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Estado da Nação: Costa tem geringonça no coração. Mas também tem Bruxelas
A pouco mais de um ano das próximas legislativas, no terceiro debate do estado da Nação desta legislatura a esquerda reivindicou avanços adicionais ao Governo para apoiar o próximo Orçamento.
- Geringonça não mudou os partidos, só a relação entre si
- Qual é o estado da economia da Nação?
- Debate do estado da Nação
- Ferro cumprimenta líderes
- Já começou o debate
- Costa avisa esquerda: "não podemos pôr em causa tudo aquilo que construímos"
- Costa fala, PSD critica e primeiro-ministro repete
- Costa diz que Governo investiu "para recuperar danos da austeridade"
- António Costa garante que próximo OE será de "continuidade"
- PSD utiliza saúde para fazer ataque cerrado ao Governo
- Primeiro-ministro reafirma que Infarmed vai para o Porto
- Rocha Andrade: "estratégia deu resultados"
- Costa responde a Rocha Andrade. "Blá blá blá", ouve-se da oposição
- Catarina Martins: “O que mudou então? Mudou a postura do Governo”
- Costa: Governo cumpre o que acordou com parceiros… e Bruxelas
- Economia cresce mais devagar, mas acima de 2%
- CDS acusa: "Tem o ISP a arrecadar mais de mil milhões em impostos, mais do que o Governo devolveu em IRS"
- Costa garante que impostos sobre combustíveis baixaram
- Jerónimo de Sousa confronta Costa: "Quer levar mais longe medidas positivas, ou travar o passo?"
- Costa cita Jerónimo: "estamos aqui para percorrer este caminho"
- Heloísa Apolónia exige "resposta substancial" para saúde, educação, cultura e transportes no próximo OE
- Costa para Heloísa. "estamos satisfeitos, ainda bem que está satisfeita"
- Pedro Filipe Soares: "O coração do Governo contempla ainda a geringonça?
- CDS lamenta que Costa não tenha dito nada sobre natalidade e interior
- João Oliveira pede respostas para saúde, educação e transportes
- Mortágua avisa Governo: não conta com BE para mudar lei laboral com medidas que degradem o acordo
- Costa: "Geringonça está no nosso coração com humildade"
- Negrão entusiasma bancada do PSD com críticas sobre saúde
- PSD expõe contradições da geringonça que Alegre "explicou bem explicado"
- Socialista António Sales irritado com críticas de Negrão sobre saúde
- Catarina Martins avisa que "não vai tudo bem"
- Bloco deixa caderno de encargos para aprovar OE
- Cristas: "Governo falha ironicamente nas áreas que sempre reclamou como exclusivas da esquerda"
- PCP continua disponível para aprovar OE, mas faz exigências
- Heloísa fixa prioridades dos Verdes
- André Silva: "Em Portugal vivemos acima da capacidade do planeta"
- Carlos César assume: "nem tudo o que fizemos foi bem feito"
- Siza Vieira diz que alternativa à geringonça é recuar nos direitos
- As ideias-chave do debate do Estado da Nação
Com 2019 cada vez mais perto - e as legislativas -, a curiosidade passa por saber como se comportará a geringonça na contenda parlamentar, se vai mostrar sinais de desagregação ou se tentará ultrapassar as divergências que marcaram as últimas semanas, com Bloco de Esquerda, PCP e Verdes a sinalizarem um crescente afastamento em relação às opções políticas, e orçamentais, do Executivo socialista.
O Negócios vai acompanhar as principais incidências do debate do estado da Nação.
"Não podemos pôr em causa aquilo que construímos. O bem-estar dos portugueses e o progresso do país têm de ser as nossas prioridades", atirou o primeiro-ministro.
O PSD reagiu de pronto com diversos apartes vindos da bancada social-democrata, o que levou o primeiro-ministro a interromper o discurso de abertura do estado da Nação. Por pouco tempo, porque logo a seguir Costa fez questão de repetir a deixa: "Para não voltar a ter jovens obrigados a emigrar..."
Apontando o investimento no Serviço Nacional de Saúde com um reforço anual de 700 milhões de euros, a aposta na ferrovia e na "valorização da escola pública", António Costa concluiu que o Executivo socialista não só deixou de prosseguir políticas austeritárias como conseguiu minimizar os danos provocados pela austeridade aplicada pela direita.
