Notícia
Relvas revisita Grândola: “Trauteei a canção porque senti a mesma liberdade dos que interromperam um debate democrático”
Uma década após ter balbuciado a música de Zeca Afonso, que foi entoada por um grupo de manifestantes que interrompera o seu discurso, o antigo ministro de Passos Coelho assina um depoimento em que defende que “a liberdade não pode ser nacionalizada por alguns sectores políticos”.
"25 de Abril sempre! Fascistas nunca mais", "gatunos" e "demissão", gritaram os manifestantes, interrompendo Miguel Relvas quando discursava no Clube dos Pensadores (CdP), em Gaia, na noite de 18 de fevereiro de 2013, pelas 21h40.
O então ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares tinha começado a falar há apenas cinco minutos, quando foi interrompido por cerca de duas dezenas de manifestantes, que cantaram "Grândola, Vila Morena" e exigiram a sua demissão.
Relvas ainda tentou dirigir-se aos manifestantes, mas a sua voz foi abafada pelos protestos. "Sim, vamos todos cantar", disse Miguel Relvas, que só conseguiu retomar o seu discurso depois de o grupo ter saído por sua iniciativa da sala.
Menos de dois meses depois, demitiu-se de ministro.
"Tinha sido o grande estratega da ascensão de Pedro Passos Coelho a líder do PSD e, mais tarde, primeiro-ministro. Nesse tempo, havia um problema com a sua licenciatura e de alguns dossiers controversos como a TAP (adiada a privatização), RTP (optou pela reestruturação) e conseguiu impor a reforma Administrativa Local", relembra Joaquim Jorge, fundador do Clube dos Pensadores.
Para assinalar os 10 anos do momento que colocou Relvas a balbuciar algumas palavras da música de Zeca Afonso, que se comemora no dia 18 do próximo mês, Joaquim Jorge pediu ao antigo governante um depoimento para assinalar a data, que o Negócios publica integralmente de seguida:
"Foi com gosto que participei no debate de Fevereiro de 2013 apesar da fortíssima pressão mediática que então se fazia sentir sobre o XIX Governo Constitucional. Estávamos a governar condicionados pelas imposições da troika, convém recordar, decorrentes da iminente falência do Estado herdada do anterior governo socialista. O ambiente social era necessariamente tenso e foi também por isso que aceitei o desafio.
Fi-lo com humildade democrática: porque era preciso explicar e voltar a explicar quantas vezes fossem necessárias as medidas que estavam a ser tomadas neste contexto de constrangimentos. Acredito que a democracia deve ser vivida em proximidade e debate aberto com os cidadãos. Fi-lo também em nome da liberdade e foi exactamente assim que encarei o momento em que algumas pessoas começaram a cantar a "Grândola, Vila Morena".
Naquele momento, também eu trauteei espontaneamente a canção porque senti a mesma liberdade dos que interromperam um debate democrático.
A proximidade das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril (1974/2024) representa, também por isso, uma oportunidade para reafirmar a responsabilidade que se impõe a todos os governos para aprofundar todas as formas de viver a democracia e o dever de humildade que deve orientar o exercício das funções governativas.
A liberdade não pode ser nacionalizada por alguns sectores políticos, minoritários, diga-se, porque a liberdade não tem donos. Foi assim que encarei todos os debates ao longo da minha carreira ao serviço da política e assim irei continuar: um radical defensor de todas as liberdades."