competitiva que muito rapidamente as impedirá de aspirar a uma posição de liderança no mercado.
Qual será o profissional altamente qualificado e, naturalmente, ambicioso quanto aos seus objectivos de carreira, que escolherá trabalhar numa organização que tem vedado 30% ou 40% do mercado, quando pode optar por uma outra sociedade onde tais barreiras não existem?
Perdendo o apoio destes especialistas, a qualidade da auditoria tenderá a concentrar-se apenas nos aspectos contabilísticos, perdendo grande parte da eficácia. Foi esta a conclusão a que se chegou na EU, desde a conhecida Recomendação da Comissão emitida em 25 de Maio de 2002 e prosseguida no texto da 8ª Directiva.
3 – O presidente da CMVM justificou estas medidas com a necessidade de prevenir eventuais conflitos de interesse, resultantes de um eventual “clima de confiança excessivo” entre auditores e gestores auditados. Esse risco coloca-se?
A questão está substancialmente respondida acima. Estas alegadas “necessidades de prevenir” estão muito afastadas dos princípios da liberdade e responsabilização que caracterizam a Europa de hoje.
A discussão travada na União Europeia sobre esta matéria tem praticamente uma década. Basicamente, debateu-se quanto à prevalência de um sistema “principles based” ou “rule based”.
Foi clara a prevalência do primeiro e é isso que está vertido na 8ª Directiva e, por via, disso, na nossa legislação interna.
Surpreendente é que, tendo essa legislação apenas poucos meses de vida, venha agora a CMVM querer alterá-la pela via regulamentar. Nestas circunstâncias, parece poder concluir-se que esta iniciativa se relaciona com as pressões resultantes dos recentes inquéritos e debates parlamentares. Uma legislação reactiva, feita sobre a pressão da conjuntura, não suportada pela pesquisa necessária e, sobretudo, não integrada num todo coerente e harmonioso, baseado em princípios e não em iniciativas isoladas de carácter voluntarista, não será a metodologia mais apropriada à solução dos problemas existentes.
4 – Em 2008, cerca de 38% das receitas da PwC devidas ao seu trabalho junto das empresas do PSI 20 teve origem em outros serviços que não de revisão oficial de contas. Este facto não é susceptível de condicionar a independência do trabalho de auditoria?
Os dados sobre a estrutura das nossas receitas encontram-se disponíveis no Relatório de Transparência relativo a 2008, oportunamente divulgado no nosso site.
Nesse mesmo relatório são descritos os mecanismos de gestão da qualidade e de garantia de independência que adoptamos. Consideramos o conjunto dos procedimentos e sistemas adoptados uma base mais sólida de garantia de qualidade e independência, que invalidam eventuais subjectividades não fundamentadas de vulnerabilidade e considerações de natureza mercantilista, contrárias a uma actuação baseada em princípios.
As questões suscitadas pelas três primeiras perguntas [do Jornal de Negócios] foram já amplamente analisadas e discutidas nos foruns próprios da União Europeia, no âmbito dos trabalhos preparatórios da 8ª Directiva.
As soluções encontradas estão plasmadas na 8ª directiva, que viria a ser transposta para o direito interno nacional principalmente através dos Decretos Lei 224/2009 e 225/2009, ambos datados de 20 de Novembro de 2008.
A posição expressa no projecto apresentado pelo Governo à AR e por esta aprovado, foi no sentido de alinhar a posição nacional com a posição largamente maioritária na EU, não usando da faculdade de introduzir variações aos mecanismos previstos na Directiva.
Surge agora a CMVM a propor algumas variações, alegando a necessidade de reforçar a independência do auditor.
Em nosso entender, esta acção voluntarista coloca problemas no plano prático e no plano dos princípios:
» No plano prático, porque se afasta das regras adoptadas por uma vasta maioria dos Estados Membros da EU, o que num mundo cada vez mais globalizado é um passo na direcção errada; como se aplica um requisito nacional num grupo multinacional? Como se controla a independência das “networks” de auditores noutras jurisdições; o que justifica que um mercado de capitais minúsculo como o português, tenha regras diferentes e mais rigorosas do que as existentes em mercados bem mais sofisticados, como os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, etc.?
» No plano dos princípios, porque lança uma suspeição geral sobre a actividade de auditoria, tomando medidas excepcionais de prevenção, em lugar de reforçar a monitorização da qualidade e, quando aplicável, a aplicação de medidas sancionatórias apropriadas. O tipo de medidas propostas não tem paralelo no regime de incompatibilidades de qualquer outra actividade, desde o exercício de funções de carácter politico, regulatório ou de quaisquer outras actividades.
Os eventos recentes, em Portugal e no Mundo, evidenciam a necessidade de melhoria no sistema de controlo das entidades de interesse publico. Essas melhorias distribuem-se por três níveis:
» Legislativo, respondendo a uma clara alteração na percepção pública do peso relativo de cada um dos “stakeholders” das entidades de interesse público;
» Regulatório, respondendo à percepção pública de uma intervenção mais acentuada dos reguladores, o que pode incluir um reforço dos poderes que legalmente lhe são conferidos
» Auditoria, reforçando os mecanismos de controlo da qualidade e, quando aplicável, dos mecanismos sancionatórios quando existam falhas no cumprimento dos padrões de qualidade exigidos.