"Não prosseguimos a austeridade, investimos para recuperar os danos da austeridade nos serviços públicos", sustentou o primeiro-ministro que havia provocado risos nas bancadas da direita parlamentar ao falar no investimento feito na saúde.
No entanto, António Costa quis "ser claro" e numa mensagem com destinatários bem identificados deixou um aviso aos parceiros da actual solução governativa, garantindo que o Governo não se deixará cair em eleitoralismos: "não será pelo facto de estarmos a pouco mais de um ano das eleições que vamos sacrificar o que já conquistámos ou mudar de rumo".
Adão Silva criticou Costa por fazer um discurso com pouca aderência à realidade e instou o primeiro-ministro a "falar às pessoas reais do país real".
Em resposta ao deputado do PSD, Adão Silva, António Costa reafirmou a intenção do Governo de transferir o Infarmed para o Porto. Contudo, não avançou novidades sobre os termos dessa transferência. "As condições dessa mudança estão a ser avaliadas", disse apenas o primeiro-ministro.
Em resposta à crítica dos sociais-democratas de que o Governo não pensa nas pessoas, Costa muniu-se dos números: "80 mil pessoas saíram da pobreza", "300 mil postos de trabalho criados com este Governo" e "7900 novos profissionais" contratados para o Serviço Nacional de Saúde.
"Não vivemos o benefício do milagre. Vivemos um governo que está a fazer um esforço muito grande nos últimos dois anos e meio para recuperar dos brutais quatro anos de desinvestimento", rematou Costa.
N primeira intervenção da bancada do PS, o deputado Rocha Andrade começou por dizer que a "estratégia [do Governo] deu resultados", notando que a "capitalização da banca e das empresas" permitiu que fossem criadas "as bases para que o crescimento económico não fosse conjuntural mas estrutural".
Já com baterias apontadas à direita, particularmente ao PSD, Rocha Andrade notou que a oposição passou de uma atitude de que "não há dinheiro para nada, qual das palavras é que não percebeu", proferida pelo ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar, para uma atitude em que assegura haver "recursos para tudo".
"Este é um trabalho que exige ser construído pedra a pedra, depois do abalo sísmico que aconteceu durante quatro anos", diz ainda o primeiro-ministro, prometendo mais igualdade e crescimento.
A líder do BE confronta António Costa e dá conta de uma mudança na relação entre os bloquistas e o Governo. De um primeiro momento do entendimento, em que Catarina Martins considera que a relação foi bem sucedida, passa para um outro, o actual, em que acusa o Executivo de ter mudado a sua postura.
"O Governo rejeitou a chantagem europeia e manteve-se fiel ao compromisso que fez com o Bloco e ainda bem que o fez", diz Catarina Martins, referindo-se ao aumento do salário mínimo "ano após ano", e a essa primeira fase do entendimento entre os dois partidos. A bloquista deu exemplo de outras medidas acordadas entre o BE e os socialistas, que fizeram parte dos acordos, e que o Executivo foi implementando, como foi o caso do aumento das pensões.
"Nunca escondemos as nossas diferenças, mas nunca deixamos de procurar compromissos essenciais", lembra a coordenadora do Bloco de Esquerda.
E questiona: "O que mudou então? Mudou a postura do Governo".
A líder dos bloquistas dá então razão ao ministro Augusto Santos Silva, assumindo que é preciso parar para pensar: "Temos mesmo de falar de política europeia", diz Catarina Martins. Para o BE, o Governo deixou de enfrentar as imposições europeias e passou a valorizar mais as décimas de défice a menos, do que a melhoria das condições de vida da população.
Em resposta a Catarina Martins, o também líder do PS frisou que "o programa do Governo é muito claro" e assenta no cumprimento daquilo com que os socialistas se comprometeram com os portugueses, os parceiros da esquerda e também com a prossecução das metas acordadas com a União Europeia.
António Costa lembrou que foi precisamente a capacidade para cumprir as regras europeias que permitiu a Portugal sair do procedimento por défices excessivos e consequente subida do rating da República o que, por sua vez, permitiu ao país "poupar milhões de euros na dívida pública".
