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História do primeiro orçamento do Estado

Já estão digitalizados os primeiros orçamentos. O primeiro Orçamento considerado da modernidade foi feito em 1880-1881. O Negócios recupera um artigo escrito em 2007 sobre os primeiros documentos com as receitas e despesas do Estado.

06 de Fevereiro de 2016 às 11:30
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A Nação (sempre) às voltas com a aritmética

É em 1881 que aparece, pela primeira vez, a designação de Orçamento Geral do Estado, tal como é hoje conhecido. O lendário jornal "O Século" começava a circular. O jornalista e parlamentarista Rodrigues de Sampaio assumia a presidência do governo regenerador que tinha como tutelar da fazenda Lopo Vaz de Sampaio e Melo, o ideólogo do novo – o terceiro – regulamento geral da contabilidade pública, "justamente célebre dadas a algumas inovações introduzidas e dada a circunstância de um número significativo das suas normas terem permanecido em vigor até aos nossos dias", justifica hoje* [13 de Outubro de 2007], 126 anos depois, a Direcção-Geral do Orçamento (DGO).


Atingia-se assim, salienta a DGO, a maturidade do modelo de administração orçamental moderna. O documento de 81 aparece ainda assinado por Henrique de Barros Gomes, ministro da Fazenda do governo progressista de Anselmo José Braamcamp, que se demite a 23 de Março desse ano.


Mas a verdade é que o primeiro orçamento da época liberal, "ainda que não originando legislação orçamental formal, foi apresentado pelo Governo ao Parlamento e debatido por este logo em 1821, apenas alguns meses após o triunfo da revolução vintista", recorda Carlos Bastien, na introdução ao livro "Os orçamentos no parlamento português", coordenado por Nuno Valério, editado em 2006 pela Assembleia da República. "Procurava-se então superar a desarrumação, sigilo e confusão reinantes em matéria de finanças públicas e ordenar a acção financeira do Estado. Procurava-se também, e sobretudo, dar expressão à nova visão política dominante que tomava a discussão e aprovação do orçamento como um momento crucial da afirmação da soberania popular", analisa Bastien.


Esses escritos estão compilados na "Colecção de Orçamentos e outros Documentos de Contabilidade, e Administração Portugueza", que deu origem a um documento histórico que ainda hoje, em tom pardacento, pode ser consultado na biblioteca central do Ministério das Finanças. Trata-se, como se lê, de uma exposição "das operações do Thesouro Nacional no 1º semestre de 1821 e das que pode fazer no estado actual dos rendimentos públicos sem augmentar as suas dividas". Dirigida "às Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da nação portugueza, pelo ministro e secretario D’Estado dos Negócios e Fazenda", Francisco Duarte Coelho, a introdução do ministro é aqui transcrita na sua versão original. O equilíbrio orçamental era já tarefa ingrata.

Orçamentos
O primeiro tal como agora
O Orçamento Geral do Estado de 1881 – o primeiro a surgir com a designação que ainda hoje prevalece – está digitalizado pelos serviços da Biblioteca Central do Ministério das Finanças, à semelhança dos seus antecessores. Online podem ser consultados documentos como os orçamentos apresentados às Cortes desde 1836 a 1841. Intitulado "Orçamento geral e propostas de lei das Receitas e das Despezas do Estado na Metropole para o exercício de 1880-1881", o documento foi apresentado pelo então ministro dos Negócios da Fazenda, Henrique de Barros Gomes. Para o período de 1880-81 a receita total do Estado deveria somar 28.649.568$000, impulsionada por impostos directos de 6.121.568$000 e indirectos de 14.220.134$000. A Despesa situava-se nos 33.799.518$531, o que se traduzia num saldo negativo de 5.149.950$000. Por ministério, o maior peso estava nas Obras Públicas com uma despesa ordinária de 2.443.823$060 e despesas extraordinárias de 4.163.000$000. "Profundamente convencido de que o primeiro e mais indispensável elemento para regularisar a fazenda publica consiste em descrever com inteira verdade a situação em que ella se encontra, em evidenciar de modo completo perante o paiz a grandeza dos seus encargos, não receiei, ao organizar este orçamento que uma descripção realisada nésses termos podesse affectar desfavoravelmente o credito publico", assinava o ministro.

cotacao O Orsamento das Rendas e Despezas Publicas, dado no principio deste anno, fazia montar a Receita do semestre a 3:620:500$000 rs, e a Despesa a 4:259:550$000 rs porém nenhum destes cálculos se verificou. A pezar das diligencias mais activas e mais violentas, a Receita importou apenas em 3:373:826$802, e a Despeza deveria subir a 5:229:360$468 rs, e tendo se pago della só 3:331:092$976 rs, vem a ser o alcance no primeiro semestre de 1821: 1:898:267$492 rs. Para o segundo semestre previase uma receita de 3:711:500$000 e despesa de 4:923:217$500, o que resultaria num deficit de 1:211:717$500 reis, "ou três milhoes vinte e nove mil cruzados, e 117$500 reis", esclarecia o tutelar da Fazenda. E argumentava: "He principio fundamental de toda a boa administração que as Despezas, quando não sejão menores do que os rendimentos, ao menos estejão ao nível delles; e a importância deste axioma indubitável a respeito de qualquer administração particular, he muito mais transcendente a respeito da administração Publica, porque o deficit sendo ao principio hum mal que só peza sobre aquelles que deixarão de receber no Thesouro as quantias a que tinhão direito, tornase depois hum mal geral, e augmenta o gravame da Nação que ha de por fim vir a paga-lo exhaurindo as fontes da sua riqueza e prosperidade. Por isso quando necessidades reaes ou factícias exigem Despezas superiores aos rendimentos, para salvar a Nação do abismo em que infallivelmente ha de submergirlla hum alcance progressivo e indefinido, he inevitável ou fazer crescer os Rendimentos ou por meio dos novos Tributos ou cortar sem dó pelas Despezas que melhor podem escusar-se. Tal he a situação desastrosa de Portugal, situação a que he forçoso attender e acudir. Ninguem ignora a escacez de numerario que gira nas nossas Provincias, e a penuria que em algumas torna até difficilima a cobrança dos actuaes impostos. São muitas as causas que tem concorrido para a extenuação da nossa opulencia. (...) He impossivel que, em quanto, a Dezpeza do Exercito fôr tão excessiva, e tão desproporcionada com as rendas Publicas, possa deixar d’haver huma divida enorme, e huma desordem irreparável nas Finanças. He necessario que não nos illudamos com esperanças quimericas de sonhadas grandezas. He forçoso enfim acreditar o desengano amargo de que a Nação está á borda d’hum precipicio de que só póde livrala a mais severa economia. (...)  Francisco Duarte Coelho - 1821/1823 Tomo ILisboa, 30 Julho 1821 

Nota: *Artigo publicado no Jornal de Negócios, a 13 de Outubro de 2007. Na altura decorriam 126 anos desde o primeiro orçamento. À data actual decorrem 135 anos. 

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