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Marcelo critica elites distantes do povo e recusa lições de direito constitucional
O Presidente da República criticou hoje "as chamadas elites" que são distantes do povo, questionou se é defeito seu "ter razão antes de tempo" e recusou lições sobre os seus poderes de quem desconhece o direito constitucional.
Marcelo Rebelo de Sousa deixou estas mensagens, e falou também sobre a importância de se "saber sair a tempo", durante uma aula aberta sobre o tema "Atlântico", na Universidade dos Açores, em Ponta Delgada, que durou mais de uma hora e meia.
O chefe de Estado referiu-se ao direito constitucional português a propósito do sistema de governo dos Estados Unidos da América, declarando: "Sabem que não há nada como conhecer direito constitucional para se perceber os poderes constitucionais dos titulares dos órgãos de soberania".
"Portanto, não há nada como ser professor de direito constitucional para se saber o que se pode fazer e o que não se pode fazer, sem ter de receber lições de quem não sabe direito constitucional", acrescentou.
Antes, em resposta a uma pergunta sobre a lusofonia, Marcelo Rebelo de Sousa lamentou que "durante tempo de mais", no período de integração na União Europeia, essa não tenha sido uma prioridade.
"Mas eu, sobre essa matéria, tenho sempre uma dúvida essencial: se é meu defeito ter razão antes de tempo - isso só me tem causado os maiores problemas -, ou é defeito alheio o chegar sempre tarde a compreender coisas relativamente óbvias", observou, em seguida.
O Presidente da República disse que isso de "ter razão antes de tempo" lhe acontece "muitas vezes" e que enquanto professor se absteve de falar de "certas realidades" com os colegas.
Provocando risos, explicou o motivo: "Para não ser considerado o responsável pela sua ocorrência, porque, tendo dito com antecedência que poderiam ocorrer, depois fico uma espécie de causa daqueles efeitos".
Na assistência, estavam o actual presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro, e o antigo titular desse cargo João Bosco Mota Amaral, que Marcelo Rebelo de Sousa saudou como "um amigo de há 51 anos".
Nesta aula aberta, o chefe Estado fez um discurso de cerca de 45 minutos e no final afirmou que se sente bem como professor - "aquilo em que sou melhor do que em tudo o resto por onde passei ou onde me encontro".
Antes de responder a perguntas, falou sobre a necessidade de "reestruturação permanente" das universidades.
Neste contexto, comentou: "É desagradável para os velhinhos como eu, é, mas eu fui dos primeiros a aceitar aquilo que ao mesmo tempo é penoso, que é saber sair a tempo. Que é o mais difícil, como sabem, do futebol à política".
"Mas noutros domínios é preciso saber sair a tempo, e os professores também têm de saber sair a tempo", reforçou.
Após ter respondido a perguntas durante perto de uma hora, o Presidente da República deixou ainda dois recados, uma crítica às "chamadas elites", e um pedido aos jovens estudantes para que, no futuro, "por amor de Deus, não se isolem em torres de marfim".
"Há realidades essenciais para a nossa vivência colectiva relativamente às quais as chamadas elites - não vamos agora discutir o que são, se o são verdadeiramente e como o são - se dispensam de realmente partilhar com o povo aquilo que é essencial para poder ser assumido como verdadeiramente nacional. E todos nós perdemos com isso", considerou.
Como exemplos, apontou a atitude em relação às comunidades portuguesas no momento de lhes assegurar participação política e a falta de pedagogia europeia sobre o funcionamento da União Europeia.
Dirigindo-se aos estudantes açorianos, o chefe de Estado pediu-lhes que tenham a noção de que "em Portugal ainda são privilegiados" e que, quando se formarem, trabalhem em função da sociedade onde vivem, "não se esqueçam da comunidade".
"É fundamental a ideia de não se fecharem. E, quando pensarem em projectos para o país, pensem mesmo no país todo. Porque, se o não fizerem, nascem os populismos, fruto de as pessoas não saberem, de terem medo, de se sentirem marginalizadas", argumentou, concluindo: "Está nas vossas mãos".
O Presidente da República encontra-se nos Açores desde quarta-feira e ficará na região até sábado, para visitar as duas ilhas do grupo oriental, Santa Maria e São Miguel, completando assim o périplo que fez em Junho pelas outras sete ilhas do arquipélago.