Ainda assim, o chefe do Governo admite que os "serviços públicos não estão como gostaríamos", contudo a evolução verificada na educação e na saúde permite uma só conclusão: "estamos a melhorar".
"É isso que temos vindo a fazer sabiamente", disse Costa defendendo que tem sido possível conciliar as políticas de devolução de direitos e rendimentos com os constrangimentos impostos por Bruxelas. "Uma mudança que temos vindo a executar e a salvo de qualquer crise externa".
Taxa de crescimento do PIB Há seis trimestres consecutivos que a economia portuguesa está a crescer com um ritmo acima dos 2%. Olhando para o histórico português, este é um marco assinalável: é preciso recuar à década de 90 e à viragem do milénio para encontrar um período mais longo de crescimentos robustos. Contudo, desde a segunda metade de 2017 que o PIB português tem vindo a perder o gás. Se as previsões da Comissão Europeia se concretizarem, no próximo ano a economia portuguesa já só cresce 2%.
Veja no gráfico em baixo a evolução desde o primeiro trimestre de 1999:
Infografia: Ruben Sarmento
Fonte: Instituto Nacional de Estatísticas
Nuno Magalhães, deputado do CDS, acusa o Governo de não ter eliminado a austeridade. Depois de acusar o ministro das Finanças de ser "o carrasco do SNS" por aplicar cativações à despesa, pega no tema dos impostos sobre os produtos petrolíferos.
"Quem sofre da austeridade da bomba de gasolina, acha mesmo que acredita no virar a página da austeridade", questiona Nuno Magalhães.
Depois, lembrou que o CDS tinha um projecto de lei para acabar com o adicional à taxa do ISP que foi aprovado na generalidade, mas que esta quinta-feira não reuniu o acordo do parlamento na votação de especialidade.
"Tem o ISP a arrecadar mais de mil milhões de euros em impostos, mais do que devolveram aos portugueses em IRS. É este o valor da austeridade", atira o deputado do CDS, lembrando que a medida era suposto ser neutral em termos fiscais, mas que agora o próprio secretário de Estado dos Assuntos Fiscais já assumiu que vale 474 milhões de euros por ano, "numa espécie de imposto verde".
Sobre as críticas ao aumento da carga fiscal dirigidas ao Governo pela bancada centrista, António Costa recordou que a estratégia da anterior maioria de direita não deu certo: "aumentar impostos de forma cega não deu resultado".
Depois lembrou que o aumento da receita fiscal decorreu de haver "mais pessoas empregadas e a pagar contribuições para a Segurança Social e isso é bom para o país".
Já quanto à questão dos impostos sobre os combustíveis, Costa garantiu que este Governo diminui o volume de impostos que recaem tanto sobre a gasolina como sobre o gasóleo.
"Não vivemos no país das maravilhas", assumiu Costa dirigindo-se a Nuno Magalhães, porém notando que a situação é bem melhor do que quando o PS chegou ao poder.
"Quer levar mais longe medidas positivas para os trabalhadores e o povo, ou quer travar o passo," pergunta Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP. O comunista lembrou várias medidas implementadas nos últimos dois anos e meio, com "a marca do PCP", como por exemplo a introdução dos manuais escolares gratuitos.
"Quando o PS converge com o PCP, a vida dos trabalhadores e dos portugueses melhora", diz Jerónimo de Sousa.
E lembra as dificuldades que os jovens enfrentam para encontrar empregos com condições não precárias que lhes permitam constituir família. Ou empregos com horários de trabalho compatíveis com a vontade de formar família, a falta de creches e de condições.
O primeiro-ministro citou Jerónimo de Sousa para responder a Jerónimo: "estamos aqui para percorrer este caminho".
Antes, Costa tinha feito de questão de afirmar que o Governo assume "estes dois anos e meio [de legislatura] por inteiro". Depois recordou que o Governo adoptou várias das "medidas propostas pelo PEV, PCP, Bloco, e o grosso das medidas propostas pelo PS".
Sublinhou de seguida que mesmo parte das medidas previstas cenário macroeconómico com que o PS se apresentou a eleições foram "ajustadas" com os parceiros da esquerda. "Por isso temos de prosseguir este caminho", resumiu.
