Notícia
Processo Taguspark para não-entendidos (act.)
O julgamento do Taguspark começou. Pelo Tribunal de Oeiras vão comparecer figuras do mundo do futebol, empresarial e político. Há três arguidos. E no meio da polémica está o apoio de Luís Figo a José Sócrates em 2009.
A 14 de Fevereiro de 2013 começou o julgamento do caso Taguspark, com três arguidos. Os acontecimentos em causa reportam-se aos anos de 2009 e 2010. Mas só agora chega ao Tribunal de Oeiras.
Quem são os arguidos no caso Taguspark?
É um processo que está a julgar três arguidos, que em 2009 eram administradores da empresa que gere o parque tecnológico em Oeiras, Taguspark. Rui Pedro Soares era administrador não executivo da Taguspark em representação da Portugal Telecom, accionista da empresa.
À época, Rui Pedro Soares era administrador executivo da PT. Outro dos arguidos é igualmente quadro da Portugal Telecom.
Américo Thomati, que também é da PT, está no processo porque à data era o presidente da comissão executiva da Taguspark.
O outro arguido é João Carlos Silva, ex-secretário de Estado das Finanças e ex-presidente da RTP, que hoje em dia é advogado. À data dos acontecimentos era administrador executivo da Taguspark.
De que são acusados?
Os arguidos são acusados de corrupção passiva para acto ilícito. Isto porque a acusação entendeu que no âmbito das suas funções na Taguspark foi feito um contrato com Luís Figo, por esta empresa, mas cujo objectivo último era apoiar a campanha eleitoral de José Sócrates. Os arguidos chegam a tribunal porque foi entendido que a Taguspark era uma empresa pública. Só os funcionários públicos podem responder por corrupção passiva para acto ilícito.
O que é a Taguspark?
A Taguspark é uma sociedade que gere o parque tecnológico, com forte componente imobiliária, em Oeiras.
Quem são os accionistas da Taguspark?
A Câmara Municipal de Oeiras detém 18% da Taguspark. O Estado detém 32,19% através do Instituto Superior Técnico (12,64%), do INESC (8,44%), da Universidade Técnica de Lisboa (4,21%), da Fundação para a Ciência e Tecnologia (3,45%) e do IAPMEI (3,45%). Acresce 10% detidos pela Caixa Geral de Depósitos. O BPI detém 10,03% e o BCP 10%. A PT detém 5,98% e a EDP 5,06%. O restante capital é detido pela SIBS (4,9%), Câmara de Cascais (1,15%), FLAD (1%), Iberopark (1%) e ISQ (0,69%).
Rui Pedro Soares, que na quinta-feira, 14 de Fevereiro, data do início do julgamento, foi ouvido, afirmou em tribunal que a PT queria, na altura em que era administrador, reforçar a sua posição no Taguspark e propôs-se ficar com a posição do INESC. Segundo explicou, a PT queria reaver cerca de seis milhões de euros de suprimentos do INESC e uma parte seria paga em acções do Taguspark. Mas, segundo revelou, o ministro do Ensino Superior à data, Mariano Gago, nunca autorizou o INESC a fazer a operação. Rui Pedro Soares deu esta explicação para sustentar o pedido de pareceres sobre a natureza da Taguspark, pareceres que indicaram não se tratar de uma empresa pública. Também já se referiu que a PT tentou contactar outros accionistas, como o BPI, para comprar as suas posições.
Taguspark é empresa pública?
Para efeitos do julgamento, a Taguspark foi considerada empresa pública. Ainda que uma das defesas dos arguidos seja precisamente a de sustentarem que a Taguspark não é pública. Têm pareceres de três escritórios de advogados (Carlos Ferreira de Almeida, PLMJ e Sérvulo Correia) e Rui Pedro Soares acrescentou que as compras feitas pela empresa não seguem as regras da contratação pública.
No entanto, o Tribunal Constitucional requereu as declarações de rendimentos dos administradores da empresa pelos períodos de 2008, 2009 e 2010. Antes nunca entregaram declarações, ainda que tenha sido requerido. Num acórdão de 2011, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a obrigação de entregarem declarações de rendimento, obrigação que cessou, de acordo com esse acórdão, em 2010 com a nova lei.
Apesar do requerimento para não se realizar julgamento com base neste acórdão, o colectivo de juízes, presidido pela magistrada Paula Albuquerque, decidiu prosseguir o julgamento, deixando para a decisão final a apreciação desta questão.
Luis Figo, neste caso, não foi constituído arguido porque a acusação entendeu que o futebolista não sabia estar perante uma empresa pública.
Sobre esta questão, João Carlos Silva, também ouvido na primeira sessão do julgamento, afirmou que perguntou, antes de aceitar integrar a administração da Taguspark, se se tratava de função pública, pois não queria deixar a sua actividade privada de advogado.
Como começou este caso?
