Notícia
2014: A resolução que vai demorar décadas a digerir
O BES caiu com estrondo no pico do Verão de 2014, vítima de irregularidades no GES e no próprio banco. A resolução foi um tratamento de choque com efeitos secundários para as próximas décadas.
Foi um primeiro fim-de-semana de Agosto alucinante. Começou na sexta-feira de manhã, com a decisão do Banco Central Europeu de cancelar o acesso do Banco Espírito Santo ao financiamento garantido por Frankfurt. E acabou no domingo à noite, com o anúncio da criação do Novo Banco, que relegou o BES para o estatuto de "banco mau". Pela primeira vez, os portugueses iam ficar a saber o que significa a resolução de um banco.
"A generalidade da actividade e do património do Banco Espírito Santo é transferida para um banco novo, denominado de Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de activos problemáticos." Eram cerca de 23 horas de 3 de Agosto de 2014, domingo, quando Carlos Costa comunicou ao país, em férias de Verão, que o "banco bom" continuaria a "assegurar a actividade até aqui desenvolvida pelo BES, protegendo assim os seus clientes e depositantes (...). Fica completamente e inequivocamente afastada qualquer hipótese de poder haver perdas para os depositantes".
A medida surgiu no culminar de um processo que se arrastou durante vários meses e em que o governador do Banco de Portugal tentou isolar a instituição da iminente falência da área não financeira do Grupo Espírito Santo (GES). As dificuldades financeiras do GES tinham ficado a nu em Novembro de 2013, depois de o supervisor ter feito uma avaliação aos maiores clientes da banca, entre os quais a Espírito Santo International, "holding" de topo do império liderado por Ricardo Salgado.
A auditoria especial descobriu mais de 2.000 milhões de euros de dívida oculta no coração do GES. Foi esta a primeira medida das fragilidades do grupo. Mas o supervisor ainda acreditava ser possível imunizar o BES contra o vírus que minava o braço não financeiro.
A tentativa de isolar o BES do contágio do GES levou o Banco de Portugal a proibir a instituição de conceder crédito às empresas do grupo, a impor um aumento de capital para reforçar a solidez e a impedir a utilização da marca Espírito Santo fora da área financeira.
Mas a desconfiança em torno do BES acabou por ditar o afastamento de Ricardo Salgado. Com a saída do banqueiro descobriu-se que também no BES havia operações ocultas: garantias de reembolso de papel comercial do GES e um esquema de auto-financiamento. Resultado: as contas de 30 de Junho revelavam o maior prejuízo da história da banca portuguesa - 3,6 mil milhões de euros - e necessidades de capital de mais de 2.000 milhões.
A incapacidade de encontrar, com rapidez, uma solução privada para as insuficiências de solidez do BES justificou a resolução do banco. Todos os activos relacionados com o GES e com outros accionistas com participações qualificadas ficaram no "banco mau", condenado à liquidação. Os restantes passaram para o Novo Banco, que recebeu 4.900 milhões de capital fresco, assegurados pelo Fundo de Resolução, que se financiou junto do Estado e dos bancos. Dois terços deste montante resultaram do facto de a participação no BES Angola ter sido avaliada por zero euros. Mas havia a expectativa de que a venda do banco de transição - num prazo máximo de dois anos - permitisse recuperar a totalidade do dinheiro investido.
Ondas de choque devem durar até 2046
A resolução do BES e a queda do GES causaram ondas de choque que se vão sentir, pelo menos, até 2046, ano em que termina o prazo para o Fundo de Resolução reembolsar os empréstimos contraídos para capitalizar o banco. Na prática, está em causa uma factura de mais de 4.500 milhões de euros que vai ser assumida pelos bancos, que financiam aquela entidade através de contribuições regulares e das receitas do imposto especial sobre o sector.
Mas a factura ainda pode aumentar. O Fundo de Resolução será chamado a responder por eventuais indemnizações que venham a ser decididas em tribunal resultantes dos processos judiciais contra a resolução do BES e a venda do Novo Banco. Além disso, esta entidade ainda pode vir a ter de injectar 3.890 milhões de euros no banco que herdou os despojos do BES por causa do mecanismo de partilha de riscos negociado com a Lone Star, no âmbito do acordo de venda fechado com este investidor norte-americano. Uma factura adicional que só será paga depois de assumidas as primeiras perdas com o Novo Banco, o que pode prolongar o impacto da resolução do BES para além de 2046.
Os bancos já tiveram de reconhecer as perdas resultantes da sua exposição directa ao BES e ao GES. Esta foi, aliás, uma das razões que contribuiu para a resolução do Banif, em Dezembro de 2015. A instituição tinha uma operação cruzada com o universo Espírito Santo - contraiu um crédito de 50 milhões no BES e financiou o GES num valor superior. Quando o grupo colapsou, não recuperou o empréstimo e teve de pagar ao Novo Banco, o que impediu o Banif de reembolsar a última tranche de ajuda estatal.
Vários bancos, do BCP ao BPI, perderam centenas de milhões de euros a financiar empresas satélites do grupo, como a Portugal Telecom ou a Ongoing.
