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Trabalhadores da construção vivem pesadelo no deserto saudita

O sector da construção "colapsou" no reino da Arábia Saudita. As construtoras não pagam e mantêm os seus trabalhadores em "campos" no deserto, onde a custo chega água, alimentação e medicamentos. Não são pagos há muitos meses. E não podem sair sem um visto. Esse visto só pode ser concedido pelas empresas depois de lhes pagarem os salários em atraso. Estão emboscados, a viver um pesadelo.

Foi um dos segredos divulgados esta semana. Os EUA, ao abrigo da Lei de Liberdade de Informação, revelaram o montante investido pela Arábia Saudita em obrigações do Tesouro dos EUA. Riade tinha 116,8 mil milhões de dólares aplicados no final de Março, mais 14 mil milhões que no mesmo mês de 2015. Apesar de estar entre os maiores credores, o valor ficou abaixo do que muitos estimavam.
Negócios 10 de Agosto de 2016 às 03:36
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"Primeiro, não recebiam salário. Depois deixaram de ter trabalho. Durante algum tempo, nem comida havia nestes campos de betão armado onde foram abandonados para viverem sob o calor abrasador do deserto saudita. Os medicamentos acabaram há dois meses". É assim que a Bloomberg inicia o relato do pesadelo vivido por trabalhadores da construção, "apanhados na armadilha" do estoiro da bolha do sector na Arábia Saudita.

 

A desaceleração económica no reino saudita acabou por levar a um atraso no pagamento aos fornecedores do sector da construção, que por sua vez começaram a não pagar aos seus trabalhadores. E são milhares, sublinha a Bloomberg. Sobretudo do sul da Ásia.

 

E o pior é que não sabem durante quanto tempo mais é que terão de aguentar esta situação. "Não nos dão quaisquer repostas sobre os nossos salários", comentou à Bloomberg um operário de tubagens do Bangladesh, Mohammed Salahaldeen, que está num campo em Riade criado pela construtora Saudi Oger. "Assim que me paguem os salários", vou-me embora", acrescentou.

 

As autoridades sauditas estão a cortar nos gastos e a adiarem os pagamentos aos empreiteiros para lidarem com a forte queda dos preços do crude – e sublinhe-se que este país é o que mais finca-pé tem feito junto da Organização dos Países Exportadores de Petróleo para não se cortar na quota de produção do cartel [isso ajudaria a fazer subir os preços e a aliviar os Estados-membros cujas receitas dependem grandemente desta matéria-prima, mas também ajudaria os EUA a manterem com mais à vontade a sua prospecção a partir do xisto betuminoso, que é dispendiosa e muito mais complicada de realizar se os preços estiverem baixos – e isso não agrada aos sauditas] – pelo que esta "austeridade" está a exacerbar os apuros do sector privado.

 

Os trabalhadores "abandonados", como lhes chama a Bloomberg, não vêem um cheque há cerca de oito meses. Destes, cerca de 16.000 provêm da Índia e do Paquistão, segundo os dados disponibilizados pelos seus governos. Há ainda muitos outros nesta situação, oriundos do Sri Lanka, Bangladesh e Filipinas.

 

"Integrados num sistema de patrocínio conhecido como ‘kafala’, isso deixa muitos trabalhadores à mercê dos seus empregadores, já que não podem receber os vistos de saída necessários para abandonarem o país", explica a Bloomberg.

 

Com efeito, na Arábia Saudita, cabe às entidades patronais obterem esses vistos, mas antes de o fazerem terão de pagar os salários em atraso e os prémios devidos, acrescenta a agência, salientando que nem a Saudi Oger nem a Saudi BinLadin responderam às tentativas de contacto.

 

Por decreto do rei Salman, os trabalhadores que ali permanecem terão direito a alimentação e serviços médicos. E entretanto o Ministério saudita do Trabalho, num compromisso de salvaguarda dos direitos e da resolução dos problemas destes funcionários, anunciou na segunda-feira que, excepcionalmente, estes vão poder obter vistos de saída directamente emitidos pelo Estado.

 

As condições em que estes trabalhadores se encontram são miseráveis, reporta ainda a Bloomberg, aludindo a um cheiro fétido e a um espaço muito apertado e desconfortável. Em cada exíguo quarto de cimento, dormem oito trabalhadores. E partilham as casas de banho, extremamente sujas, com gatos assilvestrados. As temperaturas rondam os 50 graus Celsius no Verão e a electricidade que alimenta os ares condicionados vai frequentemente abaixo.

 

Além disso, os medicamentos escasseiam. Mohammed Khan, um enfermeiro indiano de 45 anos, que se encontra no campo da Saudi Oger, tem a seu cargo doentes que sofrem de hipertensão, diabetes e colesterol elevado, mas enfrenta dificuldades em realizar o seu trabalho, uma vez que a medicação vai acabando. "Eles não podem ir a um hospital porque já não têm seguro. E também não têm dinheiro", explicou à Bloomberg. Os trabalhadores confirmam que a Saudi Oger deixou de pagar as suas apólices de seguro médico.

 

Nasser Abdul Manaf, que está num campo perto de Diriyah, contou que a Saudi Oger durante três dias não forneceu comida. A sua situação está tão má que foi obrigado a retirar os seus filhos da escolha, em Hyderabad, na Índia. Já não pode pagar-lhes a educação. E já deve seis meses de renda (90 dólares por mês) do apartamento da sua família, pelo que o senhorio quer despejá-los. "Mas eles não têm para onde ir", diz Manaf, de 46 anos. "Terão de ir viver para a rua".

Os contratos de construção na Arábia Saudita diminuíram cerca de 65% no segundo trimestre, face ao período homólogo do ano passado, de acordo com os dados do National Commercial Bank. E o índice sectorial da construção no reino saudita - Tadawul All Share Building & Construction Index - já afundou 37% ao longo do último ano, mais do que o índice bolsista de referência. 

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