Notícia
A entrevista na íntegra a Maria Luís Albuquerque
Leia a entrevista e veja os vídeos com a entrevista do Negócios a Maria Luís Albuquerque.
Os relatórios da IGF sobre a Caixa, que foram noticiados esta semana, tinham ou não informação nova sobre o banco?
Toda a informação sobre a Caixa é informação transparente e pública. As regras existem e essa foi uma mudança significativa e reconhecida relativamente ao sector financeiro nos últimos anos da nossa governação, é que aumentou muito significativamente o nível de controlo, de transparência. Por razões várias, muitas delas têm a ver com a regulação e não especificamente para Portugal, mas porque houve sempre uma atitude consciente, deliberada de que todas essas matérias fossem absolutamente transparentes e escrutináveis, por maioria de razão na Caixa Geral de Depósitos que é o banco público. Estamos a falar de contas que foram aprovadas, auditadas, sem quaisquer ênfases, sem quaisquer reservas, e tudo aquilo que havia para saber sobre a Caixa sabe-se de relatórios que são públicos e que são conhecidos. Não havia mais nada a acrescentar.
Os documentos da IGF não traziam nada a mais, qualitativa ou quantitativamente?
Absolutamente nada a mais do que aquilo que são documentos públicos, conhecidos, e que aliás foram tornados públicos no início do ano de 2015. Já são conhecidos há muito tempo.
E qual é a relevância de os relatórios terem sido recebidos e só terem sido despachados alguns meses depois?
Nenhuma. Rigorosamente nenhuma. Não há nenhum problema de transparência, não houve nada que tivesse de ter um seguimento, um 'follow-up', alguma coisa que não fosse já conhecida não só do Governo mas até do público em geral, por força da publicação das contas e dos respectivos relatórios. Não há nada de menos transparente na questão da Caixa. Tudo o que é a situação da Caixa é conhecida, é pública, foi auditada, foi escrutinada, por todas as entidades de supervisão e é informação que está disponível no mercado, como aliás deve ser e tem de ser.
É um facto que a situação da Caixa, como de outros bancos, se veio degradando. A Caixa tinha um plano de negócios firmado com o accionista Estado e houve um desvio muito grande em relação às previsões iniciais. Porque é que esse plano não foi actualizado ou revisitado e as metas mantidas inalteráveis mesmo quando já se percebia que era impossível que batessem certo?
O plano da Caixa, os planos de todos os bancos, partiam de uma série de pressupostos que não se materializaram. As taxas de juro não subiram, o ambiente económico geral não teve a evolução que era prevista e quando nós olhamos para a situação actual em que o crescimento económico voltou a reduzir-se face ao que foi em 2015, naturalmente que isso vai ter como consequência a geração de novas imparidades na banca. A única forma de dar saúde ao sistema financeiro em termos eficazes é pôr a economia a crescer. Isso é que cria condições para que a banca possa fazer investimentos ou possa emprestar a quem tem bons projectos e que esses projectos possam ser rentáveis. No cerne da questão dos problemas do sistema financeiro estará necessariamente o problema do crescimento económico, que voltou a diminuir este ano. Aquilo que se passa com a Caixa, a Caixa tem um plano de reestruturação, como tiveram todos os bancos que foram sujeitos a intervenção do Estado - e a Caixa, embora seja pública, também teve um processo no âmbito de auxílios de Estado e com um plano de reestruturação - e a seu tempo todas essas coisas têm de ser avaliadas. A verdade é que já se passou um ano desde que este Governo entrou em funções e até agora ainda não aconteceu nada. Portanto não poderia ser com certeza uma situação muito urgente, se já se passou um ano e não aconteceu nada e a Caixa continua a funcionar e ainda não incumpriu nada, seguramente o que quer que por lá se passasse não era urgente.
Mas é ou não verdade que, ainda quando estava no Governo, era já claro que aqueles objectivos estavam completamente desactualizados? Havia ou não razões para se revisitar e chegar à conclusão que assim não fazia sentido?
O plano de reestruturação que a Caixa tinha e tem ainda em vigor - pelo menos até à aprovação de um novo - era um plano que ia até final de 2017, de acordo com o calendário da recapitalização feita em 2012, e que teria de ser revisitado com certeza neste ano de 2016. Seria o tempo normal e natural para fazer essa análise e para ver eventualmente o que seria necessário fazer. Mas não era um assunto que estivesse iminente. E, como digo, se fosse alguma coisa de tão urgente que fosse necessário actuar de imediato não teria sido possível esperar um ano e a Caixa apesar de tudo e das muitas dificuldades que tem tido por outras razões continua a funcionar e não incumpriu nenhum rácio.