O caso começou com as escutas telefónicas a Paulo Penedos, advogado e assessor jurídico de Rui Pedro Soares, no âmbito do processo Face Oculta, onde Paulo Penedos é arguido. Nessas escutas foram captadas conversas entre Paulo Penedos e Rui Pedro Soares e João Carlos Silva sobre o Taguspark. No entanto, foi uma conversa que Paulo Penedos teve com Marcos Perestrelo, do PS, que suscitou dúvidas, já que Paulo Penedos contou a Marcos Perestrelo que se preparava uma coisa “demasiado pornográfica” e ao qual Paulo Penedos disse que Rui Pedro Soares conhecia Figo e toda a malta da bola e que estavam a ser preparados contratos.Paulo Penedos, já ouvido no tribunal, diz que se referiu a pornográfico porque considerou que 750 mil euros para uma campanha de imagem para o Figo era muito dinheiro.
Rui Pedro Soares, assumindo a sua militância no PS, admitiu que conhece muita gente do futebol, mas acrescentou em tribunal que só Figo apoiou José Sócrates. Declarou-se amigo de Sá Pinto, “joguei futebol com ele”, e Sá Pinto fez um contrato com a PT, mas não apoiou José Sócrates publicamente. Por isso, Rui Pedro Soares atribui à afirmação de Paulo Penedos
o cunho de especulação. “À medida que vai falando, vai acrescentando factos”, disse Rui Pedro Soares de Paulo Penedos. “Nenhum que não Luís Figo apoiou José Sócrates”, disse Rui Pedro Soares, acrescentando ser uma “coincidência” o facto de Luís Figo ter feito o contrato com o Taguspark ao mesmo tempo que expressava apoio à campanha de Sócrates. “Tenho em minha defesa o facto de pessoas que são próximas que não apoiaram o PS”.
Qual o papel de Figo?
Figo está envolvido neste caso por ter feito, quase em simultâneo, um contrato com a Taguspark para a promoção da imagem e ter apoiado publicamente José Sócrates, quer numa entrevista dada em Agosto de 2009 ao Diário Económico, quer num pequeno-almoço público entre Figo e Sócrates.
Rui Pedro Soares, militante do PS, foi quem sugeriu à Taguspark que fizesse um acordo com Luís Figo. “Quem sugeriu fui eu. Só eu dos três tinha acesso aos dois [José Mourinho e Luís Figo]”. Mas garantiu em tribunal não ter nada a ver com a entrevista feita ao Diário Económico, embora nas
escutas e na correspondência apreendida se tenha encontrado um SMS a regozijar-se com a entrevista e se tenha encontrado a entrevista em bruto no seu email antes da sua publicação.
António Costa, director do Diário Económico, vai ser ouvido como testemunha no processo. “Não tenho nada a ver com essa entrevista, com a realização, marcação, respostas, edição nem com escolhas de títulos”, disse Rui Pedro Soares. Sobre o pequeno-almoço Rui Pedro Soares disse que tomou conhecimento desse encontro entre Figo e Sócrates pela comunicação social. Para Rui Pedro Soares está, aliás, por provar que o apoio de Figo tenha gerado votos para Sócrates e assumiu que um jornal económico não era o melhor meio para Figo apoiar Sócrates. “Se o apoio se traduziu em votos está por provar. Há pessoas que acho que podiam ser mais importantes”. E falou do exemplo de Isabel Alçada. João Carlos Silva também garantiu que não sabia do pequeno-almoço [ao qual chamou “o desgraçado
pequeno-almoço”] entre Figo e Sócrates, que se realizou no mesmo dia das filmagens do vídeo da Taguspark. João Carlos Silva garantiu que nesse dia, das filmagens, foi a primeira vez que esteve com Figo.
Figo acabou por fazer um contrato com a Taguspark de três anos, de 750 mil euros, devendo a Taguspark pagar no primeiro ano, em duas prestações, 350 mil euros. Inicialmente, estava previsto o pagamento de 250 mil euros em cada ano, mas como João Carlos Silva assumiu, a Taguspark queria que o contrato fosse renovável todos os anos. O ex-administrador da Taguspark assumiu em tribunal que não era sua intenção estender o contrato para lá do primeiro ano e assim ficava com mecanismos para o resolver. E foi o que fez. O acordo de três anos passou a um. Mas Figo reclama em tribunal, agora, parte das verbas desse primeiro ano que não chegou a receber na totalidade. Figo chegou, no âmbito do contrato com a Taguspark, a filmar um vídeo promocional ao parque. Figo vai ser ouvido como testemunha. Paulo Penedos declarou, em tribunal, não acreditar que Figo desse o seu apoio a uma campanha política de forma espontânea, ou seja, sem contrapartidas, mas não ligou essa sua afirmação com o contrato Taguspark.
Que outros contratos foram feitos?
Foi igualmente feito um contrato com José Mourinho, também por três anos e de idêntico valor (250 mil euros anuais). No entanto, antes das filmagens para o vídeo promocional José Mourinho revogou o contrato. A Taguspark decidiu não accionar judicialmente o treinador de futebol por quebra de contrato. José Mourinho vai ser ouvido como testemunha. João Carlos Silva disse que lhe foi dito que Mourinho não tinha aprovado o guião para o vídeo, “mas de conversas tidas apercebi-me que não foi só isso, haveria acordos com a PT que estiveram para ser feitos e não foram e ele não queria dar imagem à Taguspark”. Para João Carlos Silva, o treinador quereria coisas “mais volumosas”. Garantiu nunca ter estado com Mourinho.
