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Discurso de Lagarde foi "incendiário, sem pedagogia e sem sensibilidade social"
Luís Marques Mendes considera que a presidente do BCE "incendiou" o país com os anúncios de novas subidas de juros e que a forma como o fez foi lamentável.
No seu espaço habitual de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes teceu duras críticas à presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, considerando que "incendiou" o país com os anúncios de novas subidas de juros pela forma como o fez.
Por cá, recordou, as reações não se fizeram esperar: "o Presidente da República e o primeiro-ministro responderam-lhe à letra, com dureza". No seu entender, "nada disto surpreende: cada um está a cumprir o seu papel. O BCE está a cumprir a missão que lhe foi confiada pelos Tratados: garantir a estabilidade de preços. Combater a inflação. Os políticos estão a cumprir o seu papel de fazerem pressão política. São estatutos diferentes. Nada de surpreendente".
"A novidade está no discurso da presidente do BCE. Qualquer decisão tem uma vertente de conteúdo e outra de forma. Aqui, a forma foi lamentável: um discurso incendiário, sem pedagogia e sem sensibilidade social", apontou Marques Mendes.
O antigo líder do PSD considerou que o discurso foi incendiário pelo facto de Lagarde "acusar os salários de serem os ‘culpados’ da inflação e pedir aos governos para cortarem nos apoios aos mais fracos", o que, no seu entender, "só gera indignação". "Mario Draghi nunca faria um discurso destes", afiançou.
Quanto à acusação de que se tratou de um discurso sem pedagogia, Marques Mendes sublinhou que o que se esperava do BCE era precisamente o contrário. Esperava-se um discurso pedagógico "a explicar os malefícios de uma inflação alta e prolongada no tempo. Sobretudo para os mais pobres. Ao contrário, o que saiu foi um discurso punitivo. Ao pior estilo da troika, entre 2011 e 2014".
"Um discurso com esta insensibilidade social só serve para indignar as pessoas e reforçar o populismo", apontou o comentador, que foi presidente do PSD entre 2005 e 2007.
Na sua opinião, "aqui chegados, só resta um caminho: apoiar os cidadãos mais carenciados". "Primeiro, porque as pessoas não são números; depois, porque a coesão social é um valor essencial. E a verdade é que os aumentos das prestações no crédito à habitação são arrepiantes: em 18 meses a prestação quase duplicou", afirmou.
No Forum anual do BCE, que decorreu nos primeiros três dias desta semana em Sintra, Christine Lagarde declarou que as taxas de juro na Zona Euro vão voltar a subir em julho e que, a curto prazo, ainda não se vê o fim do ciclo de aumentos.
No seu discurso, Lagarde identificou duas fontes de "incerteza" que vão afetar o nível e profundidade das políticas de juros. A primeira prende-se com a persistência da inflação e a consequente reação da economia à estratégia de combate à escalada dos preços. A segunda é a extensão da transmissão da política monetária, dado que a Zona Euro não passava, desde meados dos anos 2000, por uma série de aumentos nos juros e nunca esta foi tão rápida como a atual.
A líder do BCE indicou que o agravamento em 400 pontos base das três taxas de referência, desde julho do ano passado, ainda não está totalmente refletido nas condições económicas. "Nestas condições, é improvável que, no curto prazo, o banco central tenha capacidade de afirmar com confiança que o pico dos juros foi alcançado", apontou, reiterando também que o BCE continuará a envidar os esforços necessários para que a taxa de inflação regresse para perto da meta de 2%.
Lagarde referiu ainda o facto de a inflação passar para a economia através de duas fases. A primeira, que considerou que está já a começar a desvanecer-se, esteve muito relacionada com os lucros das empresas. Já a segunda fase do processo inflacionista "está agora a tornar-se mais forte", alertou, apontando para a negociação salarial e recuperação do poder de compra dos trabalhadores.