A Caixa precisa de um aumento de capital desta magnitude?
Acho surpreendente o volume que se tem falado. Acho isto desde o início. Mas é muito difícil ter opiniões mais fundamentadas quando, apesar dos insistentes pedidos por parte do parlamento para que fosse prestada informação, o Governo, ou a Caixa ou quem tenha sido, optou por divulgar a partir dos jornais em parcelas. É muito difícil ter uma visão mais abrangente daquilo que se passa. O montante parece irrazoável e isso terá com certeza um conjunto de pressupostos que, uma vez conhecidos, não deixarão de ter uma leitura para o resto do sistema. Ou seja, quaisquer que sejam os critérios aplicados na Caixa para justificar um aumento de capital desta dimensão- estamos a falar de muito dinheiro - terá repercussões no resto do sistema financeiro. E isso não me parece uma atitude de todo estabilizadora. Mas há aqui um problema sério de falta de transparência. A única coisa que nós vamos sabendo é que houve um tecto máximo de valores que poderiam ter sido considerados no processo de recapitalização mas não sabemos exactamente quanto é que é, porque é que é, e sobretudo para quê. O que é que é suposto que vá acontecer à Caixa, o que é que a Caixa vai poder fazer, atendendo a que a Caixa é o maior banco do sistema e um banco público, tem responsabilidades claras para a dinamização da economia, como aliás estava reflectido na carta de missão que o Governo anterior entregou à administração. E nós não sabemos neste processo todo para que é que isto vai servir e quais são os custos subjacentes. Vamos sabendo alguma coisa através dos jornais, o que não é a forma respeitosa de tratar o parlamento, o Governo devia ter sido transparente, dando a informação à medida que a tinha, e respondendo às perguntas do parlamento. Por isso acabamos sempre por estar a comentar questões sem ter a informação completa. E da mesma forma que nós no parlamento o fazemos também o fazem os investidores, o mercado, relativamente ao resto do sistema financeiro. A instabilidade e a preocupação que isto gera, o mercado na dúvida vai sempre assumir o pior, para se proteger. Isto é muito danoso para o resto do sistema. Este processo tem de ser rapidamente tornado transparente para poder ser avaliado com serenidade.
Depois desta novela da administração da Caixa, o que lhe parece esta nova equipa?
A questão nunca foram as pessoas, nem na anterior equipa nem será nesta. São com certeza pessoas competentes, capazes, para desempenhar o seu papel. A questão aqui está no comportamento do accionista, porque sendo o accionista único que é o Estado as condições de trabalho da administração, da demissionária e da nova, vão depender muito da forma como o Estado português enquanto accionista se comportar relativamente à Caixa. Da mesma forma que a nossa questão no passado nunca foi a competência das pessoas que foram escolhidas, também não é isso que está em causa nesta nova equipa. Vamos ver quais são as condições que efectivamente têm. Há um conjunto de respostas que deviam ser dadas e não estão a ser dadas. Há uma enorme falta de transparência em todo o sistema financeiro, mas sobretudo no processo da Caixa, desde que ele começou a ser tratado.
Permanece a convicção, junto de algumas pessoas, que o PSD em determinadas circunstâncias, poderia ser mais favorável a uma privatização da CGD, até por posições defendidas há alguns anos por alguns responsáveis. Qual é a posição actual do PSD em relação a uma possível abertura de capital da Caixa a privados?
Agora vai haver o chamado teste de mercado, ou seja, o mercado vai dizer quanto é que exige de rentabilidade para pôr dinheiro na Caixa. É esse o objectivo da colocação de dívida junto dos privados. A Caixa Geral de Depósitos, nestes últimos anos, assumiu um papel ainda mais relevante dentro do sistema financeiro. Deveria ser um esteio de estabilidade no sistema financeiro e numa fase em que há recomposições accionistas de outros bancos e em que o sector está em mutação profunda, é adequado, claramente, neste momento, que a Caixa se mantenha como uma entidade pública. Para ter melhores condições para ser este apoio do sistema no seu conjunto. Embora, de facto, não seja isso que está a acontecer neste momento. A forma como está a ser gerido o dossier Caixa Geral de Depósitos está a tornar a Caixa num foco de instabilidade e não um foco de estabilidade. O que prova, neste caso, que o facto de continuar a ser 100% pública só por si não basta. Mas neste momento faz todo o sentido que a Caixa seja pública. Nesta fase, neste enquadramento.
E consegue ir mais longe, tirando o "nesta fase e neste enquadramento"?
