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Cirque du Soleil em vias de aceitar oferta dos credores para uma recapitalização

O Cirque du Soleil Entertainment Group, que está em processo de reestruturação, deverá aceitar uma oferta de recapitalização por parte de um grupo de credores.

15 de Julho de 2020 às 01:51
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A companhia canadiana de artes circenses Cirque du Soleil anunciou em finais do mês passado que, devido às dificuldades financeiras que atravessava – agravadas pela pandemia de covid-19 –, tinha decidido avançar com um pedido de proteção contra credores, ao abrigo da lei de falências do Canadá.

 

O pedido deu entrada no tribunal superior do Quebeque e é lá que o plano de reestruturação da empresa tem estado a ser analisado.


Esta terça-feira, 14 de julho, a Bloomberg avançou, citando fontes conhecedoras do processo, que o Cirque du Soleil Entertainment Group deverá aceitar a oferta de recapitalização feita por um grupo de credores.

 

O comité ad hoc de credores, que representa os titulares de cerca de 760 milhões de dólares de dívida do Cirque, têm estado a preparar uma "oferta de crédito" que visa que os credores injetem pelo menos 300 milhões de dólares de novo capital na empresa, de modo a que esta possa recomeçar os seus espectáculos.

 

O Cirque du Soleil tem trazido nos últimos anos muitos dos seus espetáculos a Portugal, atuando normalmente entre finais de dezembro e inícios de janeiro.

 

A oferta deste grupo de credores será formalmente apresentada, ainda esta noite, a um comité do conselho de administração do Cirque, comentaram à Bloomberg as mesmas fontes.

 

A proposta, se aceite, deixará os credores de dívida garantida – a quem a empresa devia mais de 900 milhões de dólares a 31 de março – com praticamente todo o capital.

 

Esta oferta, no caso de avançar, substituirá uma oferta "stalking horse" (expressão usada para descrever o investidor que faz a primeira licitação e tem o direito de cobrir eventuais novas propostas no leilão que se realiza no futuro; acaba por ser um teste ao mercado para apuramento do interesse nos bens em questão) feita em junho pelos acionistas TPG, Fosun e Caisse de Dépôt et Placement du Québec.

 

Se for aprovada pelo comité do "board" do Cirque, a oferta dos credores seguirá a 17 de julho para avaliação no tribunal.

 

Um caso de estudo

 

O Cirque du Soleil tem sido sucessivamente apontado como um exemplo de empreendedorismo e inovação em obras recentes. É citado, por exemplo, nos livros "A estratégia Oceano Azul", de W. Chan Kim e Renée Mauborgne e "Mavericks at work ", de Polly LaBarre e William C. Taylor.

 

"Criado como um grupo de artistas de rua em 1984, o Cirque tornou-se uma marca de entretenimento global. A ascensão do Cirque já foi aclamada em incontáveis perfis empresariais publicados em revistas de economia, num extenso ensaio da Harvard Business Review e até em casos de estudo apresentados por professores dos dois lados do Atlântico nos cursos de MBA", refere "Mavericks at work".

 

O fascínio é fácil de compreender. O fundador do Cirque, Guy Laliberté, criou um negócio fabulosamente bem sucedido ao reinventar o próprio conceito de circo, dizem Polly LaBarre e William C. Taylor. "Não há dúvida de que o Cirque foi pioneiro numa estratégia de negócio verdadeiramente original. Mas você não conseguirá compreender o desempenho de negócio desta empresa se não compreender a sua abordagem junto dos próprios artistas. Os seus espectáculos transformaram-se em obras de arte magistrais, em larga medida porque o Cirque dominou a arte e a ciência de pesquisar, avaliar e recrutar o mais atractivo talento disponível. Estabelece uma ligação explícita entre as pessoas que atrai e o produto que oferece, entre a forma como faz negócio e quem convida para fazer parte desse negócio".

 

No Cirque, ir à procura - antes de ser necessário - implica projectar uma larga teia, refere "Mavericks at work". Os membros do departamento de casting percorrem o mundo, sem descanso, à procura de artistas empolgantes e invulgares. Fazem entre 20 e 40 viagens por ano para destinos tão diversos como os ginásios da Europa de Leste, as favelas do Brasil e os yurts da Mongólia. Também assistem a uma variedade incrível de competições desportivas, sem perderem festivais de artes dramáticas e eventos culturais, nem visitas a escolas de circo.

 

Em "A Estratégia Oceano Azul", que defende que se deve desbravar terreno inovador em vez de se tentar ultrapassar a concorrência, o primeiro capítulo é dedicado ao Cirque du Soleil. "Guy Laliberté já tocou acordeão, fez equilibrismo sobre andas e cuspiu fogo. Actualmente é o presidente executivo do Cirque du Soleil, uma das maiores exportações culturais do Canadá. Criado em 1984 por um grupo de artistas de rua (...), o Cirque du Soleil atingiu um nível de receitas que demorou mais de um século a ser alcançado pelo campeão mundial da indústria circense, o Ringling Bros. and Barnum & Bailey", dizem os autores.

 

O Cirque du Soleil não concorreu com o Ringling Bros. and Barnum & Bailey. "Em vez disso, criou um novo espaço de mercado não disputado que tornou a concorrência irrelevante" e atraiu um grupo completamente novo de visitantes: "adultos e clientes corporativos preparados para pagar um preço muito acima do praticado nos circos tradicionais, a troco de uma experiência lúdica sem precedentes".

 

E alcançou sucesso porque os seus responsáveis perceberam que as empresas, para terem um futuro bem sucedido, devem parar de competir umas com as outras. A única forma de bater a concorrência é deixar de tentar bater a concorrência, salientam os autores.

 

Ao derrubar as barreiras do mercado teatral e circense, o Cirque du Soleil passou a compreender melhor não apenas os clientes do circo mas também aqueles que não eram visita habitual: os adultos que iam ao teatro.

 

Ao contrário dos espectáculos circenses tradicionais, com uma série de números não interligados, cada criação do Cirque du Soleil obedece a um tema e enredo, assemelhando-se de alguma forma a uma apresentação teatral.

 

Os espectáculos do Cirque também apresentam danças abstractas e espirituais, uma ideia que provém do teatro e do ballet.

 

Ao introduzir estes novos elementos, o Cirque du Soleil criou espectáculos mais sofisticados. A companhia fixou os preços dos seus bilhetes tendo como referência estratégica os preços praticados no teatro, aumentando-os fortemente face aos da indústria circense. Assim, estabelece o preço das suas produções com vista a captar os adultos habituados aos preços praticados no teatro.

 

"Será que o Cirque du Soleil é realmente um circo, depois de ter eliminado, reduzido, incrementado e criado tantas coisas? Ou será um teatro? E se for um teatro, de que género será? Será um espectáculo da Broadway, uma ópera, um ballet? Isso é algo que não está claro. O Cirque du Soleil reconstruiu elementos pertencentes a todas estas alternativas, por isso acaba por ser simultaneamente um pouco de tudo mas também não chega a ser nada disso na íntegra", sublinham Polly LaBarre e William C. Taylor na sua obra.

 

Agora, a braços com uma dívida que quase chega aos mil milhões de dólares, resta ver se o Cirque sobreviverá à sua prova mais dura.

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