A terminar este rebate a Jerónimo, o líder socialista destacou o "esforço conjunto para a valorização do trabalho e combate à precariedade", lembrando que "85% dos postos de trabalho criados não foram contratos precários, foram sem termo".
"Há sectores na saúde, educação, cultura, transportes, onde é preciso que o próximo Orçamento do Estado dê uma resposta substancial", exige Heloísa Apolónia, deputada dos Verdes.
Heloísa Apolónia pede ao primeiro-ministro que ouça os Verdes. "É muito importante que nos continue a ouvir no que falta até ao final da legislatura", diz a líder dos Verdes, "até para depois poder continuar a saudar" os resultados.
A deputada argumenta que se o primeiro-ministro pode exaltar os resultados obtidos a partir da tribuna do parlamento, foi porque "os acordos à esquerda exigiram mais soluções do as que o Governo queria" e porque "O PS foi mais longe do que aquilo que o PS sozinho conseguia".
Por isso, pede que se continue a caminhar no mesmo sentido, sem "obsessão pelo défice". Para Heloísa Apolónia, a opção de apresentar défices orçamentais mais baixos do que o compromisso – como aconteceu em 2017 e poderá acontecer em 2018, com a revisão da meta dos 1,1% do PIB para 0,7% – foi "errada".
Tal como considera errado "aumentar o orçamento da Defesa em quatro mil milhões de euros até 2024".
"Pela nossa parte estamos satisfeitos, ainda bem que está satisfeita", disse António Costa em resposta a Heloísa Apolónia considerando que tal é um "sinal gerador de confiança para os portugueses".
O primeiro-ministro insistiu depois que "nunca deve ser dado um passo maior do que a perna. Temos de assegurar que o que conquistámos não seja perdido".
"A esquerda e a direita não se distinguem por mais ou menos défice", atirou o secretário-geral do PS defendendo que todos devem pugnar por "contas públicas equilibradas". Costa elogiou depois o histórico da gestão autárquica por parte dos comunistas que normalmente asseguram contas sólidas.
Sossegando a esquerda, António Costa assegurou que as carreiras na função pública vão continuar a ser descongeladas, os rendimentos continuarão a subir, assim como continuará a haver reforço do investimento na saúde, educação, ciência, cultura "e assim sucessivamente".
"Disse há dias que a geringonça está no coração dos portugueses. Pergunto se está no coração dos socialistas, porque ouvimos membros do governo dizer sucessivamente que medidas propostas pelo BE são eleitoralismo", arrancou Pedro Filipe Soares, deputado do BE.
E questiona: "É eleitoralismo o caminho que fizemos até aqui com a geringonça?"
O deputado bloquista garante que tem "orgulho no que foi feito", mas frisa que o BE não faz "uma pintura do país a cor-de-rosa". O BE quer ir mais longe e mais depressa no investimento dos serviços públicos.
Tal como já tinha feito a coordenadora bloquista Catarina Martins durante o debate, Pedro Filipe Soares lembra que os socialistas reconheciam que as metas de Bruxelas colocariam em causa os serviços públicos. "Estão a colocar e o Governo está a ir além delas", acusa. No final, remata: "O coração do governo contempla ainda a geringonça?"
O deputado centrista Telmo Correia lamentou que o "António Costa no país das maravilhas" não tenha dito "nem uma palavra sobre demografia ou natalidade e muito pouco sobre uma questão que tanto preocupa o país que é o interior".
Telmo Correia salientou as propostas apresentadas há uma semana pelo CDS destinada à valorização do interior – com propostas de benefícios fiscais a famílias e empresas – e questionou o Governo se pretende aproveitar essas medidas apresentadas pelos centristas.
João Oliveira, líder da bancada parlamentar dos comunistas, pede respostas ao Governo em três áreas chave: saúde, educação e transportes.
Num tom aguerrido, confronta o primeiro-ministro com o negócio da saúde: "Vai pôr um travão aos grupos privados da saúde?" E quer saber se é mesmo como o ministro Augusto Santos Silva disse, que "o compromisso maior do Governo é com as regras da União Europeia".
