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Foi você que pediu um excedente orçamental? Os argumentos a favor e contra
A proposta do Orçamento do Estado para 2020 prevê o primeiro excedente da história da democracia. Os 0,2% do PIB representam cerca de 500 milhões de euros que serão destinados a abater a dívida do Estado. No entanto, esta opção suscita críticas de quem entende que esse dinheiro deveria ser canalizado para o investimento e o reforço dos serviços públicos.
18 de Janeiro de 2020 às 16:00
Prós
Argumentos a favor de procurar um excedente orçamental
Esta é a tese do Governo, da direita política e de instituições internacionais como a Comissão Europeia ou o Fundo Monetário Internacional. Tem sido a tese dominante na condução da política orçamental europeia.
Em setembro de 2019, a dívida pública portuguesa superava os 250 mil milhões de euros e representava 120,5% do PIB nacional, sensivelmente o dobro do limite imposto pelas regras europeias. O excedente orçamental serve para abater a este endividamento e fazer descolar o país do grupo dos super-endividados, como Itália e Grécia. As economias menos endividadas também são menos penalizadas pelos mercados em períodos de crise.
"Continuamos a ter níveis de endividamento dos mais elevados do mundo. Se não queremos estar vulneráveis a crises externas, temos de ter uma dívida menor." Álvaro Santos Pereira
Diretor da OCDE para a área de estudos sobre os países
Ao gerar excedentes orçamentais, a economia portuguesa mostra aos investidores que tem capacidade para pagar a dívida contraída. A credibilização da imagem externa ajuda a reduzir as taxas de juro para financiar o país, gerando poupanças que revertem para a economia e para financiar a despesa pública.
Ao registar excedentes orçamentais, empresas e famílias podem ficar mais confiantes no futuro e investir. Se as administrações públicas tiverem contas equilibradas, reduz-se o risco de regressar a políticas duras de austeridade, como cortes salariais ou de benefícios sociais atribuídos.
Segundo o OE 2020, a despesa primária das administrações públicas vai subir 4%. Não registar excedentes orçamentais significaria uma despesa primária (ou seja, excluindo o pagamento de juros) a subir mais depressa, na casa dos 5% ou 6%, o que daria uma imagem de descontrolo das contas.
Ao atingir uma posição superavitária, e assumindo que esta é estrutural, o país pode deixar os chamados "estabilizadores automáticos" funcionar em períodos de conjuntura económica mais negativa. Ou seja, pode aumentar os gastos com subsídios de desemprego e não precisa de subir impostos para compensar o efeito de uma recessão nas contas públicas. Se as contas se deteriorarem em dois pontos percentuais do PIB, como em média sucede nas crises, o país continuaria a cumprir o limite de endividamento de 3%, imposto pelas regras europeias.
"É extremamente importante do ponto de vista internacional. (...) Significa deixarmos de ser um paíscom défices permanentes."
Manuela Arcanjo
Economista, ex-secretária de Estado da Saúde e do Orçamento
Contras
Argumentos contra o objetivo de ter excedente orçamental
Esta é a tese defendida maioritariamente pela esquerda, mas também, em alguns domínios, por economistas que se distinguiram em instituições internacionais "mainstream" - como Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI.
Há quem argumente que seriam possíveis escolhas alternativas, mas a realidade dos anos de consolidação orçamental tem sido a de restringir o investimento (o seu peso está abaixo da média europeia), reduzindo a despesa. Isto acontece porque o investimento é uma rubrica relativamente simples de cortar - reduzir os gastos com pessoal, por exemplo, é mais difícil. Os 500 milhões de euros de excedente seriam mais produtivos para a economia se fossem aplicados em investimento, do que a baixar marginalmente uma dívida gigante.
"O efeito credibilizador do excedente é um manifesto exagero. (...) Um saldo mais razoável poderia ter um efeito mais acomodatício no crescimento."
José Castro Caldas
Economista e investigador da Universidade de Coimbra
Abater o endividamento num momento em que finaciá-lo é barato não faz sentido. O facto de ser o modo de financiamento mais barato deve ser aproveitado para prosseguir com projetos que, se forem executados pelo setor privado, ficam mais caros para as administrações públicas.
A dimensão atual da dívida pública é tal que reduzi-la marginalmente não chega para tirar o país dos holofotes dos mercados, no caso de uma crise internacional. A economia ficaria mais protegida se aproveitasse o momento para reforçar os serviços públicos, investir e tornar-se mais competitiva e resistente, para quando a crise chegar.
"Esta estratégia traduz a política do nunca é suficiente, do subir sempre as fasquias, só para cumprir uma meta nominal sem sentido algum."
Ricardo Cabral
Economista e professor na Universidade da Madeira
A redução das taxas de juro exigidas pelos investidores para financiar Portugal não pode ser dissociada da política acomodatícia do Banco Central Europeu. A descida de juros face ao período da crise foi generalizada e há exemplos que mostram que é possível registar défices orçamentais e ter juros baixos, como é o caso de Espanha.
A restrição financeira na despesa implica mais dificuldades na provisão dos serviços públicos, tanto no que diz respeito à quantidade, como à qualidade dos mesmos. O garrote aos gastos na Saúde gera pagamentos em atraso aos fornecedores, que prejudicam a racionalidade da gestão, e a contenção salarial na função pública prejudica a sua atratividade face ao setor privado.
