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Funções do Estado há muitas, mas poucas são inalienáveis

É longa e minuciosa a lista de funções que o Estado tem de assegurar, de modo a que a Constituição seja respeitada. Contudo, a principal Lei do País não diz quem deve ser o prestador dos serviços a que os todos os cidadãos têm direito.

30 de Novembro de 2012 às 09:00
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Cabe ao Estado garantir a independência nacional; as liberdades e garantias dos cidadãos; defender a democracia; promover a qualidade de vida do povo; a efectivação dos seus direitos económicos, culturais e ambientais; defender a natureza; promover o desenvolvimento harmonioso do território. É longa e minuciosa a lista de funções que o Estado tem de assegurar em respeito pela Constituição da República (CRP). Mas, tirando algumas das funções soberanas, como a administração da justiça, a feitura das leis, ou a defesa do território, a outra vasta maioria pode bem ser delegada em terceiros.

Quando a Constituição diz que o Estado deve garantir o acesso de todos os cidadãos "independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação", não diz quem tem de ser o prestador. Do mesmo modo, quando se refere à educação, não obriga a que haja escolas públicas por todo o território. "A Constituição coloca a tónica no cidadão, não no Estado", explica o constitucionalista Tiago Duarte. "Em geral, as actividades não precisam de ser directamente realizadas pelo Estado. O fundamental é que as pessoas as recebam, não quem presta", adianta. A janela para a privatização de alguns serviços ou a sua concessão temporária já está aberta, e nada obsta a que seja aprofundada.

A flexibilidade que se aplica à escolha do prestador de serviço, estende-se também à qualidade e à quantidade de serviço que é prestado. Por exemplo, a lei fundamental obriga a que haja protecção em caso de desemprego. Contudo, em lado algum se estabelece o mínimo de rendimento de substituição que deve ser assegurado, o que deixa grande margem de manobra aos legisladores para calibrarem o apoio. "A Constituição só diz que o Estado não pode diminuir a protecção dos direitos de tal forma que se torne irreconhecível na sua existência. A atribuição de um subsídio de desemprego de 20 euros seria uma esmola, não um subsídio. Mas nada impede ajustamentos", acrescenta Pedro Bacelar Vasconcelos, professor na Universidade do Minho.

É esta grande plasticidade da CRP que, à partida, permitiria ao Governo avançar com uma "refundação" sem fazer uma revisão constitucional.

 

Funções sociais em revisão: alguns serviços que o Estado garante e que podem estar em transformação

 

Defesa e Segurança

 

Defesa e segurança são, a par da justiça, funções nucleares do Estado, que, à partida, são inalienáveis. Mas há algumas nuances. Por exemplo, "A protecção do território não pode ser concessionada, mas há edifícios públicos que têm segurança privada", diz Pedro Bacelar Vasconcelos. Outro exemplo, por Tiago Duarte: "Se o Estado decidir ter um submarino, pode comprar ou alugar".

 

Educação

 

O Estado é obrigado a "assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito" e, nos restantes graus de ensino, "estabelecer progressivamente" a sua gratuitidade. É por isso que as propinas só aumentam à taxa de inflação. Mas o serviço público é também prestado por escolas privadas, nomeadamente através de contratos de associação.

 

Justiça

 

É mais uma das provas de que a CRP não é um colete de forças. "Seria inconstitucional privatizar a justiça porque os tribunais são órgãos de soberania", lembra Pedro Bacelar Vasconcelos. Mas já há casos de tribunais arbitrais onde já há uma aplicação privada da justiça. Também no domínio das prisões se fala da entrega da gestão a privados, recordam os dois juristas.

 

Pensões

 

Diz a lei fundamental que o sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego. E que todo o tempo de trabalho contribui para o cálculo das pensões de velhice e invalidez. Mas não se indica o que é uma prestação mínima, nem se diz que elas têm de ser geridas pelo Estado, o que deixa ampla margem de manobra.

 

Saúde

 

Ninguém pode ficar privado do acesso à saúde, mas a Constituição permite parcerias público-privadas, concessões e margem de adequação dos custos. Por exemplo, permite- -se a diferenciação dos custos de acesso à saúde em função do rendimento. Para cada pessoa a saúde tem de ser tendencialmente gratuita, mas este conceito pode ser adaptado ao bolso de cada um, recorda Tiago Duarte.

 

Desemprego

 

A protecção no desemprego é outro exemplo da margem de manobra que a Constituição deixa ao legislador. O Estado é obrigado "à assistência material quando os trabalhadores involuntariamente se encontrem em situação de desemprego", mas não se diz quanto. Pedro Bacelar Vasconcelos lembra que a CRP só impede a diminuição de direitos que fiquem irreconhecíveis.

 

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