Tenho muita dificuldade em fazer cenários sobre um futuro que não se conhece. Aliás, os cenários em política são sempre uma coisa difícil de fazer. Não estou a ver num horizonte previsível uma evolução que justificasse um posicionamento diferente daquele que tenho neste momento.
Concorda ou não que esta Comissão de Inquérito, com as vicissitudes que já viveu, parece ser uma comissão na qual nenhum partido está realmente interessado, até por comparação a outras que tivemos?
Tivemos uma interrupção dos trabalhos por causa do Orçamento do Estado mas a questão da comissão de inquérito à CGD surge precisamente porque não houve vontade da parte do Governo e da maioria que o apoia de prestar ao parlamento os esclarecimentos necessários quando estamos a falar de colocar na CGD 4,6 ou 5 mil milhões de euros – estamos sempre a falar de um esforço muito significativo para os contribuintes. Portanto, quando o Parlamento pede explicações e é sistematicamente bloqueado pelo Governo, e pelos partidos que apoiam o Governo, o recurso foi a criação de uma comissão de inquérito que tem muito interesse para se saber exactamente qual foi o percurso da CGD e onde é que está a origem dos problemas. Porque se não se perceber onde é que está a origem dos problemas, podemos ficar condenados a repetir os mesmos erros no futuro. Os problemas que levaram a que a Caixa tenha um volume de imparidades desta dimensão – para lá dos que decorrem da recessão – há outros erros que importa apurar. Importa que isso se conheça primeiro porque os portugueses que lá vão pôr o dinheiro têm direito de saber porquê; mas sobretudo para que fiquemos todos alertados e atentos para que o mesmo tipo de comportamentos que gerou os problemas não possam a vir acontecer outra vez no futuro.
Mas esta comissão de facto tem sido muito pouco dinâmica e dá a sensação que o PSD e o CDS queriam um determinado objectivo para a comissão, que acaba por ser limitado pelos partidos que apoiam o Governo e fica tudo um bocadinho em terra de ninguém, porque já passaram muitos dias e revelações relevantes, informações que nos ajudem a explicar, não tivemos nada de substancial até agora.
A comissão retornou agora os seus trabalhos…
… mas já vai a meio…
Como comecei por dizer, se houvesse da parte do PS, BE, PCP, uma vontade genuína de, por respeito ao Parlamento, darem informação, provavelmente nem teria sido necessária a constituição da comissão de inquérito. A mesma posição de bloqueio dificulta os trabalhos na comissão de inquérito mas isso não significa que devamos abrandar o esforço para apurar o que aconteceu. Os portugueses têm o direito de saber o que aconteceu , como digo, para justificar o montante que agora está em causa para colocar na Caixa, e para que saibamos que erros foram cometidos e que possamos evitar no futuro.
Acha que essa estratégia tem a ver exactamente com alguma interferência que alguns governos socialistas terão tido da Caixa? É isso que explica o bloqueio na comissão?
Não sei, não vou especular sobre essa matéria, mas há claramente um padrão de desrespeito pelo Parlamento, que infelizmente não acontece só nesta actividade – esta é a que acompanho mais de perto, mas isto tem sido um padrão de comportamento de não responder ao Parlamento com informação clara, completa, atempada. É um padrão de comportamento até muitas vezes de claro desrespeito institucional. Não há pergunta nenhuma que se faça que tem direito a receber uma resposta – e o PSD é o maior partido do parlamento, nem sequer é da oposição, é do Parlamento – cada vez que se faça uma pergunta sobre algum assunto, em vez de vir a resposta aquilo que é perguntado, vem uma acusação qualquer sobre o passado, sem qualquer cabimento, a substituir uma resposta. Este padrão de comportamento é muito preocupante porque do ponto de vista democrático deixa muito a desejar.
Agora que temos a vantagem de algum tempo que já passou, consegue encontrar coisas que o Governo PSD/CDS poderia ter feito de forma diferente?
