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Banco de Portugal: "É imprescindível prosseguir o processo de ajustamento"
O banco central faz um balanço positivo da evolução económica em 2014, mas avisa que os níveis de endividamento continuam a ensombrar economia.
O Banco de Portugal assinala o regresso ao crescimento da economia portuguesa em 2014, com uma significativa redução da taxa de desemprego, e a manutenção de um excedente externo e de um saldo orçamental primário positivo.
Estes resultados não devem, contudo, desviar a atenção da pressão que os elevados níveis de endividamento continuam a exercer sobre a economia. O ajustamento é para continuar, defende o banco central no seu Boletim Económico de Primavera, no qual faz um balanço da actividade económica em 2014, sem avançar com estimativas para este ano.
"É imprescindível para a economia portuguesa prosseguir o processo de ajustamento em curso, com aumentos sustentáveis do consumo e das taxas de investimento que permitam renovar o capital, em paralelo com uma redução progressiva dos níveis de endividamento", lê-se numa nota enviada à imprensa pelo banco central, no qual acrescenta considerar fundamental manter uma ambiciosa agenda de reformas estruturais.
"Após três anos de contracção, a economia portuguesa registou em 2014 um crescimento do produto de 0,9%. Embora moderado, este crescimento é de assinalar visto ter ocorrido em simultâneo com o restabelecimento de equilíbrios macroeconómicos", destaca o banco central, que defende que está em curso um ajustamento estrutural da economia nacional, o que suporta com vários indicadores: saldo externo positivo, saldo orçamental primário [descontado o efeito dos juros] positivo, redução do consumo público e regresso do investimento à economia após vários anos de queda.
"O peso do consumo público no produto reduziu-se em cerca de 2 pontos percentuais nos últimos cinco anos, para 19% do Produto Interno Bruto" evidencia o banco central liderado por Carlos Costa (na foto), que calcula uma redução do saldo orçamental estrutural de 0,8 pontos do PIB em 2014 (acima da meta europeia de 0,5 pontos), assim como a obtenção em 2014 de um saldo primário positivo. O saldo orçamental global ficou nos 4,5% do PIB.
Estes são desenvolvimentos positivos, mas que não devem permitir aliviar o esforço de consolidação nos próximos anos, tem defendido o banco central que, no ano passado, estimou que Portugal teria necessidade de acrescentar mais 4 pontos de PIB de esforço orçamental para garantir uma redução sustentável da dívida pública (que ficou em 130,2% do PIB em 2014) nas próximas décadas.
Na frente externa, a equipa de economistas da autoridade monetária destaca que a evolução das "exportações de bens e serviços na economia portuguesa foi novamente positiva em 2014, reforçando a perspectiva de que tal corresponde a uma alteração estrutural, visível na última década. O peso das exportações no produto aumentou cerca de 10 pontos percentuais desde 2010, para 40% PIB".
Este resultado permitiu que a manutenção de um saldo externo positivo, embora menor que o de 2013, o que "sinaliza uma inversão do longo processo de aumento do endividamento externo, essencial para a manutenção de condições de normalidade no acesso aos mercados", lê-se na nota do banco central, que ignora um aumento ainda superior das importações, uma evolução que consideram normal para suportar o aumento do investimento.
Uma outra evolução positiva em 2014 foi exactamente o regresso do investimento "após cinco anos de quedas significativas, sendo de destacar o dinamismo observado nas máquinas, equipamento e material de transporte" consideram os economistas da Almirante Reis, que interpretam aqui mais um sinal de recuperação e transformação da economia.
Mercado de trabalho e endividamento ensombram
As evoluções positivas na saída do programa de ajustamento são no entanto ensombradas por duas dimensões menos positivas, também destacadas no relatório. Por um lado, a redução da taxa de desemprego estabilizou na segunda metade de 2014 e a dinâmica de criação de empregos permanece "limitada". Por outro lado, os elevados níveis de endividamento continuarão a condicionar fortemente a capacidade de investir e consumir, e logo de ganhar competitividade e crescer.
"A situação da economia portuguesa continua a caracterizar-se por elevados níveis de endividamento dos sectores público e privado, com reflexo no elevado nível de endividamento externo, os quais continuarão a constituir uma restrição activa nas decisões dos agentes económicos" lê-se na síntese da avaliação disponibilizada pelo banco central, que acrescenta mais à frente que "a acumulação de capital produtivo privado na economia portuguesa está fortemente condicionada pelo endividamento das empresas, que continuam excessivamente dependentes de crédito bancário e com escassez de capitais próprios". Apesar de uma melhoria nas condições de créditos – taxas e spreads – o crédito concedido às empresas continuou a cair, sublinha o relatório.
No que diz respeito ao mercado de trabalho, o banco central destaca que se observou "um crescimento do emprego e uma redução da taxa de desemprego, que resultam de uma menor destruição de empregos", salientando no entanto que "que se verifica uma limitada criação de novos postos de trabalho". Apesar da descida da taxa de desemprego, Portugal registou 698 mil desempregados no final de 2014, dois terços dos quais estavam nessa situação há mais de 12 meses.
Sectores como a construção ou a restauração, que utilizam muita mão-de-obra, estão longe de recuperar da crise e, a confirmar-se o ajustamento estrutural da economia antecipado pelo banco central (em favor de sectores exportadores), poderão não ganhar o peso do passado. Tal poderá significar taxas de desemprego elevadas por muitos anos. A taxa natural de desemprego estimada para Portugal ronda agora os 11%. O banco central defende, por isso, a urgência de reformas estruturais que possam contribuir para aumentar o potencial de crescimento e reduzir este valor.
(notícia actualizada às 13h40 com mais informação)