O vídeo promocional foi feito?
O vídeo promocional, com Luís Figo, chegou a ser feito pela Duvideo (várias pessoas desta produtora estão arroladas como testemunhas). Mas só foi apresentado uma vez: em Timor. João Carlos Silva explicou que o vídeo ficou finalizado e foi entregue à Taguspark na mesma altura em que se realizaram as buscas na empresa e que o processo saltou para os jornais, matando o projecto de promoção. “A partir daí ficou tudo queimado”, disse João Carlos Silva. O vídeo previa, inicialmente, a participação de Figo e de Mourinho, mas com a desistência do treinador, o vídeo teve de ser alterado, explicou João Carlos Silva. Os administradores da Taguspark têm sustentado, em tribunal, que o Taguspark precisava de promoção porque estava a perder clientes e, por isso, escolheram figuras conhecidas de Portugal no exterior.
Qual a relação com a PT?
A Portugal Telecom, que se constituiu assistente neste caso, é accionista da Taguspark e em 2009, quando Rui Pedro Soares era seu administrador pretendeu reforçar a sua posição no parque de Oeiras. Era à época o maior cliente da Taguspark. Rui Pedro Soares era administrador executivo da PT e não executivo da Taguspark. Américo Thomati é quadro da PT e foi presidente executivo da Taguspark. Rui Pedro Soares assumiu que foram contactos realizados no âmbito das suas funções na PT que permitiu chegar a Figo e Mourinho para que estes fizessem acordos com a Taguspark. E permitiu, nas conversas com Figo, que a Dream factory, um projecto associado ao jogador, acabasse no parque de Oeiras, depois de ter tido quase um acordo com o Madan Park, no Monte da Caparica.
Rui Pedro Soares assumiu que propôs a Figo, Baía e Sá Pinto que entrassem com uma posição de 1% na PT África. E que estabeleceu contactos com estes jogadores para fazerem contratos com a PT. Com isso, Rui Pedro Soares justificou que tivesse sido a PT a pagar uma viagem sua a Milão para almoçar com Figo. Foi também a PT que pagou a viagem do agente de Figo, Miguel Macedo, a Milão para esse mesmo almoço. Rui Pedro Soares justificou este pagamento com o facto de ter sido obrigado a cancelar um encontro com o agente em Barcelona num momento anterior. Finalmente, Rui Pedro Soares revelou que Luís Figo até lhe propôs apresentá-lo aos responsáveis da Pirelli que detinham uma participação na Telecom Itália e que a Telefónica iria comprar para que se a PT tivesse interesse ficasse ela com o negócio.
Américo Thomati, ex-presidente executivo da Taguspark, garantiu que nas relações entre Taguspark e PT não era Rui Pedro Soares que tratava. Indicava sempre outro administrador executivo da Taguspark e por parte da PT eram pessoas ligadas à PT Pro. Garantiu, ainda, que os contratos negociados com Figo e Mourinho no âmbito da Taguspark não envolviam a PT e vice versa.
Qual a relação com o PS?
Rui Pedro Soares e João Carlos Silva assumiram-se do Partido Socialista, militantes. Rui Pedro Soares pertenceu à JS e foi vereador não eleito em Lisboa. “Não tive mais nenhum cargo dentro do PS. O ponto mais alto foi ser um membro de um órgão com 270 membros, que é a comissão nacional”, disse em tribunal, onde leu um texto escrito por Ana Gomes, onde esta socialista assumia não saber quem era Rui Pedro Soares. “Sempre que há eleições, só se ganha se os militantes estiverem mobilizados”, declarou, mas “o que nunca fiz foi dizer que dava alguma coisa em troca”.
João Carlos Silva assumiu o passado como dirigente socialista, chegando a estar em governos do PS. “Desde 2002 nunca mais entrei na sede do PS e nunca mais tive actividade política no PS, nem sequer de dirigente local”. “Tenho cartão, mas não exerço actividade político-partidária desde 1999 e desde 2002 não exerço qualquer função de natureza pública por indicação do PS”.
Américo Thomati é o único dos arguidos que se afasta da política e garante "conheço-o da televisão", referindo a José Sócrates.
Qual o papel de José Sócrates?
O apoio de Luís Figo a José Sócrates foi para as eleições l
legislativas de 2009. Rui Pedro Soares assume-se amigo de José Sócrates. João Carlos Silva assumiu, por seu lado, não ter afinidade “especial”, apenas uma ligação de “cordialidade por ser uma pessoa do meu partido”. Mas garantiu em tribunal: “nunca fui amigo de José Sócrates” e acabou até por dizer que está por demonstrar que era seu interesse a eleição de Sócrates. Acrescentando que nunca falou com Rui Pedro Soares nem com Paulo Penedos sobre questões político-partidárias e “nunca falei com ninguém do PS nem ninguém do PS
falou comigo sobre apoios político-partidários. Rui Pedro Soares e Paulo Penedos nunca me falaram em apoios político-partidários”. José Sócrates não foi ouvido neste processo nem será chamado como testemunha.