Na área da educação, João Oliveira deu conta da falta de auxiliares, dos problemas com os concursos dos professores, da dificuldade de encontrar uma solução para a questão das progressões e carreiras dos professores, da precariedade.
Nos transportes, frisou os atrasos e as dificuldades nas ligações, pedindo investimento e modernização das empresas públicas de transporte.
A deputada Mariana Mortágua avisa o Governo de que não pode contar o Bloco de Esquerda para aprovar mudanças na lei laboral que vão contra o entendimento com os bloquistas. Mortágua critica o primeiro-ministro por ter preferido procurar entendimentos com os parceiros sociais "sem notícia, sem avisar o BE" de que o faria, em vez de ter procurado entender-se com a maioria parlamentar de esquerda.
"O governo já podia ter garantido o acordo com o BE e ter uma lei laboral forte e inequívoca contra a precariedade. Mas preferiu fechar um acordo com os parceiros. Fê-lo sem notícia, sem avisar o BE", lamentou Mariana Mortágua. E avisou: "Não pode contar com o BE para medidas que degradam o nosso acordo."
Depois de "dar as boas vindas" ao Executivo por estar agora a regressar à busca de entendimentos com as bancadas da esquerda, diz estar disponível para regressar ao debate da lei de bases da Saúde, ou para negociar uma "solução melhor à esquerda" de forma a cumprir o artigo 19 do Orçamento do Estado, sobre o descongelamento das carreiras dos funcionários públicos.
A resposta ao desafio lançado por Pedro Filipe Soares chegou com juras de amor. António Costa garantiu que "a geringonça está não só no coração do Governo como na nossa cabeça". A geringonça está bem presente no coração do Executivo socialista "com humildade e sem duplicidade", acrescentou o primeiro-ministro.
Respondendo ao repto lançado por João Oliveira, líder da bancada do PCP, António Costa fez questão de notar que apesar de nem tudo estar bem na saúde, este é um sector muito particular e propenso a mitos que pintam a realidade mais negra do que é na verdade.
Para exemplificar, lembrou como "milagrosamente" deixaram de registar-se partidos nas auto-estradas portuguesas depois de Correia de Campos ter deixado de ser o ministro da Saúde do Governo de José Sócrates. Correia de Campos foi responsável pelo encerramento de várias unidades de saúde em zonas mais desertificadas.
Fernando Negrão, líder da bancada parlamentar do PSD, entusiasmou os deputados sociais-democratas com um discurso a partir da tribuna onde criticou a falta de investimento e de financiamento para o Serviço Nacional de Saúde.
"Quando um Governo assume medidas de forma imponderada e irresponsável, como é o caso do retorno às 35 horas semanais na Função Pública, sem garantir a estabilidade dos serviços públicos. Se isto não é um governo esgotado, então o que é? Perguntem aos profissionais de saúde e aos utentes do SNS", atirou Fernando Negrão.
E foi dando exemplos relacionados com as dificuldades neste sector, que considera "o caso mais gritante" da "falta de investimento e a política das cativações deste Governo". Falou do "caos nas urgências, de unidades de internamento encerradas por falta de recursos humanos, de falta de equipamento para meios complementares de diagnóstico, de pessoas a serem observadas em corredores de hospitais, de crianças a receber tratamento oncológico em contentores".
Fernando Negrão acusou o Governo de "propaganda" e exclamou que "entre Novembro de 2015 e Novembro de 2017 o montante dos pagamentos em atraso dos hospitais agravou-se em 141%." E recebeu aplausos calorosos da sua bancada social-democrata.
Entusiasmado, o deputado do PSD seguiu pela mesma linha. Lembrou o encerramento de salas de parto na Maternidade Alfredo da Costa, a falência técnica do Hospital de Santa Maria e do Pulido Valente, revelada pelo tribunal de Contas.
E rematou: "Esta é a realidade. A realidade de um Governo que desampara e abandona os portugueses."
Outro tema que Fernando Negrão trouxe para o debate do estado da Nação foi a corrupção, "um dos maiores cancros da democracia" que "destrói as bases do regime". Negrão rejeita ignorar o fenómeno da corrupção, porque fazê-lo seria uma "forma infantil e até indigna de pretender que esse problema não existe na sociedade portuguesa".
