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Reformar o Estado é muito diferente de poupar

Refundar o Estado a partir da necessidade de poupar com o Estado social poderá ser um objectivo insuficiente, arriscado e limitador de um debate profundo.

30 de Novembro de 2012 às 09:00
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O Governo quer avançar com uma reforma profunda do Estado. Para isso, além da oposição, convocou a sociedade civil para um "debate aberto", que no entanto balizou de antemão: a reflexão poderá continuar, mas no final de Fevereiro estará definido um corte de quatro mil milhões de euros na despesa, tal como acordado com a troika. Os credores entretanto já sinalizaram que Portugal precisa de menos despesa com pessoal e com pensões. Muitos gastos para poucos resultados, defendem. O Executivo, por seu lado, ainda não foi muito longe na caracterização da sua proposta de "refundar" o Estado – gastando menos dinheiro.

Troika e Governo parecem ter razão quando apontam para problemas de eficiência na máquina pública e na economia. Por exemplo, a despesa pública na primeira década deste século está na média da Zona Euro, mas o País continua a ser um dos mais pobres e mais desiguais. O crescimento da economia foi anémico e as contas públicas nunca estiveram verdadeiramente controladas.

A reforma do Estado procurará resolver pelo menos uma parte destes problemas. Contudo, tal será impossível se não forem identificadas as causas e se estas não forem devidamente enquadradas nas características específicas da economia e das instituições nacionais.

Se há uma conclusão que se pode retirar das várias experiências internacionais é a de que reformar o Estado é muito mais que um exercício de poupança baseado em "boas práticas internacionais".

"Há uma percepção crescente de que as instituições económicas, políticas, legais e sociais são essenciais para o sucesso económico e para o falhanço das nações", sintetizou Daron Acemoglu, professor do MIT, num artigo de 2008, escrito para o Banco Mundial que se tornou uma referência na reflexão sobre o papel do Estado e o desenvolvimento económico.

Estado grande, Estado forte?

A história do último século das economias desenvolvidas está marcada por intensos debates sobre o peso e papel do Estado na economia. De um lado, as visões mais igualitárias e solidárias da sociedade que privilegiam a presença do Estado na economia – do qual o modelo social europeu é um exemplo e as democracias nórdicas um expoente máximo. Do outro, as perspectivas mais liberais – centradas no indivíduo, na liberdade de escolha, na eficiência e no Estado mínimo – e que nas últimas décadas ganharam terreno, especialmente nos EUA e Reino Unido.

Francis Fukuyama, um destacado cientista político norte-americano, polémico pela suas posições liberais, enquadra a análise sobre o papel do Estado na economia em dois vectores: de um lado, a abrangência da sua presença na economia (Estado grande ou pequeno); do outro, a capacidade de implementar políticas e estabelecer regras para todos, ou seja, a sua capacidade institucional (Estado forte ou fraco).

Qualquer reforma do Estado tem de definir em que dimensões pretende actuar, defende o especialista. Por exemplo, os norte-americanos tendem a preferir um Estado pequeno e forte (nas instituições); enquanto os franceses - e os europeus em geral – favorecem um Estado grande e forte. Ao longo da história há vários exemplos de reformas que conduziram os países para as várias situações e esta é uma escolha essencialmente política.

É commumente aceite no debate que o modelo norte-americano é mais eficiente, mas também que essa eficiência é conseguida à custa da justiça social. Conseguir as duas coisas é especialmente difícil.

Não é fácil ser a Suécia

"Encarar e lidar com os ‘trade-offs’ entre equidade e desempenho requer níveis consideráveis de vontade política e social", analisa Richard Freeman, um economista norte-americano professor em Harvard, que se destacou nos últimos vinte anos pela análise às reformas operadas na Suécia nos anos 90.

Freeman, numa publicação de 2010 onde procura as lições do caso sueco, reconhece que, juntamente com a sua equipa, poderá ter desconfiado em excesso da capacidade de aquele modelo – assente numa lógica igualitária – conseguir vingar após a dura crise de há 20 anos.

"A recuperação sueca mostra que é possível gerir uma economia de mercado relativamente bem sucedida, dedicando recursos consideráveis a um Estado social que garante a igualdade económica, e ultrapassar uma crise". Mas com esta conclusão chega também o aviso: "O Estado social exige mais clareza social e política sobre a economia, especialmente por parte dos políticos" e "talvez a lição mais importante da experiência sueca para os outros países é a de que não é fácil ser a Suécia".

O fantasma do consenso de Washington

O enquadramento de Fukuyama para o debate sobre a reforma do Estado é útil também pela sua outra dimensão: a da relevância da força ou capacidade institucional do Estado – uma área onde a Suécia ocupa lugares de topo em termos mundiais e na qual Portugal fica na segunda metade da tabela da Zona Euro, como revelam os últimos dados de avaliação de "governance" publicados pelo Banco Mundial.

A importância das instituições é, aliás, o recurso com que Fukuyama tem tentado recuperar a imagem do "chamado consenso de Washington" – do qual FMI e Banco Mundial são os principais agentes no terreno – o qual foi seriamente abalado nos anos 90 pelo falhanço da convicção de que liberalizar mercados e reduzir o peso do Estado na economia era a solução para quase tudo.

"Em retrospectiva, não havia nada de mal com o Consenso de Washington em si" escreveu o politólogo num texto de 2004 sobre a importância de fortalecer o Estado, acrescentando que "o problema foi o de que enquanto os estados precisavam de ser cortados em algumas áreas, precisavam também de ser fortalecidos noutras".

Fukuyama acabou, no fundo, por vir ao encontro da corrente de pensamento que se afirmou definitivamente na última década e que coloca a reforma das instituições no centro do debate. Essa ideia tem sido amplamente divulgada por Daron Acemoglu e James Robinson que este ano publicaram um livro de referência sobre o tema. Em "Porque falham as Nações?" defendem que mais importante que liberalizar uma economia é garantir que o país desenvolve as instituições – sistema de justiça, educação, protecção social – adequadas às suas características, garantido a eliminação das industrias e das elites exploradoras.

Os riscos da troika

Não é assim de admirar que a importância do reforço das instituições esteja bem presente no discurso da troika em Portugal – basta pensar na insistência com que defende a melhoria dos mecanismos de controlo orçamental, do sistema de justiça ou do combate às rendas excessivas dos sectores protegidos.

Mas identificar os problemas não chega para encontrar soluções. O aviso chega de Dani Rodrik, um dos economistas mais conhecidos do mundo nesta área, num texto escrito em 2008 para o Banco Mundial, mas que não podia ser mais oportuno dada a recente visita a Portugal das equipas daquela instituição e do FMI para estudar a reforma do Estado a partir de comparações internacionais.

"O desenho do enquadramento institucional adequado requer conhecimento local e criatividade", diz Rodrik, acrescentando que, "infelizmente, o tipo de reforma institucional promovido pelas instituições multilaterais como o Banco Mundial, o FMI ou a WTO está enviesado para o modelo das melhores práticas", esquecendo as especificidade nacionais e arriscando piorar a realidade em vez de a melhorar.

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