A relevância e, sobretudo, a forma que assumiu em Portugal a discussão pública de alguns casos de maior notoriedade, colocaram enorme pressão sobre os reguladores. Por isso, a iniciativa reactiva agora adoptada pela CMVM, que face à referida pressão pecará por intempestiva e comprometendo uma reflexão aprofundada que envolva os três níveis acima referidos.
No entretanto, apresentamos de forma sintética a nossa posição relativamente às questões que nos foram colocadas.
1 – Na rotação obrigatória da empresa de auditoria (não apenas do “partner”) de sete em sete anos
Para além de rejeitarmos a suspeição implícita nesta medida, lembramos que, no concreto, este eventual “excesso de familiaridade” é mitigado ou mesmo eliminado, pelas próprias mudanças ocorridas na Empresa auditada ou na sua estrutura de gestão.
Além disso, na auditoria de entidades de interesse público é normal haver outros "Partners" envolvidos para além do "Partner" responsável, cuja função é rever e validar as principais decisões tomadas, assegurando que o processo cumpre os padrões de qualidade exigidos.
Mas, acima de tudo, o principal argumento em sentido contrário, decorre das consequências da perda do conhecimento detalhado da organização, das suas operações, sistemas e riscos.
Por tudo isto, partilhamos com a maioria dos Estados Membros da EU, e também com os reguladores do mercado norte-americano, a convicção que a rotação obrigatória das firmas de auditoria, longe de contribuir para uma melhoria da qualidade das auditorias, é factor de agravamento de risco.
2 – A proibição da mesma firma acumular a revisão oficial de contas e serviços de consultoria à mesma empresa
Mais uma vez, trata-se de suspeição preventiva, contrária ao espírito das normas adoptadas na EU.
Uma auditoria de qualidade exige o apoio de especialistas em várias áreas (fiscalidade, sistemas, informática, actuários, avaliadores de activos e de empresas, etc., etc.). Na maioria dos casos de empresas de grande dimensão, torna-se igualmente indispensável a participação de especialistas do sector, capazes de identificar e avaliar os riscos próprios da indústria.
É utópico acreditar que é possível dispor desses recursos dentro de uma firma de auditoria. Não pertencendo á actividade “core”, nem reunindo condições para serem ROC´s, esses especialistas ficariam remetidos a uma mera função de suporte, sem acesso aos escalões mais elevados da organização.
A única forma de atrair e reter especialistas qualificados, foi a criação de sociedades de consultoria, onde lhes é possível aspirar a uma carreira sem limites. Mas estas sociedades movem-se num mercado altamente competitivo. Impedi-las de aceder a uma fracção muito significativa do mercado é colocá-las numa situação de grande desvantagem competitiva que muito rapidamente as impedirá de aspirar a uma posição de liderança no mercado.
Qual será o profissional altamente qualificado e, naturalmente, ambicioso quanto aos seus objectivos de carreira, que escolherá trabalhar numa organização que tem vedado 30% ou 40% do mercado, quando pode optar por uma outra sociedade onde tais barreiras não existem?
Perdendo o apoio destes especialistas, a qualidade da auditoria tenderá a concentrar-se apenas nos aspectos contabilísticos, perdendo grande parte da eficácia. Foi esta a conclusão a que se chegou na EU, desde a conhecida Recomendação da Comissão emitida em 25 de Maio de 2002 e prosseguida no texto da 8ª Directiva.
3 – O presidente da CMVM justificou estas medidas com a necessidade de prevenir eventuais conflitos de interesse, resultantes de um eventual “clima de confiança excessivo” entre auditores e gestores auditados. Esse risco coloca-se?
A questão está substancialmente respondida acima. Estas alegadas “necessidades de prevenir” estão muito afastadas dos princípios da liberdade e responsabilização que caracterizam a Europa de hoje.
A discussão travada na União Europeia sobre esta matéria tem praticamente uma década. Basicamente, debateu-se quanto à prevalência de um sistema “principles based” ou “rule based”.
Foi clara a prevalência do primeiro e é isso que está vertido na 8ª Directiva e, por via, disso, na nossa legislação interna.
Surpreendente é que, tendo essa legislação apenas poucos meses de vida, venha agora a CMVM querer alterá-la pela via regulamentar. Nestas circunstâncias, parece poder concluir-se que esta iniciativa se relaciona com as pressões resultantes dos recentes inquéritos e debates parlamentares. Uma legislação reactiva, feita sobre a pressão da conjuntura, não suportada pela pesquisa necessária e, sobretudo, não integrada num todo coerente e harmonioso, baseado em princípios e não em iniciativas isoladas de carácter voluntarista, não será a metodologia mais apropriada à solução dos problemas existentes.
4 – Em 2008, cerca de 38% das receitas da PwC devidas ao seu trabalho junto das empresas do PSI 20 teve origem em outros serviços que não de revisão oficial de contas. Este facto não é susceptível de condicionar a independência do trabalho de auditoria?
Os dados sobre a estrutura das nossas receitas encontram-se disponíveis no Relatório de Transparência relativo a 2008, oportunamente divulgado no nosso site.
Nesse mesmo relatório são descritos os mecanismos de gestão da qualidade e de garantia de independência que adoptamos. Consideramos o conjunto dos procedimentos e sistemas adoptados uma base mais sólida de garantia de qualidade e independência, que invalidam eventuais subjectividades não fundamentadas de vulnerabilidade e considerações de natureza mercantilista, contrárias a uma actuação baseada em princípios.