Notícia
Balanço de Relvas é verdadeiro ou falso?
Na sua declaração de ontem ao País, Miguel Relvas fez o "balanço do que foi conseguido nos últimos dois anos em algumas das áreas mais relevantes cuja responsabilidade me estava atribuída". O Negócios confrontou as afirmações do ex-ministro com os factos, devidamente enquadrados. E o Negócios lembra também outros dossiers onde Miguel Relvas interveio, mas que não foram referidos na sua declaração.
Reforma das freguesias
Desde logo através da reorganização do mapa autárquico, traduzido na redução de 1.167 freguesias, criando condições para racionalizar os escassos recursos financeiros disponíveis e para [...] corresponder melhor aos legítimos anseios das populações.
Miguel Relvas destacou os ganhos de escala da reforma, que vão permitir satisfazer os "anseios das populações". O ex-ministro omitiu, contudo, o facto de a esmagadora maioria dos municípios e freguesias ter sido contra esta reforma - inclusive Tomar, onde Relvas preside à Assembleia Municipal. A Associação Nacional de Freguesias pediu, inclusivamente, a inconstitucionalidade da lei, mas ainda não há uma decisão conhecida.
Segundo contas do Executivo, as poupanças com a reforma das freguesias vão rondar os 10 milhões de euros por ano. As principais críticas que foram lançadas a esta reforma dizem respeito à perda de identidade que resulta das agregações que foram feitas de forma automática - quando o município não tomou a iniciativa. Várias das novas freguesias vão denominar-se "União das Freguesias" e vão ter apenas uma sede, que, em vários casos, só será definida depois das eleições autárquicas.
Como prémio de compensação, o Governo atribuiu um aumento de 15% nas transferências do Orçamento do Estado para as freguesias que se fundiram voluntariamente. Por outro lado, como as freguesias agregadas são considerados novos territórios, os autarcas com três ou mais mandatos que queriam voltar a candidatar-se acabaram por beneficiar com esta reforma. Muitos autarcas vêem esta reforma como uma medida imposta de cima para baixo, sem ouvir as populações, para obedecer a uma ordem da troika que, soube-se entretanto, não terá compreendido verdadeiramente a diferença entre municípios e freguesias.
Empresas municipais
A "reforma da estrutura empresarial local, que conduziu a que, num total de 400 entidades, se conseguisse avançar com a fusão e a extinção de 212, invertendo assim uma situação que se tornava cada vez mais insustentável".
Foi uma das principais bandeiras do Governo. Vistas como um "Estado Paralelo" que escapavam à democracia (os administradores são nomeados e não eleitos) e que serviam para fazer o trabalho "sujo" das câmaras, as empresas municipais foram eleitas, desde cedo, como um alvo a abater. A primeira tarefa foi concluir o Livro Branco do Sector Empresarial Local, iniciado ainda no último Governo de Sócrates, que identificou 392 empresas municipais e uma dívida total de 2,4 mil milhões de euros.
A isso seguiu-se um diploma que faz depender a sobrevivência da empresa dos bons resultados que obtenha, e de uma baixa dependência dos subsídios camarários. Isso obrigou a extinguir 212 destas estruturas, a maioria através de fusão com outras empresas municipais. O Governo também chegou a suspender a criação de novas empresas municipais. Foram também reduzidos os salários dos administradores destas empresas.
Tal como o Negócios noticiou, em 2010 eram os executivos sociais-democratas que concentravam a maioria das empresas municipais, com Maia (oito) e Gaia e Cascais (cada uma com sete) à cabeça. Entretanto, estes municípios reduziram estas estruturas. A reacção das autarquias não se fez esperar: alegando desigualdade de tratamento com as empresas públicas, as autarquias pediram a inconstitucionalidade desta lei, mas ainda não obtiveram resposta. As empresas municipais dão trabalho a cerca de 14 mil pessoas, e nem todas possuem vínculo público. Não se sabe quantas podem ser integradas nos municípios.
RTP
"A empresa tem hoje em marcha um processo de reestruturação que a tornará mais capaz de resistir aos desafios de um sector em acelerada fase de mutação e, sobretudo, de prestar um serviço público de ainda melhor qualidade".
Miguel Relvas avançou que, com o seu legado, a despesa da RTP desceu dos 270 para os 210 milhões de euros entre 2011 e 2013, o que, aproximadamente, significa que os gastos avançados pelo ministro correspondem aos valores que constam no Relatório e Contas de 2011, de 268,4 milhões de euros, e à projecção para 2013, de cerca de 205 milhões de euros. O gastos totais em 2011, porém, subiram para 306,6 milhões de euros, fruto dos 38,2 milhões de euros referentes a custos de reestruturação, repartidos por custos de pessoal e por provisões. Tendo a RTP recebido, em 2009, uma indemnização compensatória de 109 milhões de euros, tal como referido por Miguel Relvas, os valores projectados para 2013 são de 42,3 milhões de euros, de acordo com o Plano de Desenvolvimento e Redimensionamento.