Já o apuramento de responsabilidades começou com uma comissão parlamentar que apontou o dedo a Ricardo Salgado e às fragilidades de supervisão, mais uma vez resolvidas com novas iniciativas legislativas. Seguiu para o Banco de Portugal, que ainda tem processos de contra-ordenação em aberto. E está na órbita da justiça, onde a investigação ao universo Espírito Santo já se cruzou com a Operação Marquês, em que o antigo primeiro-ministro José Sócrates é suspeito de corrupção.
"A generalidade da actividade e do património do Banco Espírito Santo é transferida para um banco novo, denominado de Novo Banco, devidamente capitalizado e expurgado de activos problemáticos." Eram cerca de 23 horas de 3 de Agosto de 2014, domingo, quando Carlos Costa comunicou ao país, em férias de Verão, que o "banco bom" continuaria a "assegurar a actividade até aqui desenvolvida pelo BES, protegendo assim os seus clientes e depositantes (...). Fica completamente e inequivocamente afastada qualquer hipótese de poder haver perdas para os depositantes".
A auditoria especial descobriu mais de 2.000 milhões de euros de dívida oculta no coração do GES. Foi esta a primeira medida das fragilidades do grupo. Mas o supervisor ainda acreditava ser possível imunizar o BES contra o vírus que minava o braço não financeiro.
A tentativa de isolar o BES do contágio do GES levou o Banco de Portugal a proibir a instituição de conceder crédito às empresas do grupo, a impor um aumento de capital para reforçar a solidez e a impedir a utilização da marca Espírito Santo fora da área financeira.
Mas a desconfiança em torno do BES acabou por ditar o afastamento de Ricardo Salgado. Com a saída do banqueiro descobriu-se que também no BES havia operações ocultas: garantias de reembolso de papel comercial do GES e um esquema de auto-financiamento. Resultado: as contas de 30 de Junho revelavam o maior prejuízo da história da banca portuguesa - 3,6 mil milhões de euros - e necessidades de capital de mais de 2.000 milhões.
A incapacidade de encontrar, com rapidez, uma solução privada para as insuficiências de solidez do BES justificou a resolução do banco. Todos os activos relacionados com o GES e com outros accionistas com participações qualificadas ficaram no "banco mau", condenado à liquidação. Os restantes passaram para o Novo Banco, que recebeu 4.900 milhões de capital fresco, assegurados pelo Fundo de Resolução, que se financiou junto do Estado e dos bancos. Dois terços deste montante resultaram do facto de a participação no BES Angola ter sido avaliada por zero euros. Mas havia a expectativa de que a venda do banco de transição - num prazo máximo de dois anos - permitisse recuperar a totalidade do dinheiro investido.
Ondas de choque devem durar até 2046
A resolução do BES e a queda do GES causaram ondas de choque que se vão sentir, pelo menos, até 2046, ano em que termina o prazo para o Fundo de Resolução reembolsar os empréstimos contraídos para capitalizar o banco. Na prática, está em causa uma factura de mais de 4.500 milhões de euros que vai ser assumida pelos bancos, que financiam aquela entidade através de contribuições regulares e das receitas do imposto especial sobre o sector.
Mas a factura ainda pode aumentar. O Fundo de Resolução será chamado a responder por eventuais indemnizações que venham a ser decididas em tribunal resultantes dos processos judiciais contra a resolução do BES e a venda do Novo Banco. Além disso, esta entidade ainda pode vir a ter de injectar 3.890 milhões de euros no banco que herdou os despojos do BES por causa do mecanismo de partilha de riscos negociado com a Lone Star, no âmbito do acordo de venda fechado com este investidor norte-americano. Uma factura adicional que só será paga depois de assumidas as primeiras perdas com o Novo Banco, o que pode prolongar o impacto da resolução do BES para além de 2046.
Os bancos já tiveram de reconhecer as perdas resultantes da sua exposição directa ao BES e ao GES. Esta foi, aliás, uma das razões que contribuiu para a resolução do Banif, em Dezembro de 2015. A instituição tinha uma operação cruzada com o universo Espírito Santo - contraiu um crédito de 50 milhões no BES e financiou o GES num valor superior. Quando o grupo colapsou, não recuperou o empréstimo e teve de pagar ao Novo Banco, o que impediu o Banif de reembolsar a última tranche de ajuda estatal.
Vários bancos, do BCP ao BPI, perderam centenas de milhões de euros a financiar empresas satélites do grupo, como a Portugal Telecom ou a Ongoing.
Já o apuramento de responsabilidades começou com uma comissão parlamentar que apontou o dedo a Ricardo Salgado e às fragilidades de supervisão, mais uma vez resolvidas com novas iniciativas legislativas. Seguiu para o Banco de Portugal, que ainda tem processos de contra-ordenação em aberto. E está na órbita da justiça, onde a investigação ao universo Espírito Santo já se cruzou com a Operação Marquês, em que o antigo primeiro-ministro José Sócrates é suspeito de corrupção.