Notícia
Tribunal de Contas põe em causa sustentabilidade de sistemas de pensões
Sistema contributivo da Segurança Social tem gerado fortes excedentes. Mas, em avaliação conjunta de contas com a CGA, sistema global de pensões passa de imediato aos défices, conclui Tribunal.
Apesar de a Lei de Bases da Segurança Social não o prever, o Tribunal de Contas (TdC) defende que o relatório anual de sustentabilidade financeira da Segurança Social apresentado pelo Governo com cada Orçamento do Estado passe a exibir projeções integradas para a evolução dos sistemas tanto da Segurança Social como da Caixa Geral de Aposentações (CGA).
Numa auditoria a este relatório, publicada nesta quarta-feira, o TdC defende que o documento que acompanha o Orçamento da Segurança Social "não é completo e abrangente", "não projeta adequadamente a receita e a despesa" e revela "falta de fiabilidade e transparência que decorre das falhas e alterações aos pressupostos e à metodologia das projeções". Ao mesmo tempo, o Tribunal apresenta um exercício de projeções que conclui que, vistas em conjunto, as contas dos dois sistemas seriam de imediato deficitárias.
compreensão dos riscos [...] que recaem sobre a
sustentabilidade global com a proteção social.TdC
Uma proposta controversa
A análise global de contas, considerando os dois sistemas (previdencial e da CGA), é uma proposta controversa uma vez que a CGA não tão foi orientada para o equilíbrio financeiro e contributivo: o aumento da idade da reforma ou das contribuições de trabalhadores e empregadores chegou muito mais tarde ao sistema dos antigos funcionários públicos.
Só em 2023, a CGA recebeu 6,1 mil milhões de euros em transferências do OE, de acordo com os dados da Conta Geral do Estado consultados pelo Negócios. O valor destina-se a colmatar o défice do regime que deixou de acolher novos contribuintes, mas também a sustentar uma série de regimes especiais (BPN, Carris, STCP) e fundos de pensões de empresas públicas suportados por reservas próprias que nalguns casos já se esgotaram (6 em 19) e que, tendencialmente, passarão a representar cada vez maiores encargos para o Estado, como têm vindo a evidenciar, aliás, outros relatórios do TdC. Também em 2023, a CGA ficou com os encargos do Fundo de Pensões da Caixa Geral de Depósitos, com o Estado a receber cerca de três mil milhões.
O mesmo tipo de situação não deixa, no entanto, de ocorrer no regime geral da Segurança Social, por exemplo, com o Regime Substitutivo Bancário, no qual as verbas entregues ao Estado pelos fundos privados de pensões ficam esgotadas neste ano, enquanto se mantêm encargos anuais superiores a 300 milhões de euros (395 milhões em 2023) financiados pelo OE. São ainda financiadas por impostos as despesas sem suporte na carreira contributiva previstas no regime de proteção social de cidadania. Por exemplo, para combate à pobreza, como é o caso do Complemento Solidário para Idosos.
Nos cálculos do TdC, que este admite que devem ser vistos com cautela, os regimes contributivos da Segurança Social e CGA, combinados, teriam dado origem a um défice já no ano passado, pese embora o forte excedente esperado na Conta da Segurança Social (4,7 mil milhões de euros até novembro, nos dados de contabilidade pública mais recentes da Direção-Geral do Orçamento).
As projeções do TdC apontam depois para um agravamento do défice numa conta conjunta dos dois sistemas para 4,4% do PIB real até 2042, correspondendo a cerca de 14,8 mil milhões de euros. O Tribunal vê aqui "um risco para o atual nível de benefícios garantido".
Já a partir de 2042, o saldo começaria a registar melhorias, com o défice a reduzir-se para 1,4% do PIB real até 2060. No exercício, o Tribunal calcula ainda um valor agregado de saldo atuarial negativo de cerca 228,2 mil milhões de euros para o período de 37 anos entre 2024 e 2060, representando o valor dos ativos necessários para cobrir todos os passivos dos dois sistemas durante o período de 2024 a 2060. Em média, representaria 6,2 mil milhões de euros por ano (aproximadamente, o já referido valor de transferências do OE para a CGA em 2023).
Governo vai avançar com estudo
A necessidade de haver uma visão integrada sobre as contas dos sistemas de pensões da Segurança Social e da CGA tem vindo a ser defendida por alguns especialistas, como Jorge Bravo e os autores do recente Livro Verde sobre a Sustentabilidade do Sistema Previdencial, e a tarefa foi já assumida pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Rosário Palma Ramalho. Segundo a governante, os dois sistemas vão ser estudados em conjunto, incluindo ainda o impacto do regime de proteção social de cidadania.
