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Os temas quentes da primeira audição de Lagarde: a revisão estratégica e a emergência climática

A audição era sobre política monetária, mas o foco esteve nas alterações climáticas. Lagarde não quis comprometer-se, mas nas entrelinhas deixou pistas sobre o que gostaria de ver o BCE fazer no futuro.

EPA
02 de Dezembro de 2019 às 18:35
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Numa audição de duas horas e meia, Christine Lagarde respondeu pela primeira vez às questões dos eurodeputados enquanto presidente do Banco Central Europeu (BCE). Um mês após ter tomado posse, a francesa assumiu formalmente a revisão da estratégia, mas sem se comprometer com mudanças, acalmando as expectativas sobre o que poderá fazer na frente climática.

Revisão da estratégia: muito a discutir, ainda muito por concluir
No centro da discussão da política monetária atual está a revisão da estratégia que será feita "em breve" e que levará a discussão as ferramentas e os pressupostos com que o BCE atua desde 2003. Neste tema a presidente do BCE explorou as várias possibilidades que vão ser discutidas, mas garantiu que não há decisões dado que a palavra final cabe ao coletivo do Conselho do BCE. 

Em resposta aos eurodeputados, Lagarde afirmou que quer atingir o objetivo atual de uma inflação próxima, mas abaixo de 2% "o mais rapidamente possível", mas admitiu que era imprudente fazer previsões a oito anos para saber se o iria alcançar durante o seu mandato. "O objetivo é esse atualmente, mas pode ser diferente quando a revisão da estratégia estiver completa", disse, sugerindo que poderá mudar dado que os tratados europeus deixam em aberto a concretização da expressão "estabilidade de preços". 

Um dos pontos que vai ser debatido dentro do BCE, tal como acontece na Reserva Federal norte-americana, é a simetria do objetivo, isto é, a possibilidade de a inflação ficar acima da meta durante algum tempo para compensar o período em que esteve abaixo do objetivo. O ex-presidente do BCE, Mario Draghi, já tinha referido a importância da simetria e Lagarde reiterou-a. "Todas as opções têm de ser analisadas", disse, assinalando que o objetivo de inflação pode vir a assumir várias tonalidades.

Contudo, as notícias até ao momento sugerem que existem divergências entre os governadores sobre o rumo que o banco central deve tomar, o que também ficou visível na reunião de setembro quando foi adotado um novo pacote de estímulos para a Zona Euro. "Teremos de lidar com as divergências", admitiu Lagarde, referindo que o ideal seria mostrar união mas que a diferença de opiniões é normal nos bancos centrais. 

Emergência climática: não é o foco, mas é uma preocupação
Foi o tema que mais captou a atenção dos eurodeputados, após a presidente do BCE ter mostrado essa preocupação em setembro na audição enquanto nomeada para o cargo. Mas estes não conseguiram mais do que vontades por parte de Lagarde que, para já, não pode assumir compromissos sobre o que é que o banco central vai fazer neste âmbito. "A palavra final não é minha... as propostas terão de ser debatidas", ressalvou. 

"O mandato número um do BCE não será a luta contra as alterações climáticas", explicou, argumentando que esse será um elemento a ter em conta na revisão da estratégia mas que não poderá ser central. Apesar de não se comprometer, a presidente do BCE deu exemplo: as alterações climáticas devem estar incluídas na análise macroeconómica (nos modelos padrão que são utilizados para fazer previsões), na avaliação feita pela supervisão bancária aos ativos dos bancos e também no programa de compras do BCE. 

"Espero sinceramente que como parte da nossa revisão, seja possível - se o Conselho do BCE concordar - incluir as alterações climáticas de forma a determinar como é que o BCE pode ter um papel [nessa área]", disse a francesa, assumindo que é "vital" que se conclua a discussão internacional sobre a taxonomia no setor financeiro para que seja possível catalogar os instrumentos financeiros de mais ou menos verdes. 

Política orçamental é necessária
É outro dos temas que marcou o final do mandato de Mario Draghi e que se manteve na agenda no início do atual mandato. A política orçamental tinha sido o alvo de um dos primeiros discursos de Christine Lagarde enquanto presidente: "O investimento é uma parte importante da resposta aos desafios atuais porque é ao mesmo tempo a procura de hoje e a oferta de amanhã", disse há duas semanas em Frankfurt. 

Hoje, perante as questões dos eurodeputados, a presidente do BCE reiterou que a eficácia da política monetária "seria maior" se outras políticas macroeconómicas, como a política orçamental através de um maior investimento público, também viessem a jogo. Para Lagarde "o BCE não pode ter um papel chave no investimento a não ser proporcionando custos atrativos de financiamento, encorajando o investimento em inovação, investigação & desenvolvimento (I&D), o que irá melhorar a produtividade". 

Além disso, questionada sobre a iniciativa do novo instrumento orçamental para a convergência e a competitividade (BICC, na singla em inglês), a francesa enfatizou a sua importância, mas manteve a linha do seu antecessor: é preciso uma capacidade orçamental ao nível da União Económica e Monetária, como existe noutras uniões monetárias, que tenha uma função de estabilização macroeconómica. 


O futuro do dinheiro

Com as criptomoedas, as stablecoins e novos métodos de pagamentos a surgir pela mão de novos agentes económicos - onde o exemplo principal é a iniciativa liderada pelo Facebook (libra) -, a audição da presidente do BCE também passou por este tema. Em suma, celebrou-se a inovação nesta área, mas acautelou-se os riscos.

"Temos de mudar devagar" nesta área, avisou Lagarde, "consciente dos riscos" que um novo paradigma poderá causar na transmissão da política monetária e no funcionamento do sistema internacional. Exemplo disso é a possível criação de uma moeda digital por parte dos bancos centrais, algo que já está a ser estudado, por exemplo, na Suécia. "A questão sobre as moedas digitais dos bancos centrais e o seu design ótimo ainda precisa de mais análise", vincou.

Igualdade de género
Um tema muito caro à presidente do BCE foi introduzido pelos eurodeputados que referiram a imagem de um retiro informal do conselho do BCE em que Christine Lagarde aparece como a única mulher num coletivo de 25 pessoas - uma situação que deverá mudar em breve quando Isabel Schnabel for confirmada para a comissão executiva. "Não é uma representação razoável da nossa sociedade", notou Lagarde, ressalvando que tem bastante apreço por todos os seus colegas masculinos. 

Contudo, a presidente do BCE admitiu que essa questão vai além da sua capacidade de decisão uma vez que são os Estados-membros quem escolhe os membros executivos do BCE e os governadores dos bancos centrais nacionais. "Talvez vocês aqui possam ter um papel nisso", sugeriu aos eurodeputados, referindo até que "teria todo o prazer em dar alguns nomes". "Acho que estou a dizer coisas que não são politicamente corretas, mas estou a falar sentidamente", concluiu.

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