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Fed limita dividendos da banca e proíbe recompra de ações até setembro
Os maiores bancos que operam nos Estados Unidos passaram nos testes de stress levados a cabo pela Reserva Federal, mas os riscos que espreitam por força da pandemia levaram a Fed a impor alguns limites.
A Reserva Federal norte-americana divulgou na noite desta quinta-feira, 25 de Junho, os resultados dos seus testes de stress anuais à banca, realizados no âmbito da Lei Dodd-Frank promulgada após a crise financeira de 2008.
E as conclusões são animadoras: os 34 bancos escrutinados tiveram todos cartão verde quanto à sua capacidade de resistirem a choques económicos. No entanto, uma análise autónoma sobre os efeitos da pandemia de covid-19 na economia e no sistema financeiro pôs a descoberto potenciais riscos que levaram a Fed a colocar limites à distribuição de dividendos e proibir a recompra de ações até setembro.
Assim, dada a incerteza em torno do rumo da pandemia a nível global, a instituição liderada por Jerome Powell disse aos maiores bancos norte-americanos que não podem aumentar a remuneração acionista pelo menos durante o próximo trimestre. Ou seja, não podem distribuir dividendos superiores aos que pagaram no segundo trimestre.
"A Fed está a tomar medidas no sentido de avaliar mais aprofundadamente a situação dos bancos", tendo requerido às maiores instituições financeiras que adotem medidas prudenciais de modo a preservarem o seu capital nos próximos meses", declarou Randal Quarles, vice-chairman do banco central.
"O sistema bancário continua bem capitalizado, mesmo nos piores cenários de contração", acrescentou Quarles. Ainda assim, é exigida cautela.
Quanto a futuras remunerações acionistas a partir do terceiro trimestre, a Fed disse que serão limitadas por uma fórmula que se baseará nos lucros mais recentes.
Isso deixa o Wells Fargo em risco de ter de cortar dividendos, sublinha a Bloomberg, uma vez que os seus lucros caíram 89% no primeiro trimestre. Mas não é impossível de acontecer, explica a agência. Se o resultado líquido do segundo trimestre ficar ao nível dos lucros registados entre janeiro e março, a sua média dos últimos quatro trimestres será de 2,2 mil milhões de dólares – acima dos 2,1 mil milhões que o banco distribuiu em dividendos no primeiro trimestre deste ano.
O Goldman Sachs e o Morgan Stanley tiveram as piores classificações nestes testes de resiliência a choques, entre os bancos com sede nos EUA, com os seus níveis de capital a descerem 6,4 e 5,5 pontos percentuais, respetivamente, num cenário hipotético de crise económica.
Já era esperado que ambos os bancos tivessem pior nota nos testes do que os restantes, pois as suas operações dependem mais dos mercados de capitais – e estes são mais penalizados no cenário de crise idealizado pela Fed, refere a Bloomberg.
A Reserva Federal exigiu também que os bancos voltem a apresentar os seus planos de capital em finais do ano, uma medida sem precedentes ao longo desta última década de testes da Fed.
Quanto ao facto de a Fed ter proibido a recompra de ações próprias até setembro, não foi algo que surpreendesse os analistas – que não esperavam que os "buybacks" regressassem em breve.
Os três cenários, do melhor ao mais adverso
A Fed ponderou três cenários potenciais. Os resultados num cenário de retoma rápida, em forma de V, mostraram que os níveis agregados de capital dos bancos desceram 2,5 pontos percentuais na análise que teve em conta a pandemia – por oposição a uma diminuição de 2,1 p.p. sem ponderar os efeitos da covid-19.
Mas uma recuperação mais lenta significaria um impacto muito maior, com o capital dos 34 bancos a cair 3,9 p.p. numa retoma em forma de U e a descer 4,3 pontos percentuais numa retoma ainda mais demorada, em forma de W (que é a que assume uma segunda fase de medidas de confinamento devido a uma segunda vaga da pandemia, projectando uma queda de 12,4% do PIB e uma taxa de desemprego nos 16%).
Recorde-se que durante a crise financeira, que teve início em 2008 nos EUA e contagiou o mundo inteiro, muitos bancos considerados "demasiado grandes para falir" [dada a sua importância sistémica] tiveram de contar com os contribuintes para serem resgatados.
Depois disso, têm vindo a ser introduzidas normas regulatórias a nível mundial no sentido de evitar uma réplica daquela crise no futuro. A Fed realiza estes testes de stress desde 2009.
Essas regras dizem respeito, nomeadamente, à transparência dos instrumentos financeiros e à tomada de risco por parte do setor financeiro, onde se incluem os requisitos de capital destinados a amortecer eventuais choques – daí que haja também os chamados ‘testes de stress’ nos Estados Unidos e Europa, que visam avaliar a resiliência do setor financeiro a cenários hipotéticos de descarrilamento das economias.
A Fed tinha por hábito realizar estes testes através de duas fases, mas desta vez procedeu uma avaliação única para 2020.
A Reserva Federal usa estes testes para levar as entidades de concessão de crédito a constituírem almofadas de capital em caso de necessidade. Os bancos que chumbavam na segunda ronda de testes – nos últimos anos não tem acontecido – enfrentavam restrições em matéria de recompra de ações e de distribuição de dividendos. E agora, mesmo tendo todos passado nos testes, vão ser sujeitos a essas limitações.
Os testes levados a cabo pela Fed são realizados no âmbito da lei de Dodd-Frank (onde se inclui, por exemplo, a famosa "Regra Volcker", que visa limitar as operações bolsistas por conta própria por parte da banca).
Acontece que esta quinta-feira o setor financeiro foi um dos que mais impulsionou as bolsas em Wall Street, depois de os reguladores da banca dos EUA [a Fed e a SEC – autoridade reguladora dos mercados de capitais, correspondente aà CMVM em Portugal] terem anunciado que vão aligeirar, a partir de outubro, duas regras que visam os grandes bancos com carteiras complexas de trading e investimento.
"Os títulos financeiros receberam um impulso com a aprovação pelos reguladores de uma redução das restrições da regra Volcker, o que reforça as transações do setor com os fundos de investimento de capital e os 'hedge funds'", apontaram os analistas da Charles Schwab, citados pela Lusa.