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Maria José Morgado: A revolucionária que se dedicou a prender criminosos

Lutou contra o regime de Salazar, foi militante do MRPP, esteve presa, foi torturada. Depois desencantou-se com a política e decidiu ser mãe. Entrou para o Ministério Público e dedicou-se à investigação criminal. Agora, vai substituir Francisca Van Dunem na direcção da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.

Miguel Baltazar
05 de Dezembro de 2015 às 10:00
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Quando Joana Marques Vidal, na reunião do Conselho Superior do Ministério Público, lançou para a mesa o nome de Maria José Morgado para suceder a Francisca Van Dunem na Procuradoria-Geral Distrital (PGD) de Lisboa, não houve hesitações. A Procuradora-Geral da República levava mais duas sugestões, dois outros magistrados, mas os votos dos conselheiros foram todos para Maria José Morgado, numa unanimidade sem reservas. E também sem grandes surpresas.

 

Desde 2007 à frente do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP) e com um longo currículo anterior, ligado à investigação criminal, Maria José Morgado era, à partida, a pessoa certa para ocupar o cargo deixado vago pela nova ministra da Justiça. Entrou para o Ministério Público (MP) em 1979, pouco tempo depois foi colocada no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e passaria longos anos nos Juízos Criminais. Daí passou para a Polícia Judiciária, para a Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira, onde esteve durante dois anos. A missão que se seguiu foi no Tribunal da Relação de Lisboa, já como procuradora-geral adjunta e de onde sairia, em 2007, para o DIAP de Lisboa.

 

A passagem pela Polícia Judiciária seria decisiva para que se notabilizasse no combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira. Ao longo da sua carreira passaram-lhe pelas mãos alguns processos mediáticos, como o da corrupção no futebol que ficaria conhecido por Apito Dourado, o caso Melancia, o de Leonor Beleza e dos hemofílicos ou o de Vale e Azevedo. E muitos outros que, por serem protagonizados por ilustres anónimos nunca saltaram para as páginas dos jornais mas que são tão ou mais importantes do que os outros, como ela própria gosta de lembrar.

 

E tem sido precisamente sobre criminalidade económica e financeira que tantas vezes se tem pronunciado publicamente, em comentários e entrevistas. Sobre isso, mas não só. Porque Maria José Morgado, já se sabe, nunca foi mulher de meias palavras e há muito que faz ouvir a sua voz, ora a denunciar a falta de meios no MP, ora a alertar para a necessidade de combate à corrupção, ora a defender a manutenção do segredo de justiça para garantir as investigações em curso. Também nunca se coibiu de defender alterações legislativas que considerou relevantes ou de criticar a falta de investimento no MP por parte dos governos.

 

Ainda recentemente, numa das suas últimas crónicas, publicadas no semanário Expresso, teceu duras críticas à reforma do mapa judiciário, que arrancou em Setembro do ano passado e foi uma das meninas dos olhos da ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz.

 

"As furgonetas ganharam a reforma. O resto não se sabe. (…). Um ano depois, o sistema não só não resolveu nenhum dos problemas existentes como gerou novos problemas. Gastaram-se 29 milhões sem qualquer modernização", escreveu. Directa, sem meias palavras, a procuradora-geral adjunta que sobe agora à liderança da Procuradoria-Geral Distrital (PGD) de Lisboa, não poupou nas críticas àquilo a que chamou a "reforma da furgoneta", numa alusão aos muitos processos que tiveram de ser mudados de um tribunal para outro e que durante meses se acumularam em caixotes, à espera de funcionários que tivessem tempo para os voltar a arrumar.

 

Contestatária e inconformista

 

O espírito crítico e contestatário não é de agora. Maria José Morgado, juntamente com José Luis Saldanha Sanches, seu marido, já falecido, envolveu-se a fundo na luta contra a ditadura. Foi presa, torturada, e só não chegou a ser julgada porque entretanto se deu o 25 de Abril. Estava acusada de crimes contra a segurança do Estado, mas acabaria por ser libertada sob caução. O pai foi buscá-la à prisão e pagou 70 contos para a trazer. Pouco tempo depois dar-se-ia o 25 de Abril e já não houve julgamento, mas Maria José Morgado e Saldanha Sanches continuaram a sua militância política, ligados ao MRPP.

 

O seu empenho e entusiasmo eram conhecidos de todos os que com ela lidavam e os amigos chamavam-lhe "Mizé-Tung". Tanto que surpreenderia tudo e todos quando decidiu sair do partido. Ela e Saldanha Sanches. Desencantaram-se com a política, explicaram numa entrevista conjunta ao Público em 2008: "Como [já] não acreditava no partido nem na ideologia marxista-leninista, não havia nada a salvaguardar desse lado. Nunca mais pensámos em lógicas partidárias. Fiquei vacinada", disse Morgado. "Não éramos políticos, éramos revolucionários", afirmaram na mesma entrevista. "Era a luta por um mundo melhor, com tudo o que isso implicava: liberdade, pluralismo."

 

Vieram outras militâncias. E o inconformismo, esse manteve-se. Maria José Morgado, filha de transmontanos, nascida em 1951 em Angola, fez direito em Lisboa. Dedicou-se ao Ministério Público – "que era o que gostava" – ao marido e à filha, Laura. Saldanha Sanches, seu companheiro de sempre, morreu em 2010. Apontada por todos como uma mulher de armas, é incansável em tudo o que faz. "Ela tem de estar ocupada a cem por cento para estar bem-disposta. Se trabalhar das oito às oito, está satisfeita", dizia Saldanha Sanches.

 

Em 2010, o Expresso apontou-a como a mulher mais poderosa do País. Um ano depois, em entrevista ao Negócios, Maria José Morgado afirmaria, a rir, que "foi uma partida, para as pessoas fazerem troça de mim" e que, como tem "sentido de humor", não levaria a sério. E não sente que tem muito poder, questionou a jornalista. "Não tenho nenhum. Nem quero ter."

 

Depende afinal da concepção que cada um tem do que é o poder. Para Maria José Morgado, a liderança da PGD Lisboa é mais um degrau na hierarquia do MP que tem à cabeça Joana Marques Vidal. A Procuradoria-Geral da República divide-se em quatro procuradorias-gerais distritais: Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. Lisboa, sendo uma das maiores, com cinco comarcas de muito movimento, conta também com um DIAP, o departamento liderado até agora por Maria José Morgado que a magistrada passa agora a superintender, bem como ao MP do distrito judicial de Lisboa.

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