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Presidente do Supremo alerta para perigos de privatização da Justiça
O presidente do Supremo Tribunal de Justiça criticou esta quinta-feira o "caminho para privatização da Justiça", que, considerou, "quer realizar a utopia neoliberal de dispensar o juiz, ficando o tribunais da República numa função residual".
António Henriques Gaspar, que discursava na sessão de abertura solene do ano judicial, sustentou que, perante esta privatização crescente, os riscos da perda de identidade e de fragmentação da justiça estão muito presentes". Reconhecendo, embora, que os meios alternativos de resolução de litígios são "relevantes" e "complementares da justiça estadual", Henriques Gaspar sublinhou que "não pode constituir função de Estado promover a escolha de formas privadas de justiça", sendo que "nem sempre são compreendidos os critérios e a tendência para a instituição de tribunais arbitrais necessários, a que se aplica, por regra, o regime da arbitragem voluntária".
A questão em concreto do "grande contencioso económico e financeiro" foi uma das apontadas pelo presidente do STJ, que lamentou que "as formas sensíveis de infracção às obrigações e deveres, praticadas no âmbito de actividades sujeitas a regulação, - os grandes interesses da finança e da economia, a concorrência, as comunicações ou a energia" tenham sido "entregues ao direito das contra-ordenações, que tem sofrido acentuadamente uma deriva na razão da sua natureza e dos seus fundamentos dogmáticos".
Além disso, destacou, "as sanções aplicáveis atingem valores elevadíssimos, e são previstas medidas cautelares ou acessórias que podem afectar imensamente direitos fundamentais"
"O juiz sabe que é o guardador das liberdades e o último recurso na garantia dos direitos dos que não têm outros recursos, mas transporta hoje consigo o sentimento amargo de que o mundo, e até a lei, não têm a magia que lhe permita cumprir no todo o projecto do seu ideal", concluiu Henriques Gaspar.
O magistrado foi apenas mais uma das vozes críticas que se fizeram ouvir durante a tarde desta quinta-feira no salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa. Numa sessão a que compareceram também a bastonária da Ordem dos Advogados e a Procuradora-geral da República o tom foi de balanço e o balanço não foi favorável ao Governo que agora termina o seu mandato.
Paula Teixeira da Cruz, que também esteve presente ouviu e optou por elencar as medidas tomadas e as reformas efectuadas.