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Análise: o dois em um de José Eduardo dos Santos
O antigo presidente Angola tinha prometido sair da política activa em 2018. Agora, propôs a realização de um congresso extraordinário do MPLA em Dezembro ou Abril. A tensão com o seu sucessor, João Lourenço, continua.
O ex-presidente da República de Angola e actual líder do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) fez esta sexta-feira, 16 de Março, o chamado dois em um. Não incumpriu na sua promessa de abandonar a vida política activa em 2018, mas protelou para o último mês do ano, a eventual concretização da intenção manifestada a 11 de Março de 2016, numa reunião do comité central do partido.
O anúncio feito na actual conjuntura não é, de todo, inocente. Pelo contrário. Coincide no tempo com factos de enorme alcance mediático que envolvem dois dos seus filhos, Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos.
A primeira foi colocada no centro do furacão devido à sua gestão da Sonangol e alegadas transferências ilegais quando já tinha sido exonerada do cargo pelo actual Presidente da República, João Lourenço, a 15 de Novembro de 2017. As acusações foram produzidas pelo seu sucessor, Carlos Saturnino, e prontamente desmentidas pela empresária, que em entrevista ao Negócios não teve dúvidas de qualificar o presidente da petrolífera angolana como "mentiroso". O assunto corre agora na Procuradoria-Geral da República (PGR), que anunciou a abertura de um inquérito.
Já José Filomeno dos Santos está na mira pelo seu alegado envolvimento numa transferência de 500 milhões de dólares que terá sido promovida pelo ex-governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe, e que consubstanciaria uma tentativa de burla do Estado angolano. Valter Filipe foi constituído arguido pela PGR a 15 de Março, sendo vários os rumores de que José Filomeno dos Santos também está no radar da justiça.
O pronunciamento do MPLA e de José Eduardo dos Santos surge após parecerem ter falhado as tentativas de apaziguamento dos diversos conflitos, pedidos de forma implícita pelo próprio partido através de um tweet publicado no dia 6 deste mês. "Nunca é demais referir que os problemas ed Angola e dos angolanos devem ser resolvidos com moderação e prudência, pois nem tudo se compra ou se vende, como a paz e a confiança". O apelo, pelos vistos, caiu em saco roto.
Aliás, estes ataques aos filhos de José Eduardo dos Santos, podem até ser vistos com uma forma de enfraquecer o líder do MPLA, forçando a sua retirada.
Esta sexta-feira, durante uma reunião do comité central, José Eduardo dos Santos, recordou que se comprometeu a envolver-se "pessoalmente" no grupo de trabalho que ao longo de 2018 vai "preparar a estratégia" do MPLA para as primeiras eleições autárquicas em Angola e, face a isso concluiu: "Assim, recomendo, por ser mais prudente, que a realização do congresso extraordinário do partido, que vai resolver a liderança do MPLA, seja em Dezembro de 2018 ou Abril de 2019".
Ou seja, a bicefalia vai manter-se e João Lourenço não terá a tarefa facilitada. O actual presidente da República tem de manter o ímpeto reformista porque isso é vital para a sua afirmação política, mas terá de contornar um obstáculo chamado José Eduardo dos Santos.
Neste quadro existem duas alternativas, a promoção de um cenário de ruptura, o que teria consequências imprevisíveis, ou a adopção de uma estratégia semelhante à que o próprio José Eduardo dos Santos engendrou depois da morte do líder da UNITA (União Nacional para Independência Total de Angola), Jonas Savimbi, em Fevereiro de 2002. Ou seja, em vez do aniquilamento da UNITA, o Governo angolano optou por uma integração dos militantes daquele movimento, a qual acabou por constituir a cola da paz no país.
Dito de outra forma, João Lourenço, seguindo esta via, terá de conciliar o desejo de mudança (imperiosa para o futuro do país) com o de conciliação das facções do MPLA, para que este movimento seja realizado de forma pacífica. Terá de ser uma guerra onde os vencedores refreiem as tentações de aniquilar os vencidos.
A 8 de Janeiro, quando questionado sobre a saída do MPLA de José Eduardo dos Santos, João Lourenço passou a bola para o lado do seu antecessor. "Só a ele compete dizer se vai cumprir o compromisso". Na ocasião, uma conferência de imprensa colectiva, João Lourenço garantiu que tinha "relações normais de trabalho" com o presidente do partido e que estavam ambos a trabalhar em "campos distintos" com "cada um a cumprir o seu papel".
A forma como de decorrerem os casos da Sonangol e do Banco Nacional de Angola vai ditar o futuro desta coabitação, havendo agora um dado adquirido, o de que José Eduardo dos Santos não vai abandonar os seus no campo de batalha. O poder que saiu teima em manter os seus privilégios, o poder que entrou está sedento por construir a sua própria rede.
Sobram muitas interrogações mas há uma certeza, a melhor solução passa por uma consensualização dos interesses entre João Lourenço e José Eduardo dos Santos, sendo que este último está obrigado a fazer mais cedências.