Argumentos a favor de procurar um excedente orçamental
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Aproveitar para baixar a dívidaEm setembro de 2019, a dívida pública portuguesa superava os 250 mil milhões de euros e representava 120,5% do PIB nacional, sensivelmente o dobro do limite imposto pelas regras europeias. O excedente orçamental serve para abater a este endividamento e fazer descolar o país do grupo dos super-endividados, como Itália e Grécia. As economias menos endividadas também são menos penalizadas pelos mercados em períodos de crise.
"Continuamos a ter níveis de endividamento dos mais elevados do mundo. Se não queremos estar vulneráveis a crises externas, temos de ter uma dívida menor." Álvaro Santos Pereira
Diretor da OCDE para a área de estudos sobre os países
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Credibilizar e reduzir os jurosAo gerar excedentes orçamentais, a economia portuguesa mostra aos investidores que tem capacidade para pagar a dívida contraída. A credibilização da imagem externa ajuda a reduzir as taxas de juro para financiar o país, gerando poupanças que revertem para a economia e para financiar a despesa pública.
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Gerar confiança a empresas e famíliasAo registar excedentes orçamentais, empresas e famílias podem ficar mais confiantes no futuro e investir. Se as administrações públicas tiverem contas equilibradas, reduz-se o risco de regressar a políticas duras de austeridade, como cortes salariais ou de benefícios sociais atribuídos.
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Despesa primária controladaSegundo o OE 2020, a despesa primária das administrações públicas vai subir 4%. Não registar excedentes orçamentais significaria uma despesa primária (ou seja, excluindo o pagamento de juros) a subir mais depressa, na casa dos 5% ou 6%, o que daria uma imagem de descontrolo das contas.
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Ganhar margem para ter déficeAo atingir uma posição superavitária, e assumindo que esta é estrutural, o país pode deixar os chamados "estabilizadores automáticos" funcionar em períodos de conjuntura económica mais negativa. Ou seja, pode aumentar os gastos com subsídios de desemprego e não precisa de subir impostos para compensar o efeito de uma recessão nas contas públicas. Se as contas se deteriorarem em dois pontos percentuais do PIB, como em média sucede nas crises, o país continuaria a cumprir o limite de endividamento de 3%, imposto pelas regras europeias.
"É extremamente importante do ponto de vista internacional. (...) Significa deixarmos de ser um paíscom défices permanentes."
Manuela Arcanjo
Economista, ex-secretária de Estado da Saúde e do Orçamento
Contras
Argumentos contra o objetivo de ter excedente orçamental
Esta é a tese defendida maioritariamente pela esquerda, mas também, em alguns domínios, por economistas que se distinguiram em instituições internacionais "mainstream" - como Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI.
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Reduz o espaço para o investimentoHá quem argumente que seriam possíveis escolhas alternativas, mas a realidade dos anos de consolidação orçamental tem sido a de restringir o investimento (o seu peso está abaixo da média europeia), reduzindo a despesa. Isto acontece porque o investimento é uma rubrica relativamente simples de cortar - reduzir os gastos com pessoal, por exemplo, é mais difícil. Os 500 milhões de euros de excedente seriam mais produtivos para a economia se fossem aplicados em investimento, do que a baixar marginalmente uma dívida gigante.
"O efeito credibilizador do excedente é um manifesto exagero. (...) Um saldo mais razoável poderia ter um efeito mais acomodatício no crescimento."
José Castro Caldas
Economista e investigador da Universidade de Coimbra
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Financiamento agora é baratoAbater o endividamento num momento em que finaciá-lo é barato não faz sentido. O facto de ser o modo de financiamento mais barato deve ser aproveitado para prosseguir com projetos que, se forem executados pelo setor privado, ficam mais caros para as administrações públicas.
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Não chega para sair dos holofotesA dimensão atual da dívida pública é tal que reduzi-la marginalmente não chega para tirar o país dos holofotes dos mercados, no caso de uma crise internacional. A economia ficaria mais protegida se aproveitasse o momento para reforçar os serviços públicos, investir e tornar-se mais competitiva e resistente, para quando a crise chegar.
"Esta estratégia traduz a política do nunca é suficiente, do subir sempre as fasquias, só para cumprir uma meta nominal sem sentido algum."
Ricardo Cabral
Economista e professor na Universidade da Madeira
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Os juros desceram pela política do BCEA redução das taxas de juro exigidas pelos investidores para financiar Portugal não pode ser dissociada da política acomodatícia do Banco Central Europeu. A descida de juros face ao período da crise foi generalizada e há exemplos que mostram que é possível registar défices orçamentais e ter juros baixos, como é o caso de Espanha.
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Prejudica os serviços públicosA restrição financeira na despesa implica mais dificuldades na provisão dos serviços públicos, tanto no que diz respeito à quantidade, como à qualidade dos mesmos. O garrote aos gastos na Saúde gera pagamentos em atraso aos fornecedores, que prejudicam a racionalidade da gestão, e a contenção salarial na função pública prejudica a sua atratividade face ao setor privado.