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Portas desmonta Trump e aconselha pragmatismo no Brexit
Preocupado com a "receita europeia para o desastre", o ex-chefe da diplomacia portuguesa coloca-se "entre o fanatismo da CNN e o da Fox News" e sustenta que "no final do dia, o novo presidente americano não quer carregar no botão".
Paulo Portas aconselha os europeus a habituarem-se à ideia de que Donald Trump vai mesmo liderar a maior potência do mundo como fazia nas suas empresas: "permanentemente ao ataque" e a achar que "para vencer deve muitas vezes levar as tensões até situações limite", mas também recuando se estiver perante um impasse.
"Vai endurecer a retórica, mas no final do dia não quer carregar no botão, quer chegar a um acordo favorável aos interesses do Estado. (...) Vai mudar frequentemente de opinião e não vai ser por isso penalizado pelo eleitorado. Ninguém espera a coerência num bilionário, mas eficiência. E se achar que deve mudar de opinião para ser mais eficiente, vai fazê-lo", resume o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros.
Portas considera que "entre o fanatismo da CNN e o fanatismo da Fox News haverá um lugar razoável" para o entendimento de Trump, apontando três palavras essenciais para compreender a sua acção: nativismo, proteccionismo e isolacionismo. E o que há de novo, segundo ele, é que o novo presidente dos EUA é "o primeiro a ter estas prioridades ao mesmo tempo, a agir e discursar como se não tivesse outras e a fazê-lo em globalização". "Agora não me venham dizer que, na substância, estes conceitos políticos foram inventados agora", acrescentou.
Durante uma intervenção nas Conversas na Bolsa, no Porto, lembrou que Obama foi o presidente que mais mexicanos deportou e Bill Clinton o que mais quilómetros de muro construiu entre os EUA e México. E questionou "desde quando é que uma empresa portuguesa entra facilmente no mercado público americano", respondendo que aquele país "vive num proteccionismo assimétrico, pelo menos, desde a Grande Depressão" e que é "liberal a vender e proteccionista a comprar".
Quanto ao isolacionismo, Portas sublinhou que a retórica de Obama apenas foi multilateral para se distinguir dos antecessores Clinton e de Bush, que eram expansionistas. "Mas o que fez Obama se não tirar os EUA de todos os teatros de guerra? Obama já estava do lado do isolacionismo. De modo estridente, o presidente Trump continua esse caminho", completou.
Europa para o "desastre" e Brexit em versão suave
O ex-líder do CDS e actual vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria antecipa que um cenário de maior crescimento económico nos primeiros anos do mandato, impulsionado por "uma revisão do IRC que fará Ronald Reagan parecer um social-democrata", pelos planos de desregulação do mercado e pelo programa de investimento em infraestruturas.
Neste cenário, Portas confessou estar "bastante preocupado com o estado da Europa que, face aos EUA, cresce metade, tem o dobro do desemprego, investe metade em pesquisa e desenvolvimento e tem cem vezes menos disponibilidade de "venture capital". "Mas acham que os americanos é que estão errados. Esta fixação no erro é desastrosa. A Europa não tem crianças, é contra os imigrantes, é a favor dos direitos adquiridos sem saber como os pagar. Isto é uma receita para o desastre", dramatizou.
Seguidor confesso de uma abordagem "realista e pragmática" da política externa, o homem que liderou a diplomacia portuguesa durante a primeira metade do mandato do anterior Governo questionou ainda "por que é que europeus e americanos olham para a Rússia com os mesmos olhos com que olhavam para a União Soviética".
E neste almoço-debate no Palácio da Bolsa, onde estiveram também Paulo Rangel, Nuno Melo e Rui Moreira, Portas aproveitou para recomendar "pragmatismo" no acordo que será firmado a propósito do Brexit. "Não só porque ambos querem fazer comércio, mas por razões de segurança convém haver boas relações entre o continente e o Reino Unido", argumentou, concluindo que este "é um assunto sério demais para se estar a criar uma relação impossível" entre os dois blocos.