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Violação da Concorrência – A Lei Nacional

Como nota introdutória gostaria de referir que este artigo tinha sido pensado para abordar a problemática das multas aplicadas a empresas, em Portugal, em virtude da violação das regras nacionais de concorrência.

13 de Outubro de 2005 às 13:05
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Como nota introdutória gostaria de referir que este artigo tinha sido pensado para abordar a problemática das multas aplicadas a empresas, em Portugal, em virtude da violação das regras nacionais de concorrência. Contudo, outros colaboradores desta página abordaram recentemente este tema. Decidi, por isso, escrever sobre um problema, porventura mais complicado, mas sobre o qual penso ser importante reflectir e que sempre me despertou particular curiosidade. Antes, porém, gostaria de dizer que constato, com agrado, que em Portugal começa a ser difícil manter tabelados os preços de quase todas as consultas em diferentes consultórios, bem como enviar contas de telefone aos clientes das respectivas empresas, que não tenham um mínimo de detalhe. As multas podem não ser tão espectaculares como as europeias, em termos de montantes, mas ao questionarem comportamentos enraizados na sociedade portuguesa, prometem dinamizar o processo de mudança. Há que ficar atento !

A Lei (portuguesa) da concorrência, que tem o número 18/2003 de 11 de Junho, decalca aquilo que se foi consolidando durante cinquenta anos a nível comunitário e transpõe, na medida do possível, esse acervo para o ordenamento português.

Um acto do Governo que precedeu essa Lei, o Decreto-Lei 10/2003 de 18 de Janeiro, criou, para Portugal, uma autoridade reguladora independente, à imagem e semelhança da Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia.

Longe de consubstanciar um acto neutro, ou até de importação copy-cat dentro do contexto recorrente de circulação de modelos jurídicos, os Autores do presente enquadramento português, inseriram-lhe algumas disposições atrevidas, que emprestam à legislação lusa de 2003 um cunho deveras interessante.

O Artigo 34º - Os Particulares, A Autoridade (da Concorrência) e O Ministro.

A singularidade portuguesa neste âmbito sobressai desde logo no artigo 34º dos Estatutos da Autoridade da Concorrência (AdC) que o Decreto-Lei 10/2003 aprovou. O mesmo cria, para além dos demais recursos postos à disposição dos particulares, contra as Decisões da AdC, um recurso extrordinário.

Dispõe o nº1 do artigo 34º que «o membro do Governo responsável pela área da Economia, pode, mediante decisão fundamentada, autorizar uma operação de concentração proibida mediante decisão da Autoridade (AdC), quando o benefícios dela resultantes para a prossecução de interesses fundamentais da economia nacional superem as desvantagens para a concorrência inerentes à sua realização». Dito de outra forma, numa pincelada de 49 palavras lança-se a confusão generalizada entre o papel a desempenhar relativamente à concorrência no mercado, pelo Ministro da Economia e pelo Presidente da Autoridade. Tudo porque embora o primeiro não possa demitir o segundo, pode - assim quis a Lei - reduzi-lo de Presidente da Autoridade a presidente Desautorizado. Não é muito encorajador!

A redacção do artigo 34º professa (muitíssima) fé na habilidade diplomática do Ministro da Economia (esperemos que na véspera, à noite, telefone ao Presidente da AdC), na capacidade de persuassão do Ministro da Economia (que saiba explicar ao Mundo em Geral, e aos portugueses em particular, a razão pela qual certos benefícios justificam que se ponham de parte os princípios da concorrência) e na independência do Ministro da Economia (que, com certeza, vai dar sinais inequívocos aos lobbies que este recurso extraordinário só tutela quem tenha algo de realmente BOM a oferecer ao País). Por estas três razões o artigo 34º é louvável. Contudo, não bastam estas três razões para disfarçar a «monumental machadada» assim desferida ao Presidente de uma Autoridade para a Concorrência, que se quer Independente.

