Notícia
"Há melhorias a fazer na avaliação e comparticipação"
Baixa prevalência das patologias a que se destinam estes fármacos exigem modelos de avaliação diferenciados
Filipe Assoreira, Country Manager da Genzyme
Não há dúvida que tem havido um grande avanço em termos de inovação e produção de medicamentos destinados ao tratamento de doenças raras. Mas, apesar dos incentivos definidos no regulamento da União Europeia de 2000, há ainda melhorias desejáveis a fazer, nomeadamente no que toca aos processos de avaliação e comparticipação por parte do Estado, frisa Filipe Assoreira, country manager da Genzyme.
A Genzyme está há dez anos em Portugal. O que mudou nesta última década ao nível da investigação e inovação?
Três anos antes da constituição da Genzyme em Portugal, o Parlamento Europeu e o Conselho da UE estabeleceram o Regulamento 141/ 2000 que preconiza a defesa de um tratamento de qualidade para os doentes com doenças raras ou pouco frequentes, à semelhança do que já acontecia com doentes com uma doença mais comum. Por conseguinte, foram estabelecidos incentivos que permitiram à indústria farmacêutica continuar a investigar, desenvolver e comercializar medicamentos para necessidades médicas sem resposta. A protecção de comercialização exclusiva durante um período de dez anos foi um deles. Assim existem hoje fármacos mais específicos para o tratamento e causa da doença. Temos assistido também a uma evolução constante na área da terapia genética com vista a uma possível cura em algumas patologias.
E ao nível da produção e comercialização de medicamentos órfãos. O que mudou?
O Regulamento dos Medicamentos Órfãos foi um grande avanço para a saúde pública, desencadeando investigação sem precedentes e investimento, levando à autorização de novos tratamentos inovadores.
Quais os principais entraves com que se depara uma farmacêutica que aposta na produção de remédios órfãos?
O sector dos medicamentos órfãos é um dos mais inovadores e promissores das indústrias de biotecnologia e farmacêutica em todo o mundo. Mas ao mesmo tempo que se posicionam na vanguarda da inovação, as empresas de biotecnologia dedicadas ao desenvolvimento de medicamentos órfãos encontram-se numa posição particularmente frágil, dado o número reduzido de medicamentos que comercializam, muitos dos quais ainda em fases iniciais no seu ciclo de vida. Além disso, a capacidade destas empresas reinvestirem em investigação e desenvolvimento, bem como o seu potencial de expansão, depende fortemente de um contexto assente na previsibilidade. Deste modo, diria que há melhorias a fazer, nomeadamente, nos processos de avaliação e comparticipação bem como evoluirmos para modelos de avaliação diferenciados destes medicamentos face aos restantes para doenças mais comuns.
Estes obstáculos colocam-se também noutros países?
Sim, nalguns mais que noutros.
O Infarmed diz que só não há mais medicamentos órfãos a serem comercializados em Portugal porque a própria indústria não faz esses pedidos. Porquê? Receio de não lucrarem?
Não, de todo. Provavelmente, a razão pela qual não existirão mais pedidos terá que ver com a baixa prevalência de determinadas patologias que em muitos casos é de cinco a dez doentes.
O Ministério da Saúde comprometeu-se com a Apifarma em apoiar mais a investigação. Que apoios são desejáveis?
O apoio que procuramos assenta na colaboração do Estado no sentido de promover uma maior abertura a ensaios clínicos e agilização e diferenciação dos processos de avaliação. Os apoios financeiros per si não são a questão fulcral.
Que medicamentos fabrica a Genzyme? Para que doenças raras?
Desde há 30 anos que a Genzyme é pioneira na disponibilização de terapêuticas transformadoras da doença, com especial enfoque nas doenças Lisossomais de Sobrecarga, um conjunto de doenças genéticas, crónicas e altamente debilitantes, como sendo a Doença de Gaucher, Fabry, Pompe e MPS I. Disponibilizamos, ainda, uma hormona estimuladora da tiróide para doentes submetidos a cirurgia da tiróide devido a cancro, para detectar tecido tiroideu que tenha eventualmente permanecido após a cirurgia. E mais recentemente vimos aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento duas terapêuticas no tratamento da Esclerose Múltipla.
Quantas empresas em Portugal comercializam medicamentos orfãos? E quantos são comercializados em Portugal?
Aproximadamente 25 empresas em que algumas delas estão exclusivamente dedicadas as estas terapêuticas. E são comercializados cerca de 60 medicamentos, sendo que muitos deles destinam-se a doenças raras, genéticas, com prevalências extremamente baixas (5-10 doentes). Sobretudo para doenças lisossomais de sobrecarga, patologia oncológica e hipertensão pulmonar.
Qual a importância de iniciativas como esta conferência?
Iniciativas como esta permitem promover um debate construtivo entre todos os intervenientes da área e aumentar o conhecimento com vista a uma maior sensibilização para as doenças raras e os benefícios de estarem disponíveis medicamentos específicos que as tratem. Estas iniciativas ajudam também a impulsionar acções para o reconhecimento do valor terapêutico e social dos medicamentos órfãos, colaborar no âmbito médico, científico e regulamentar para promoção do conhecimento e dos benefícios do tratamento das pessoas afectadas por doenças raras.
Acha que faz falta um maior debate sobre as doenças raras e sobre os medicamentos órfãos em Portugal?
Nos últimos anos temos assistido a um crescendo de iniciativas que têm retirado, felizmente, as doenças raras e os medicamentos órfãos do anonimato. A adopção em 2009 do Plano Nacional das Doenças Raras colocou Portugal na linha da frente nesta área, pelo que importa agora, e à semelhança do que tem sido feito por diversos parceiros, como as associações de doentes, continuar a promover o debate e a encontrar formas de colaboração com as autoridades no sentido de estimular a valorização desta área pelas suas características especiais em questões de I&D e de produção.
Perfil
o farmacêutico especialista em medicamentos órfãos
Com mais de 10 anos de experiência comercial, Filipe Assoreira tem um percurso ligado a várias indústrias, principalmente nas áreas de farmácia e biotecnologia. Desde 2012 é country manager da Genzyme, uma empresa da Sanofi em Portugal. Com licenciatura em Farmácia, pela Universidade de Coimbra, e um MBA pela AESE/IESE Business School, em Lisboa, Filipe Assoreira entrou na Genzyme em 2003 e com a sua equipa lançou com sucesso dois medicamentos para doenças raras. De 2007 a 2010 foi director associado da MPS, com sede na Holanda. Em 2010, o especialista voltou a Portugal e foi nomeado como Director da Unidade de Negócios das Doenças Raras. Antes da Genzyme, trabalhou ainda como gerente de contas na Alliance Unichem e, como especialista de produto da Enzifarma, ex-distribuidor da Genzyme.