Um ano depois, o líder parlamentar social-democrata também não deixou cair a polémica de Tancos, acusando o Governo de "querer fazer com que nos esqueçamos do roubo" de armamento militar. Prometeu que o PSD vai continuar a "exigir esclarecimentos".
Negrão prometeu também que os sociais-democratas continuarão a exigir "conhecer a lista dos maiores devedores" da Caixa Geral de Depósitos e cujos incumprimentos "obrigaram a um esforço de capitalização colossal".
Já perto do final da intervenção, o deputado afirmou que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Santos Silva, colocou a geringonça "nos cuidados intensivos", depois de em entrevista ao Público-Renascença ter dito que uma reedição da actual solução governativa deveria alargar compromissos à política externa e europeia. O histórico socialista Manuel Alegre defendeu depois que essa intenção de Santos Silva seria um atestado de óbito da geringonça.
Para Negrão Manuel Alegre "já explicou tudo bem explicado", a declaração do número dois do Govcerno "foi um tiro no coração da geringonça" por expor de forma clara as contradições da plataforma parlamentar que suporta o Executivo do PS.
A resposta a Fernando Negrão chegou pelo socialista António Sales. Exaltado, o deputado acusou o social-democrata de ter "a consciência muito pesada! Muito pesada!"
Acusou o PSD de cortar nos seus orçamentos, enquanto o PS está a repor. "Replicam mentiras até que pareçam verdades", gritou, apoiado pelos colegas de bancada, que fizeram coro e aplaudiram.
A coordenadora do Bloco de Esquerda nota, porém, que não se pode "confundir a exigência popular com os ataques da direita", defendendo que isso "seria o pior dos erros".
"Temos orgulho no que conseguimos", afirmou duas vezes seguidas. A líder bloquista sustentou ainda que os partidos que integram a geringonça têm a "responsabilidade de não vender ilusões" mas alertou que é preciso "investimento agora, não é daqui a 50 anos".
Já depois de sinalizar a determinação do Bloco na prossecução do acordo assinado com o PS em 2015, a coordenadora bloquista terminou a intervenção no plenário com a apresentação de uma espécie de caderno de encargos que o Governo precisará corresponder para ter apoio do partido liderado por Catarina Martins aquando da votação do Orçamento do Estado para 2019.
Catarina Martins mostra-se disponível para negociar um documento orçamental que "reforce o investimento na saúde, transportes, educação, ciência e cultura, que faça justiça nas pensões antecipadas das longas carreiras, que baixe o preço da energia".
A líder do BE disse ainda que o seu partido dirá presente no apoio ao OE-2019 se o mesmo permitir aumentar o salário mínimo, vincular os trabalhadores precários, travar os despejos e construir respostas públicas na habitação".
"Seremos, como sempre, a força para encontrar soluções. Queira o Governo também encontrá-las com a esquerda."
Assunção Cristas, presidente do CDS-PP subiu à tribuna para retratar um país em que tudo o que corre bem é resultado das políticas e reformas implementadas pelo anterior Executivo de que fez parte, e em que as áreas onde as falhas são maiores são, "ironicamente", as que o Governo "sempre reclamou como exclusivas da esquerda".
No arranque do discurso, a deputada centrista enumerou os problemas para retratar o país, como os "serviços públicos em colapso", os "professores em greve", as "cativações nunca vistas", ou "uma dívida que não se controla".
Depois, frisou que "há menos desemprego, sim graças à reforma laboral" que foi deixada pelo Governo PSD/ CDS-PP. E acusou o Governo de "fantasias de esquerda", de "irresponsabilidade" e de "populismo".
Cristas deu alguns exemplos concretos, como o regresso às 35 horas, uma medida que a deputada diz ter sido tomada para "arranjar votos". Ou o "caos" na saúde, com "unidades de saúde familiar paradas". Também lembrou a "impreparação" de Tancos.
Acusou o Governo de "habilidades", "contradições, "trapalhadas e fragilidades.
