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Lei de Bases da Saúde provoca nova disputa de louros na geringonça
O Bloco de Esquerda anunciou ter chegado a acordo com o Governo para acabar com as PPP na Saúde e com as taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários e nos atos prescritos. O Executivo prontificou-se a desmentir um acordo e o PCP disser ser "prematuro". Este é mais um capítulo na competição pelo crédito das medidas a surgir no seio da geringonça.
O Bloco de Esquerda anunciou esta quarta-feira ter chegado a acordo com o Governo sobre um conjunto de alterações à proposta governamental da Lei da Bases da Saúde. O Governo desmentiu e o PCP disse ser ainda "prematuro" falar num acordo sobre a matéria. Afinal em que é que ficamos?
Como nota prévia convém esclarecer que tornou-se normal, no âmbito da geringonça, um partido anunciar o acordo sobre uma matéria como forma de se antecipar aos restantes como autor da medida e assim beneficiar eleitoralmente da criação dessa perceção junto da opinião pública.
Os bloquistas revelaram que as suas intenções quanto à nova Lei de Bases mereceram concordância do Executivo socialista, em particular nos quatro eixos considerados fulcrais pelo partido liderado por Catarina Martins: parcerias público-privadas (PPP), supletividade na prestação de cuidados de saúde, taxas moderadoras e valorização dos profissionais.
Nestas destaca-se o fim das PPP depois do término dos contratos em vigor e a extinção das taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários e nos atos prescritos no SNS. No entanto, o líder parlamentar do Bloco, Pedro Filipe Soares, sublinhou esperar que no "processo de discussão das diversas propostas de alteração" aquelas intenções não sejam desvirtuadas pela direita.
Confrontado com este anúncio, o Governo fez um comunicado onde esclarece que o processo não está fechado, que prossegue no Parlamento e que "qualquer acordo nesta matéria será necessariamente estabelecido pelos partidos". Ou seja, para ser aprovada uma nova Lei da Bases é necessária uma maioria parlamentar que, tento em conta a intenção do Governo em negociar esta matéria à esquerda, exige os votos de PS, Bloco, PCP (e Verdes).
Na nota em causa, o Executivo frisa que o anúncio do Bloco diz respeito a "uma versão de trabalho" que não exclui a necessidade de garantir "convergência" entre os partidos, sublinhando existir "expectativa" quanto a um acordo.
Ao Negócios, a deputada comunista Carla Cruz realça os "avanços" conseguidos nas negociações em curso mas afirma que estes ficam "aquém das propostas do PCP", em especial no que toca às taxas moderadoras e às PPP. Quanto ao anúncio feito pelo Bloco, a deputada frisa que o PCP não tem por hábito analisar os "comportamentos que outros adotam".
O Bloco defende-se, através de fonte oficial, dizendo que foi o primeiro-ministro António Costa quem, no debate quinzenal de há duas semanas, revelou publicamente ter remetido para os bloquistas a respetiva proposta de Lei de Bases da Saúde. Depois de a coordenadora do BE, Catarina Martins, ler lançado o isco defendendo ser "o momento para acabar com as taxas moderadoras que não moderam nada mas são um obstáculo", António Costa admitiu essa possibilidade para a próxima legislatura.
A mesma fonte esclarece que o Bloco se limitou a manifestar acordo com a proposta governamental, realidade agora posta de parte com os bloquistas a adotarem como "seu" o texto previamente acordado com o Executivo num esforço que visa "contribuir para a mais forte convergência" nesta questão.
Tal como em todas as outras questões negociadas no âmbito da geringonça nesta legislatura, as conversações decorrem individualmente entre Governo e cada um dos partidos. A proposta do Governo para nova Lei de Bases da Saúde serve de base de trabalho, sendo que agora os partidos, em sede de discussão parlamentar do dossier na especialidade, poderão apresentar as respetivas propostas de substituição.
A expectativa do Governo, sabe o Negócios, é de que no final deste processo exista uma maioria parlamentar de esquerda capaz de aprovar uma proposta que combine as diferentes propostas de alteração que PS, Bloco e PCP coloquem em cima da mesa.
Outras disputas na geringonça e anúncios "prematuros"
As negociações para os quatro Orçamentos do Estado aprovados na atual legislatura foram momentos propícios à corrida pelos méritos das medidas da geringonça. Um exemplo aconteceu em outubro último com o PCP a anunciar a eliminação do fator de sustentabilidade nas pensões antecipadas para quem se reforme com mais de 60 anos e 40 de descontos.
Dessa feita foi o deputado do Bloco, José Soeiro, a considerar "prematuro" o anúncio feito pelo líder parlamentar comunista João Oliveira. Dois dias volvidos e o Bloco anunciava ter alcançado um acordo com o Governo para eliminar o fator de sustentabilidade dessas pensões antecipadas até outubro deste ano (três meses antes do que tinha anunciado o PCP).
Dias depois, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, anunciava a contrapartida de que os dois partidos nunca falaram: iria apertar as regras de acesso às pensões antecipadas, que ficariam limitadas a quem tenha 40 anos de carreira quando faz 60 anos de idade (uma medida que face à polémica gerada acabou por ficar suspensa).
Outro caso caricato deu-se um ano antes, quando Bloco e PCP disputaram primazia no fim ao corte de 10% aplicado ao subsídio de desemprego. Apesar da concordância sobre o conteúdo das propostas apresentadas por cada um dos partidos, em grande medida coincidentes, bloquistas e comunistas digladiaram-se para que a respetiva proposta fosse a primeira a ser votado. Porquê? Para poderem reclamar a autoria da medida.
Também na discussão do último orçamento, Bloco e PCP defendiam a introdução de um novo escalão no adicional ao IMI (AIMI). De acordo na substância, os dois partidos discordavam acerca do valor patrimonial sobre o qual deveria incidir essa taxa agravada e sobre a própria taxa a aplicar. Acabou por prevalecer o novo escalão do AIMI sobre o património superior a 2 milhões de euros como o Bloco queria e uma taxa de 1,5% como proposto pelo PCP.
O caso mais recente prende-se com a autoria da medida dos passes sociais, situação em que Bloco, PCP e também o Governo puxaram para si os méritos desta política de mobilidade com evidente potencial eleitoral.