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S. Martinho traz castanhas menos boas e mais caras (e a culpa é dos fungos)
Dirigente da RefCast - associação que representa mais de 80% da fileira - recomenda aos apreciadores do fruto típico de outono que guardem as castanhas no frigorífico para que fungo que pode levar a apodrecê-las no pós-colheita se mantenha dormente.
Está oficialmente aberta a época das castanhas com a chegada de 11 de novembro. E neste São Martinho até podem chegar "quentes", mas certamente "menos boas" e também "mais caras" do que no ano passado.
A razão? Há e não há castanhas. Contraditório? Vamos por partes. A produção de castanha até deve registar um aumento na ordem dos 15% face ao ano anterior à luz das projeções do Instituto Nacional de Estatística (INE) que, na perspetiva do dirigente da RefCast - Associação Portuguesa da Castanha, "não devem andar muito longe da realidade". É, no entanto, preciso ter em conta que a campanha anterior foi "terrível" com "uma quebra na ordem dos 50 a 60% face ao normal".
As estimativas apontam assim para uma colheita de entre 20 a 25 mil toneladas, ou seja, muito abaixo do "recorde" de 2019 - de 44 mil toneladas - que, ainda em setembro, havia expectativa de alcançar. "Achávamos que íamos atingir o recorde, mas eis senão quando desaba-se o mundo sobre o setor", diz José Gomes Laranjo, em declarações ao Negócios.
Dois fungos, em particular um, "trocaram as voltas" nos soutos, fazendo com que, apesar de haver mais castanhas do que na campanha passada, haja menos disponível no mercado, porque uma parte considerável tem seguido para refugo. Depois, muita da que existe nas prateleiras corre o risco de chegar podre ao consumidor, apesar da boa aparência, "sem que haja má-fé de ninguém", indica o também investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.
A septoriose do castanheiro foi um dos responsáveis, alimentado pelas condições meteorológicas que se fizeram sentir nas vésperas da apanha. "A precipitação em setembro acima do normal, associada a um mês muito quente, desencadeou o ataque deste fungo que, basicamente, leva a uma amadurecimento antecipado da folhagem, dando um 'sinal' às árvores de que estão no fim da maturação, o que provoca a queda dos ouriços". Como consequência, em muitas regiões, como em Valpaços, foram registadas perdas acentuadas dado que o fruto ainda estava em desenvolvimento.
Mas a quebra na oferta - sobretudo se comparada com ano normal - deve-se sobretudo a "um problema que vem detrás", que remonta à fase da floração, porém indectável a olho nu, explica José Gomes Laranjo. Esse problema chama-se "phomopsis". "Trata-se de um fungo que já tinha a contaminado a castanha e estava no seu interior, mas dormente, o qual se desenvolveu depois no pós-colheita, quando exposta ao calor, provocando a sua podridão", explica José Gomes Laranjo.
Resumindo: "a castanha pode ter sido apanhada sem qualquer problema, mas do frio do souto para o quente dos armazéns ou das despesas das nossas casas o fungo 'acordou'".
Essa é a razão pela qual o dirigente da RefCast - associação que representa mais de 80% da fileira (entre produtores, industriais, incluindo ainda instituições académicas e municípios) - deixa uma recomendação aos apreciadores do fruto típico de outono: "As castanhas devem ser guardadas no frigorífico, porque a temperatura baixa é importante para manter o fungo dormente".
Este fungo "não se nota por fora" pelo que desde que a castanha sai do souto até que chega às prateleiras dos supermercados não é possível saber se está ou não contaminada, pelo que "é com muito desgosto que vemos muitos consumidores a queixarem-se de que compraram castanhas que, por dentro, estão podres. E com razão, mas sem que haja má-fé de ninguém".
Perda de produção significa perda de rendimentos
Comparando então com um ano dito "normal" a quebra de produção será "muito acentuada", na ordem dos 50 a 60%, com respetivo reflexo nos rendimentos de quem se dedica ao cultivo da castanha. "Menos 25 mil toneladas vai resultar em prejuízos na ordem dos 50 milhões de euros", considerando o pagamento aos produtores de 2 euros por kg, em termos médios, assinala.
Este ano, o preço pago ao produtor está na casa dos 1,5 euros por kg, com este problema a ser tido em conta na formação do preço, já que "grande percentagem vai para refugo", o que faz logo baixar o valor.
Embora seja difícil separar o trigo do joio, como diz o adágio popular, a indústria tem sistemas de controlo de inativação do fungo, explica José Gomes Laranjo, indicando que esta separa, no processo de rastreio, "30 ou 40% em termos médios dos lotes".
O dirigente da RefCast dá um exemplo concreto: "Se comprar uma tonelada, 40% é refugo ficam 600 kg de castanha e destes, dependendo dos lotes, em termos médios, 300 kg são de calibre comercializável e outros tantos vão para a indústria". Assim, contas por alto, "isto pode levar a que a castanha à saída da indústria tenha preços de 2 a 4 euros, aumentando depois entre a indústria e a distribuição até chegar ao consumidor".
Uma pesquisa rápida pelas principais superfícies mostra que um kg de castanhas custa entre 4,49 euros e 9,99 euros, dependendo do calibre e das marcas e/ou origens. José Gomes Laranjo atesta que "há efetivamente um aumento face ao ano passado", embora ressalvando que "não é muito acentuado".
Preço justo
Este ano a castanha depara-se com este "problema novo", mas o preço a que é vendido ao consumidor tem vindo a ser foco de preocupação. "A castanha é das frutas mais caras . Não pode ser", afirma o dirigente da RefCast.
"No meio das apertadas margens da produção e da indústria aquelas que poderão ser as da distribuição deixa alguma questão. Não estamos contentes com este preço", diz, apontando que, agora, com a agravante deste "problema" na qualidade traz outras consequências: "Corremos o risco de ver o consumidor a afastar-se, por estar descontente, o que não é bom para ninguém e abre a porta nomeadamente à perda de hábito de consumo, o que é inadmissível para um produto nacional como a castanha", lamenta o mesmo responsável.
Em Portugal, 98% da castanha nacional produz-se a norte do Tejo, fundamentalmente na região interior, centro e norte do país, com especial incidência em Trás-os-Montes, onde se destacam os concelhos de Bragança, Vinhais e Valpaços.