Além do exercício conjunto no relatório de sustentabilidade financeira da Segurança Social, o Tribunal recomenda também que o Ministério das Finanças e o Ministério do Trabalho realizem a cada três anos - acompanhando a periocidade da revisão de projeções macroeconómicas e demográficas da Comissão Europeia no Ageing Report - "um relatório de avaliação atuarial, segundo as melhores práticas e orientações internacionais", incidindo sobre ambos os sistemas contributivos de proteção social e também sistema de proteção social de cidadania, e ainda um balanço atuarial.
Na auditoria, o TdC também recomenda a revisão atuarial da Taxa Contributiva Global, mais conhecida por Taxa Social Única (TSU), já que desde 2010 está legislado que esta taxa da qual depende a principal receita da Segurança Social devia ser revista em função dos custos das eventualidades que cobre (como desemprego, doença, parentalidade ou outros), de cinco em cinco anos, mas tal ainda não aconteceu. É uma recomendação que coincide com as do Livro Verde sobre a sustentabilidade do Sistema Previdencial, e que o Governo já anunciou também que vai acatar.
Além disso, o TdC sublinha que a TSU não considera o regime de equivalências – que permite que os trabalhadores tenham o registo de uma espécie de contribuições "fictícias" quando estão doentes, desempregados, e cobertos pelas prestações contributivas – e recorda que desde que a TSU foi fixada em 34,75% houve custos retirados do sistema previdencial (caso das pensões antecipadas).
Entre outros pontos, são ainda manifestadas algumas reservas quanto ao modelo utilizado para as projeções e assinalado "o reduzido número de recursos humanos" com capacidade para as fazer no Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho. Nos termos da lei, recorda, as projeções deviam ser feitas por um grupo de trabalho que "nunca foi constituído".
As recomendações do tribunal, os compromissos do Governo e outras reações Duas das principais recomendações do relatório - a análise conjunta dos dois sistemas e a reavaliação da TSU - já tinham sido anunciadas como decisão do Governo. Mas há mais.
As recomendações
• O TdC recomenda aos ministros da Segurança Social e Finanças a divulgação de um relatório atuarial - com a posição integrada a longo prazo dos dois sistemas -, bem como do regime de cidadania e de um balanço atuarial, de três em três anos.
• O TdC incentiva o estudo de revisão atuarial da Taxa Social Única (TSU), que determina as contribuições pagas por empregadores e trabalhadores (34,75%) considerando as equivalências (os "créditos" na carreira contributiva para beneficiários de prestações) e as taxas reduzidas.
• O TdC recomenda que a informação do relatório anual seja "completa e fiável" (incluindo os dois sistemas), que a metodologia, pressupostos e alterações dos mesmos sejam identificados, que se incorporem métricas sobre riscos demográficos, económicos e financeiros, bem como o impacto das alterações legislativas dos orçamentos. E que o cenário macro seja o que consta da proposta de OE.
• Ao diretor do Gabinete de Estudos e Planeamento do ministério do Trabalho (GEP), o TdC recomenda medidas para suprir as "deficiências e insuficiências", continuar a aperfeiçoar o modelo e o relatório, providenciar pela capacitação de técnicos e a concluir o manual.
• Ao Presidente do IGFCSS, o TdC recomenda que defina "procedimentos internos que assegurem a consistência da metodologia" utilizada nos dados transmitidos ao GEP.
As reações• O Ministério das Finanças "toma boa nota das recomendações emitidas".
• A Ministra da Segurança Social revela que já notificou a Comissão Europeia sobre quatro decisões: avaliar a sustentabilidade do sistema de pensões de forma integrada, considerando o sistema previdencial, o sistema de cidadania e o da CGA; a revisão atuarial da TSU, que também tenha em consideração os custos das equivalências; e, como anunciou recentemente, a "reavaliação do regime de antecipação da idade legal de reforma", promovendo o prolongamento da vida ativa, além de "criar e consolidar" o regime complementar.
• O diretor do Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP), que diz que vai incorporar todas as recomendações "em função dos recursos disponíveis" sublinha que os resultados devem ser tomados como uma projeção e justifica aspetos técnicos. Sublinhando que a lei só manda avaliar o regime previdencial, o GEP diz que se a ideia é fazer uma avaliação global dos sistemas de proteção social públicos, além do sistema previdencial, de cidadania, e da CGA, seria necessário incluir também a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS).