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Mendonça Mendes: Desagravamento do IRC é "seletivo". Mudanças nas tributações autónomas, só fora do OE
Em entrevista ao Negócios e à Antena 1, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais admite que “há várias questões que podem e devem ser avaliadas” no capítulo das tributações autónomas, mas defende que uma alteração estrutural não deve acontecer em sede de Orçamento do Estado.
O governante sublinha as medidas de "desagravamento seletivo" do IRC que têm vindo a ser tomadas para as empresas, caso do fim do pagamento especial por conta (PEC), uma das iniciativas fiscais previstas na proposta de Orçamento do Estado para 2022. Na entrevista, a publicar na íntegra na edição de segunda-feira, 9 de maio, do Jornal de Negócios, Mendonça Mendes sustenta que as tributações autónomas impostas às empreasas são outra área onde o Governo quer atuar, mas fora do Orçamento. E defende que a solução melhor não será a eliminação, como foi decidido em relação ao PEC.
Se não fosse o atual momento de crise, em vez de medidas extraordinárias haveria lugar a medidas mais estruturais?
As medidas extraordinárias complementam a parte estrutural e na parte estrutural não houve nada que fosse adiado. A redução de IRS que tínhamos previsto fazer em duas fases, uma em 2018 e outra em 2022 foi cumprida. As reduções que temos feito relativamente às empresas também têm sido cumpridas. Porque temos tido sempre a mesma abordagem: reduzir o IRS para os rendimentos mais baixos e para as classes médias, apoiar com o IRS os mais jovens, apoiar com o IRS a política de natalidade apoiando as deduções para os casais que têm mais do que um filho, e também utilizar o IRS para promover políticas públicas como no arrendamento com a taxa zero de IRS para todas as casas que estejam no arrendamento acessível, seja nos programas de governo seja nos programas municipais. No IRC nós temos tido uma política de desagravamento seletivo do imposto.
Muito seletivo...
Seletivo para as pequenas e médias empresas que viram acabar o pagamento especial por conta que são 200 milhões de euros.
Já eram poucas as empresas que ainda efetuavam esses pagamentos...
Lá está, tem a ver com a coerência com que temos feito a política fiscal. Quando iniciou o ciclo de governação, liderado pelo primeiro-ministro António Costa, o pagamento especial por conta valia 200 milhões de euros. De forma gradual fomos acabando com ele, seja porque diminuímos o seu valor numa primeira fase, seja porque numa segunda fase retiramos obrigatoriedade da sua entrega para os contribuintes que tivessem as obrigações declarativas em ordem, seja porque agora já é tão residual e vale 10 milhões de euros que podemos acabá-lo de vez. Fizemos esse percurso relativamente ao pagamento especial por conta, mas também, por exemplo, quando retirámos a coleta mínima no IRC simplificado. E a seletividade também se vê no apoio às pequenas e médias empresas com o alargamento do limite da taxa especial de IRC. Passos devagar, mas seguros - para depois não termos de voltar atrás com as medidas estruturais. E portanto toda a esta seletividade e que também se traduz no apoio à investigação e desenvolvimento significam medidas que no seu conjunto são várias centenas de milhões de euros. Sim, há um desagravamento dos impostos para as empresas feito de maneira seletiva.
Há seis meses disse que havia a possibilidade de fazer com as tributações autónomas o mesmo caminho que foi feito para o pagamento especial por conta.
Sinceramente acho que devemos olhar para esse tema porque hoje há formas de garantir de forma mais eficaz que aquelas despesas são efetivamente despesas da sociedade ou se são despesas de utilização particular dos sócios. Não é fácil fazer essa transição, mas acho que é uma área que deve ser...
É uma medida para o próximo orçamento... o de 2023?
Tenho esta posição: acho que o Orçamento do Estado não é mesmo o sítio mais adequado para se fazer alterações estruturais em termos fiscais.
Mas vão acabar com o pagamento especial por conta num Orçamento de Estado...
É verdade, é verdade. Nós temos um hábito de há muitos anos colocar tudo o que é política fiscal nos orçamentos do Estado.E estou a fazer também uma mea culpa como responsável político. É verdade porque é sempre mais confortável colocar no orçamento do Estado mas isso retira espaço de discussão mais profunda para melhorar as soluções.
Mas no caso das tributações autónomas não precisa se calhar de mais profundidade na discussão porque o tema tem sido já muito falado e por si também, portanto agora é só decidir como é que terminam e quando.
Eu não tenho a certeza que a solução ideal seja terminar com as tributações autónomas. Eu admito é que no regime das tributações autónomas deve ser visto se há determinadas realidades que podem ou não ser retiradas do âmbito das tributações autónomas, o que é diferente. Repare, o pagamento especial por conta era uma medida de combate à fraude e evasão fiscal. Foi essa a sua génese. E portanto deixa de existir num momento em que já não parece ser um instrumento tão relevante nesse aspecto. Mas as tributações autónomas também têm essa natureza e é preciso ter algum equilíbrio na forma como as encaramos..
Por exemplo o encargo sobre as viaturas?
Certo, mas eu não sei se nesse encargo sobre as viaturas também não deve haver um limite relativamente por exemplo à isenção nas tributações autónomas no que diz respeito às realidades dos veículos elétricos elétricos. Se são todos os veículos elétricos que podem estar ou se se coloca um valor limite como existe noutros impostos. O que estou a dizer é: há várias questões que podem e devem ser avaliadas nesse âmbito, mas não me parece que seja uma matéria que, se for para fazer uma alteração estrutural, que seja em sede de Orçamento do Estado. Neste OE tem a suspensão do desagravamento das tributações autónomas no caso das empresas tenham prejuízo e quer eram empresas que antes da pandemia não tinham esse prejuízo. Portanto, esse tipo de medidas pontuais parece-me adequado. Agora uma reflexão mais profunda acho que deve ser remetida para outra sede que não a do Orçamento do Estado.