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O arquitecto que desafiou a linearidade da vida

Oscar Niemeyer faria 105 anos a 15 de Dezembro. A sua morte deixa para trás uma carreira pontuada pela construção de ícones da arquitectura moderna. Recebeu o Prémio Pritzker em 1988, como contestatário da "opção racionalista" e fiel da "curva livre e sensual".

06 de Dezembro de 2012 às 09:53
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A vocação de Oscar Niemeyer ficou definida em 1934. Um ano depois da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, onde, nesse mesmo ano, seria encerrada a Escola Bauhaus. Niemeyer obteve o diploma de "engenheiro arquitecto" na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. E nas suas memórias descreveu esse momento. "Já sentia que a arquitectura me convocava. Lembro que foi durante esse período, ainda no escritório do Lúcio [Costa], que terminei meu curso de arquitecto, classificado, como Milton Roberto, em primeiro lugar".

Logo dois anos depois Niemeyer participaria no desenho de um novo edifício do Ministério da Educação e Saúde. "É claro que minha colaboração não passava de um detalhe no projecto de Le Corbusier", escreveria mais tarde o arquitecto brasileiro, sem menosprezar, todavia, a sua participação no projecto.

A década seguinte seria marcante na vida e obra de Niemeyer. Em 1940 conhece Juscelino Kubitschek, que então o convida a desenvolver o projecto de Pampulha, um complexo com casino, clube, igreja e restaurante na cidade de Belo Horizonte. O tecto arqueado da igreja da Pampulha ficaria como uma das imagens de marca. "A curva me atraía. A curva livre e sensual que a nova técnica sugeria e as velhas igrejas barrocas lembravam", escreveu décadas mais tarde Oscar Niemeyer.

A curva me atraía. A curva livre e sensual que a nova técnica sugeria e as velhas igrejas barrocas lembravam. 
Oscar Niemeyer

Um dos trabalhos internacionais mais conhecidos seria a sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque, para cujo projecto foi convidado em 1947, por Wallace Harrison. Com a carreira lançada, a cidade americana acabaria por reconhecer o seu prestígio novamente em 1950, com a publicação do livro "The Work of Oscar Niemeyer", da autoria do arquitecto e historiador grego Stamo Papadaki.

É nessa década, já com a devastação da Segunda Guerra Mundial para trás, que Niemeyer se lança no seu mais emblemático projecto, a construção de Brasília. Desenhada do zero, com Lúcio Costa, a nova capital brasileira foi projectada para representar uma nova centralidade, equilibrando a ascendência de grandes centros urbanos como o Rio de Janeiro e São Paulo.

A meditação sobre Brasília

O convite para desenhar Brasília veio em 1956, novamente de Juscelino Kubitschek, o então Presidente da República do Brasil.

"Comecei a meditar sobre Brasília numa manhã de Setembro de 1956, quando Juscelino Kubitschek, descendo do carro à porta da minha casa, na Estrada da Gávea, me convidou para acompanhá-lo à cidade e expôs o problema durante o trajecto", descreveria Niemeyer nas suas memórias. "Eu via a preocupação de um velho amigo ao qual estava ligado por outros trabalhos, outras dificuldades e por uma longa e fiel amizade. A partir desse dia, comecei a viver em função de Brasília", contou o arquitecto. 

Nos dois anos seguintes nasceriam, em Brasília, os edifícios que marcariam o novo poder, numa cidade em forma de pássaro. Ou avião. O Palácio da Alvorada (residência oficial do Presidente da República), o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal. Mas também os alicerces de uma capital que não poderia ser só política. Coube igualmente a Niemeyer desenhar o Teatro Nacional de Brasília, a catedral, o aeroporto, entre outras infra-estruturas.

Comecei a meditar sobre Brasília numa manhã de Setembro de 1956, quando Juscelino Kubitschek, descendo do carro à porta da minha casa, na Estrada da Gávea, me convidou para acompanhá-lo à cidade e expôs o problema durante o trajecto. 
Oscar Niemeyer

A catedral de Brasília foi mais um edifício que rompeu com as convenções vigentes na arquitectura religiosa. "Na Catedral, por exemplo, evitei as soluções usuais das velhas catedrais escuras, lembrando o pecado. E, ao contrário, fiz escura a galeria de acesso à nave e esta toda iluminada, colorida, voltada com seus belos vitrais transparentes para os espaços infinitos", explicaria Niemeyer.

O arquitecto brasileiro continuou, ao longo da sua carreira, a desenvolver projectos fora do Brasil. Em 1965 nasce a sede do Partido Comunista Francês, com a fachada curvilínea, à semelhança de outros trabalhos de Niemeyer. Em 1968 é a vez do edifício da Editora Mondadori, em Itália. Um período internacional que coincide com o surgimento da ditadura militar no Brasil, na sequência do golpe de 1964 que depôs o presidente João Goulart. 

O "óscar" para Oscar

A década de 1980 traria a Niemeyer um novo reconhecimento público. Em 1987 Brasília foi classificada como património artístico e cultural da humanidade pela Unesco. Em 1988 o seu arquitecto ganharia o Prémio Pritzker, hoje conhecido como o "óscar" da arquitectura. E ao receber esta distinção deixaria a sua visão do trabalho realizado. "Agora é o concreto armado a oferecer todas as fantasias, os vãos imensos, os balanços extraordinários. E nele a arquitectura se integra, desprezando os velhos preconceitos que durante anos a desvirtuaram, contestando a opção racionalista, monótona, repetida, tão fácil de elaborar, que durante anos desceu ostensivamente sobre as calçadas".

Os anos seguintes não mudariam a visão de Niemeyer. Mas mudariam o Brasil, que no início dos anos 90 assistiria à queda do presidente Fernando Collor de Mello, envolvido num esquema de corrupção, e ao nascimento do Plano Real, que viria a impulsionar a economia do país.

Foi na década de 1990 que o arquitecto brasileiro desenhou o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (perto do Rio de Janeiro) e que publicou o seu livro de memórias, "As curvas do tempo".

Em 2004, quase centenário, Niemeyer perde a mulher, Annita. Sobre essa perda, o arquitecto lembrou o casamento feito 60 anos antes. "E os momentos felizes que juntos vivemos, me vinham à memória. As viagens pelo mundo: Paris, Nova Iorque, Lisboa, Madrid, Buenos Aires e Moscovo", contou.

Nos últimos anos Oscar Niemeyer continuou a fazer projectos, mesmo com a saúde mais debilitada. Morreu quinta-feira num hospital no Rio de Janeiro, dez dias antes de completar 105 anos de vida, cujas regras desafiou não só por meio dos seus esboços e projectos curvilíneos, mas ainda pela longevidade fora do normal.

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