Depois, terminou com o apelo a uma "alternativa política", "porque é evidente que este modelo está esgotado". Posicionou o CDS como o partido capaz de devolver essa alternativa, "que não sonha com um Bloco Central de interesses". Frisou que é uma alternativa que "não ambiciona a população toda empregada no Estado, que não "desconfia do lucro", que respeita a liberdade de escolha e que se preocupa com a natalidade, ao mesmo tempo que promete "rigor na entrada e humanidade na integração" dos imigrantes.
Jerónimo de Sousa considera que "o estado da Nação é o estado de um país em que há avanços mas que precisa de outra política para garantir o seu futuro".
O secretário-geral comunista salienta as "medidas positivas" adoptadas nesta legislatura mas considera as mesmas insuficientes. Nesse sentido, Jerónimo garante que o PCP, que "tem tido um papel decisivo nas conquistas alcançadas nesta nova fase da vida política nacional", está disponível para colaborar no sentido de obter mais "avanços".
A exemplo do Bloco, também comunistas afirmam que essa disponibilidade tem de se materializar em medidas concretas e dirigem já exigências a São Bento: investimentos no SNS e medidas que "ponham fim à gula dos privados", na saúde, contagem integral do tempo de serviço dos professores e mais dinheiro para os transportes públicos.
Jerónimo deixou também críticas à legislação laboral negociada entre Governo e patrões, ao abandono do interior e à situação na saúde, que é "particularmente preocupante", e no ensino, que "não é melhor".
Para o líder do PCP, estes "problemas continuam a ser ampliados pelas consequências da submissão às imposições da União Europeia", o que leva Jerónimo de Sousa a concluir que "é preciso fazer escolhas"."Há opções claras que tem de ser feitas," arranca a deputada Heloísa Apolónia, dos Verdes. E define as suas prioridades: os verdes consideram fundamental investir na actividade produtiva, combate às assimetrias regionais, combate à pobreza, investimento nos transportes públicos, recursos para combater poluição.
No final, aproveitou para criticar a "forte demagogia que a direita utilizou neste debate." "Quando governou nada era possível, na oposição tudo é possível. Mas cuidado pede-se aos portugueses porque este discurso em nada corresponde à verdade. Votaram contra tudo o que era para repor dignidade, esta direita é mentirosa", acusou. E as bancadas da direita responderam com uma pateada.
André Silva, deputado do PAN, reconheceu que tem sido possível reduzir o desemprego no país, mas frisou que "no último mês foi atingida a capacidade máxima de regeneração do nosso ecossistema".
"Em Portugal vivemos acima da capacidade do planeta", defendeu o deputado, argumentando que o "défice do país é ecológico".
André Silva criticou ainda que o debate da agricultura se faça sobretudo em torno "da quantidade de milhões" que se conseguem dos fundos comunitários e criticou o Governo por "ignorar os apelos das populações e dos municípios para travar a exploração de petróleo na costa portuguesa", referindo-se à decisão de permitir a prospecção de petróleo ao largo de Aljezur.
O presidente do PS faz balanço da legislatura. E começa por assumir as insuficiências: "Nem tudo o que fizemos foi tudo quanto havia para fazer e nem tudo o que fizemos foi bem feito". Contudo, frisa: "não faltamos à verdade aos portugueses".
O líder socialista lembra às esquerdas que o entendimento encontrado não pode servir apenas para partilhar os louros. "Partilhamos com eles [BE, PCP e PEV] os nossos sucessos, da mesma forma que repartimos as nossas dificuldades".
Mas dito isto, sublinha os sucessos. Lembra que Portugal deverá crescer este ano acima da média da zona euro, tal como em 2017, o que implica que será o segundo ano consecutivo de convergência, ao fim de 17 anos.
Recorda que o tempo da troika resultou num "país ainda mais endividado, menos resistente e social e economicamente depauperado" e coloca nos compromissos com Bruxelas a razão de o Executivo ter de cumprir metas exigentes em termos orçamentais.
"Bem gostaríamos que as metas orçamentais, que agora decorrem dos nossos compromissos europeus, permitissem uma trajectória mais suave de redução do défice e da dívida, ou que outras soluções a pudessem alterar", frisa.
E depois coloca o PS entre "a austeridade persecutória da direita" e as "tarefas impossíveis que comprometeriam a credibilidade da esquerda".
