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Frente-a-frente entre João Salaviza e Pedro Mexia

As mesmas perguntas. Duas visões.

30 de Janeiro de 2013 às 11:33
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1. O Estado português gasta demasiado ou tem um peso excessivo na Cultura?

2. É possível transferir algumas das funções prestadas pelo Estado para o sector privado?

3. Em que áreas é que o Estado poderia fazer mais ou ser mais eficiente?

4. Este momento de crise económi-ca é o mais indicado para executar uma reforma deste género?

 

 


João salaviza, Realizador


Não há vontade de investir em cinema que não imite Hollywood


1. Não, de todo. O Estado tem-se demitido das suas funções primordiais nos últimos dez, doze anos, através de um desinvestimento exageradíssimo e irresponsável na Cultura. Exemplo disso é que o Orçamento do Estado de 2013 prevê uma despesa de 0,1% do PIB. O papel do Estado enquanto redistribuidor da riqueza deve assumir que a Cultura é um pilar de construção de uma sociedade civilizada tão importante como a Saúde, a Educação ou a Justiça.

 

2. Para mim, o Estado deve garantir, pelo menos, o mínimo. Há vários países com exemplos muito interessantes, em que os privados servem como um complemento interessante. No Brasil, há uma lei de mecenato fortíssima que incentiva as empresas a investirem em actividade culturais. Ainda assim, nada pode depender só dos privados. No caso da Cultura, isso significaria os artistas serem obrigados a fazer compromissos que comprometeriam a sua visão.

 

3. O Estado tem falhado redondamente na criação de condições para os artistas criarem em liberdade e na capacidade de levar a produção artística a toda a população. Não existe vontade política para investir, principalmente em áreas de risco, artistas jovens, cinema que não imite Hollywood, no teatro ou pequenas companhias. Este Governo acha que a cultura portuguesa é representada pela fado ou por meia dúzia de artistas plásticos. E depois há uma enorme hipocrisia. O [filme] Rafa venceu o Urso de Ouro em Berlim. O financiamento de 30% filme foi feito por um instituto de cinema francês que co-produziu o filme. Devido à estagnação do ICA e do Instituto Camões, para ir receber o prémio ao festival de Berlim tive de usar meios próprios ou da minha produtora. Quando chego a Portugal, qual não é o meu espanto quando o secretário de Estado da Cultura, primeiro-ministro e Presidente da República diziam estar orgulhosos com o meu prémio e do Miguel Gomes [realizador do Tabu].

 

4. Estamos a atravessar um momento fracturante. A minha geração nasceu com uma concepção de mundo que não teria retrocessos na forma de viver em sociedade. Está a decorrer um desmantelamento do Estado social precisamente na altura em que tem de existir um Estado forte e solidário. Conceitos como bem-estar ou sonho saíram do léxico dos políticos e foram substituídos por abstracções, como dívida pública, agências de rating ou mercados. Os políticos perderam a noção do lado humano e isso é perigoso.

 

 

 

 

Pedro Mexia, escritor


Em Portugal, sem Estado não há biodiversidade cultural


1. Não é fácil responder com sim ou não. A minha concepção de Estado é que, tirando algumas funções essenciais, deve ter um papel suplementar. Na Cultura, aplicar esta lógica de forma cega é perigoso. Se for aplicado esse critério nesta área, grande parte das manifestações culturais não existiria. Para as necessidades portuguesas, a presença do Estado na Cultura é insuficiente, se olharmos para a percentagem de despesa do orçamento. Este orçamento da Cultura é ridículo. Em Portugal, sem Estado não há biodiversidade cultural. Há quem defenda que, se a ópera não consegue existir sem apoio do Estado, então não deve existir. Essa não é a minha opinião. No cinema, que é o meio que conheço melhor, é preciso perceber que o nosso cinema nunca vai dar lucro. O país tem 10 milhões de habitantes. Um filme precisa de 100 mil espectadores para ter lucro, o que aconteceu muito raramente.

 

2. Neste caso não haveria problema nenhum de deixar os privados financiarem a arte em Portugal, mas esse está longe de ser o problema. Alguns mecenas portugueses estão interessados em apoiar exposições vistosas, mas não pequenas companhias de teatro, por exemplo. Basta olhar para os momentos áureos de Portugal e Espanha e percebe-se o diferente empenho de ambas as elites. As elites portuguesas nunca mostraram um especial interesse por arte e cultura.

 

3. A área onde o falhanço é mais flagrante é a política da língua portuguesa. O Instituto Camões deveria ter um peso e uma actuação muito maior. Deveria actuar no estrangeiro, com bibliotecas e centros culturais, assegurar que chegam livros, que são feitas traduções. Neste momento funciona de forma catastrófica. É preciso lembrar que existem países sobre os quais nada saberíamos, se não fosse pela Cultura. Um autor, um realizador ou um filme. Claro que a influência do Estado também tem pontos negativos, na forma como, por exemplo, são escolhidos os filmes que serão apoiados. E aqui nenhum critério é completamente bom: sucesso de bilheteira? Currículo? Avaliação estética? Por isso é que o sistema não é bom. Mas em Portugal, a alternativa é não se fazer o filme.

 

4. Do ponto de vista político, qualquer escassez de recursos exige repensar a forma como as coisas são feitas. Mas não me parece que este problema se aplique à Cultura. Com este governo eu não percebo é se esta reforma está a ser feita por convicção ideológica, por necessidade orçamental ou por desorientação.

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