Bem sei, bem sei, que esta figura de recurso extraordinário foi "importada" do sistema alemão. Mas contra-argumento que o sistema alemão é testemunho de riquíssima, continuada e viva democracia comportamental das instituições. É um sistema no qual o contencioso da concorrência está há muito entregue, e em exclusivo, ao Bundeskartellamt, um dos tribunais adstritos a garantir a concorrência no mercado, mais prestigiados do planeta. O prestígio, e o património dessa judicatura nunca deixam de enquadrar as acções (ordinárias e extraordinárias) dos demais intervenientes no jogo: dos particulares, das autoridades reguladoras e dos Ministros.

Não se pode exigir o mesmo ao Tribunal do Comércio. Nem se pode dizer (simplesmente) que também temos um Tribunal para a concorrência. Este nosso Tribunal (que desnvolve um trabalho notável) só muito recentemente pôde chamar a sí todas as contendas relativas ao equilíbrio do mercado, e por isso (só por isso) não tem (ainda) historial de ascendência forte sobre o Governo em matéria de Regulação.

Interesses Fundamentais da Economia Nacional

Afastar as regras da concorrência em prol de interesses fundamentais da Economia NACIONAL, é difícil. Por um lado (eu acredito que) seria melhor assegurar, face a essas circunstâncias excepcionais, uma Aliança (conceptual, para desvendar em que consistem, afinal, os melhores interesses do País) entre o Ministro da Economia e o Presidente da AdC. O Presidente de uma AdC não é um autómato, desprovido de discernimento sobre a necessária, e permanente, contemporização entre vantagens da concorrência no mercado nacional e os «interesses fundamentais da Economia Nacional». Se realmente a excepção é fundamental, e não tem efeitos supranacionais, convença o Presidente da AdC Sr. Ministro, não o desautorize! Ou não bastasse a Europa do lado de lá, ao fiscalizar os apoios indevidos do Estado às empresas nacionais, a poder fazê-lo.

Alguém tem dúvidas? Sabem o que é um DAWN RAID? Não é certamente o título de um filme de acção a estrear este Outono; é uma RUSGA AO AMANHECER, real, protagonizada pela Autoridade da Concorrência, pela Comissão Europeia, ou por ambas, às empresas.

Pela importância que se reconhece à tutela da concorrência, as autoridades a isso adstritas podem entrar de rompante – a horas impróprias «para consumo» e ignorando os « berros» do porteiro - pelas instalações de empresas e levar, fotocopiar, bem como fazer downloads de documentos. Podem exigir a quem (desgraçado!) lá se encontrar, informações sobre as actividades da empresa, e se ainda não estiverem contentes podem SELAR as instalações da empresa para procurar elementos à vontade. Podem vasculhar o rol das comunicações efectuadas, podem revistar as casas principais, de férias, procurar nos iates e nas cabanas remotas dos administradores, ou até em casas possuídas a meias com «primos» , se existirem suspeitas fundadas de que lá se encontram documentos comprometedores. Podem, verificados certos pressupostos, abrir comunicações escritas, confidênciais, entre a empresa e os próprios juristas. Para este ultimo caso criou-se a distinção (que serve especialmente as autoridades) de in-house lawyer e non in-house lawyer consoante a ligação entre advogado e empresa seja mais ou menos estreita e mais ou menos continuada.
 
Por todas estas razões a existência do artigo 34º, não só é extraordinária, mas verdadeiramente exótica. Uma vez que o Presidente da AdC tem à própria disposição os instrumentos de investigação que descrevemos, presume-se, que quando uma concentração entre empresas não é autorizada pela AdC, ela não só é anti- concorrêncial, mas também potencialmente nefasta para o mercado. Poder dizer-se que o que é anti-concorrêncial, afinal é fundamental para o mercado e que o Presidente da AdC, aparentemente não sabia que isso era assim , leva-me a pensar que em vez de ter tirado Direito devia ter ido para Economia, a fim de conseguir ver o mundo sob essa perspectiva. Ou não?

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