Passando pelas várias áreas de governação – Saúde, Educação, Competitividade da economia, Inovação, Investimento Público – e dando números e indicadores favoráveis ao Governo para todas, garante que a agenda socialista "está longe de estar esgotada".
Foi o ministro Adjunto do primeiro-ministro a assumir a responsabilidade de fechar o debate do estado da Nação. Pedro Siza Vieira discorreu sobre aquilo que de bom resultou da actual governação para sublinhar que os avanços conseguidos foram os possíveis e que é preciso ter cautela para não avançar demasiado e, assim, colocar em risco aquilo que já foi alcançado.
Foi uma intervenção com vários recados para os parceiros da actual maioria. "Não podemos dar passos maiores do que a perna, mas o nosso passo é agora mais firme e mais seguro", declarou o ministro para quem há dois caminhos possíveis: prosseguir o rumo de recuperação de direitos e rendimentos, de crescimento económico e aposta nos serviços públicos; ou seguir um caminho em direcção oposta.
"A alternativa ao compromisso assumido em 2015 [por PS, BE PCP e PEV] terá seguramente um sentido oposto (...) Não sabemos o que seria o caminho alternativo, mas não seria o reforço dos direitos", assegurou.
Siza Vieira sustenta que os "resultados [obtidos] não aconteceram por acaso" e considera que se deveram aos acordos assinados em 2015 pelo PS com o Bloco, o PCP e os Verdes. Foi a geringonça que possibilitou uma "boa política" que, aliada a uma "boa gestão financeira", permitiu que, em 2018, Portugal pague menos mil milhões de euros de juros da dívida pública.
Foi essa "boa política" que tornou possível "aumentar a despesa no SNS em 700 milhões de euros, já este ano, que permitiu a criação de mais de 300 mil empregos, que permitiu o crescimento da receita fiscal que permite retomar níveis saudáveis de investimento público".
Agora, com uma "economia mais sólida e mais robusta" é possível estabelecer "novos objectivos" como o reforço do investimento na ciência e cultura, desenvolvimento do interior, regresso dos emigrantes, reforço dos serviços públicos, transportes, entre outros.
No final do discurso de Siza Vieira, o primeiro-ministro fez questão de se levantar para deixar um sincero elogio à prestação do seu amigo pessoal: "muito bem senhor ministro".
As ideias-chave do debate do Estado da Nação
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A esquerda parlamentar começou o debate mais branda, mas o tom foi subindo, tanto do BE, como do PCP. Mariana Mortágua chegou mesmo a perguntar "o que mudou?" para depois responder que o que mudou foi "a postura do Governo";
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Tanto o BE como o PCP se mostraram disponíveis para o debate do Orçamento do Estado e deixaram os primeiros cadernos de encargos. Ainda em linhas gerais, apontaram baterias ao reforço dos direitos dos trabalhadores, cuidados adicionais com o acesso à habitação e mais investimento público, com destaque para a saúde e os transportes;
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O PS reafirmou a vontade de continuar o caminho da "geringonça", mas não prescinde do respeito pelos compromissos orçamentais assumidos com Bruxelas, nomeadamente em matéria de défice e dívida. Este é um ponto de divergência entre os socialistas e as esquerdas que vai dificultar as negociações do Orçamento;
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Os socialistas assumem que o país podia estar melhor, mas sublinham os progressos alcançados. Reconhecem o contributo da esquerda para conseguir esses sucessos, mas Carlos César frisou que as dificuldades também têm de ser "repartidas";
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O PSD não dá indicação sobre o Orçamento do Estado, mas critica o caminho seguido pelas esquerdas. Fernando Negrão conseguiu unir a bancada em aplausos sucessivos. O argumentário dos sociais-democratas é o de que o Governo está a beneficiar das reformas implementadas pelo anterior executivo de direita, bem como a ser ajudado pelas condições externas favoráveis, como por exemplo a política do BCE. Mas acusa o primeiro-ministro de não estar a conseguir aproveitar devidamente esta conjuntura;
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O CDS retratou o país como estando caótico e acusou o Governo de falhar precisamente nas áreas fundamentais para a esquerda – saúde, educação, transportes, habitação. Posicionou-se como alternativa de Governo, procurando distinguir-se até do PSD, na medida em que não procura o Bloco Central.