Para 2013, no seu discurso, o ministro adiantou que a indemnização compensatória seria de 52 milhões de euros. Em relação à diminuição de encargos da empresa, o ministro com a tutela da comunicação social não referiu que, em função da quebra de receitas para 185 milhões de euros prevista para 2014, a empresa terá de efectuar cortes de 28% nos gastos de pessoal. Ou seja, em 2014 a RTP apenas poderá gastar 55,2 milhões de euros com os seus quadros, quando até aqui os custos eram de 76,2 milhões. Esta orientação conduziu à abertura de um processo de rescisões voluntárias. Mas, caso a meta não seja atingida, a administração poderá avançar com um despedimento colectivo. O plano, recorde-se, surgiu como alternativa à privatização.
Impulso jovem
Graças a essa iniciativa [Impulso Jovem], mais de 10.000 jovens já se candidataram à frequência de estágios remunerados com a duração de doze meses.
Os dados divulgados por Miguel Relvas podem até estar correctos, mas não contam a história toda. O ministro não revelou qual a execução efectiva do programa, que até Janeiro permanecia muito abaixo das estimativas. O "Impulso Jovem" foi lançado em Agosto sob a sua coordenação, envolvendo medidas da tutela dos Ministérios da Economia ou da Segurança Social. Consiste em vários incentivos, como apoios à contratação através da devolução de parte da taxa social única e uma série de programas de estágios.
Nos últimos meses, o gabinete do ministro tem apenas revelado dados parcelares, relativos às candidaturas feitas, mas mais relevante é o número das que já foram aprovadas e estão efectivamente no terreno. Um dos relatórios fornecidos aos parceiros sociais revela que até ao início de Janeiro houve 3.387 candidaturas que abrangeram 1.350 jovens. Quando lançou o programa o Governo previa que chegasse a 90 mil pessoas. Face a programas anteriores, estas medidas até são mais flexíveis, na medida em que exigem menos contrapartidas. Mas convém ter em conta que no sector privado a decisão de candidatura ao estágio não é dos jovens, mas sim das empresas. E como as empresas fazem menos contratações, os incentivos como estes perdem interesse.
Para os números citados pelo ministro pode bem ter contribuído o programa de estágios na administração central, entretanto lançado. O Governo reconheceu que a execução do Impulso Jovem estava a ser fraca, o que levou a uma recente reformulação.
PAEL
Resgate às câmaras tem um ano, mas o dinheiro tarda em chegar
Em Maio do ano passado, e com a bênção de Vítor Gaspar, Miguel Relvas assinou com a Associação Nacional de Municípios um acordo que disponibilizava mil milhões de euros para as câmaras pagarem dívidas a fornecedores, com o objectivo de injectar liquidez na economia local. As candidaturas foram aceites até início de Outubro, e em Novembro, 82 câmaras assinaram contratos de financiamento. As mais aflitas, incluindo Portimão, que pediu 100 milhões de euros para pagar aos seus fornecedores, não assinaram nessa altura. Para além de um quarto da verba inicial não ter sido atribuída, o dinheiro só seguiu, até 22 de Março, para 55 câmaras. O que significa que cinco meses depois da assinatura dos contratos, 57 câmaras ainda não receberam qualquer euro e, destas, mais de metade ainda nem assinou contratos. O gabinete de Relvas atirou a responsabilidade para a Direcção-Geral de Tesouro e Finanças, a quem cabe assinar os contratos e libertar as verbas.
Finanças locais
Governo reduz as verbas para as câmaras
O Governo entregou no Parlamento uma nova Lei das Finanças Locais que extingue o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e que garante aos municípios uma receita anual de cerca de 450 milhões de euros. Além disso, o Governo quer canalizar 1% do IMI urbano para as freguesias (até agora, pertence na íntegra aos municípios). O Governo também quer criar o Fundo de Apoio Municipal, uma espécie de fundo de resgate, que todas as câmaras devem ajudar a financiar, para apoiar as que estiverem em maiores dificuldades. A Associação Nacional de Municípios estima que a quebra nas receitas das câmaras ascenda a 900 milhões de euros até 2016. O Parlamento tem de aprovar a lei, que ainda pode ser alterada pelos deputados.
Totonegócio
Futebol pagou, mas manteve receitas dos jogos sociais
Miguel Relvas negociou com a Federação Portuguesa de Futebol uma solução para a segunda fase do Totonegócio, que implicava o pagamento de um montante de 13 milhões de euros, relativo às dívidas dos clubes reclamadas pelo Fisco e que as receitas dos jogos sociais a que os clubes de futebol tinham direito não foram suficientes para cobrir. Os clubes de futebol "não estão acima da lei" e devem pagar o que devem, proclamou o ministro. E, de facto pagaram. A Federação adiantou o dinheiro e substituiu-se aos clubes, depois de, por sua vez, ter recebido do Estado uma verba de cerca de seis milhões de euros que reclamava do Instituto do Desporto. Contas saldadas, a Federação também recolheu os seus benefícios: com Miguel Relvas ficou acordado que os clubes continuariam a receber uma percentagem das receitas dos jogos sociais, valor que, aliás, reverterá a favor da Federação até que cada clube tenha totalmente saldada a sua dívida.