A forma como essa questão tem sido muitas vezes colocada é que nós não adoptámos para o sistema financeiro uma solução como adoptou por exemplo a Espanha ou a Irlanda. Ignorando o facto básico de que essa solução - tanto quanto sei e eu não estive envolvida no desenho do programa de ajustamento - não poderia ter sido equacionada porque simplesmente Portugal não tinha condições, do ponto de vista financeiro, para fazer aquilo que fizeram a Irlanda ou a Espanha. E também não é por acaso. Não é por acaso que nós hoje assistimos a uma maior fragilidade nos sectores financeiros em Portugal e em Itália, que são os países que durante os primeiros dez anos de existência do euro registaram o pior desempenho em termos de crescimento, um maior crescimento da dívida pública, défices consecutivos. Isso não permitiu criar um espaço para resolver um programa de grande escala na banca quando ele surgiu, como fez a Irlanda ou como fez a Espanha. Ignorar a circunstância e achar que era uma opção do Governo - para mais um Governo que herdou um programa de ajustamento e um país na situação em que estava -… um país à beira da bancarrota não pode ter um sistema financeiro saudável. As duas coisas não são compatíveis. Pretender que a solução podia ter sido outra como se estivessem disponíveis 30 ou 40 mil milhões ou o que na altura fosse necessário para resolver o problema, enfim, não faz sentido e não é sequer um exercício sério. Aquilo que se fez, dentro daquilo que existia previsto para o sistema financeiro, foi fazer as recapitalizações que na altura foram necessárias e solicitadas pelos bancos - porque no caso dos bancos privados tem de ser assim para haver uma intervenção do Estado - e outras soluções não estavam previstas dentro daquele pacote. Não podemos ignorar o ponto de partida do país e as efectivas disponibilidades que havia para resolver o problema.
Voltando à minha questão, o que me está a dizer é que dentro dos condicionalismos que existiam, olhando agora para trás não teria feito nada de substancialmente diferente?
Não, porque aquilo que nós fizemos relativamente à recapitalização dos vários bancos foi dar resposta às necessidades que foram identificadas, que foram calculadas, seguindo todas as regras. O sector financeiro foi muito acompanhado. Agora, não se conseguiu resolver em quatro anos e meio o problema herdado de muitos anos atrás, em muitos casos de más decisões e depois a conjugação com uma conjuntura económica desfavorável. De facto, não se conseguiu resolver tudo, mas resolveu-se imensa coisa. Era preciso continuar esse trabalho para que as coisas continuassem a ser resolvidas.
A questão do Banco Espírito Santo foi um dos casos em que apesar desse acompanhamento todo, houve muita coisa que falhou. Todo o acompanhamento não permitiu detectar em tempo útil os problemas que existiam.
Isso é uma questão completamente distinta. Esse acompanhamento é feito pelas autoridades de supervisão. Estamos a falar de uma situação em que houve um banco que não pediu o auxílio estatal, ou seja, não pediu para haver uma recapitalização pública, e nos termos da lei a iniciativa tinha sempre de partir do banco, de fazer essa solicitação, que nunca a fez. E depois a solução que foi encontrada foi uma solução de acordo com aquilo que era a lei, e pela entidade competente para o fazer, que é a autoridade de resolução, no caso em Portugal está afecta ao Banco de Portugal.
Há um paradoxo em relação aos 12 mil milhões previstos no programa, às vezes ouve-se o raciocínio de que esse valor era insuficiente mas a verdade é que mesmo esses 12 mil milhões não foram sequer utilizados na totalidade. A parte para o sistema financeiro estava mal desenhada à partida?
Eu não acompanhei o desenho e a identificação das necessidades. Mas claramente não tinham sido consideradas no desenho do programa as necessidades quer do sector financeiro quer das empresas públicas é uma evidência. Quais foram as razões para isso? Como lhe digo, não acompanhei e não vou especular sobre essa matéria. A questão que se coloca é que o tipo de intervenção de que agora se fala como se tivesse sido possível equacioná-la antes era uma intervenção à espanhola ou à irlandesa. Que exigia um montante que era um múltiplo desses 12 mil milhões. Portanto a tarefa teria de ser feita, como foi, com uma injecção de dinheiro público no caso dos bancos que a solicitaram e com a participação dos accionistas privados, no caso dos bancos privados, em aumentos de capital e ir resolvendo o problema. O volume de imparidades que foi registado no sector bancário nacional ao longo destes anos é imenso, o que significa que com o esforço de reestruturação, a recapitalização pública- que nalguns casos até já foi devolvida integralmente - mais o esforço dos accionistas privados nos outros bancos permitiu ir fazendo essa limpeza de balanço. Não terá sido a totalidade e, mais uma vez, quando entramos numa situação em que voltamos a ter menos crescimento económico, voltamos a ter uma pressão enorme sobre os juros da dívida - que não é só da dívida pública, isso depois transmite-se para toda a economia e através do próprio sistema financeiro - isso volta a criar mais problemas aos bancos. Já era difícil resolver com uma situação sempre a progredir favoravelmente, mais difícil se torna quando a situação reverte e começa a evoluir desfavoravelmente.
E a criação de um veículo para os activos desvalorizados da banca? Daquilo que sabe, parece-lhe uma boa ideia?
Depende. Se me pergunta se em abstracto era bom podermos fazer uma solução como os espanhóis fizeram, a minha resposta é a mesma de há bocado, onde é que vamos buscar o dinheiro? É porque os espanhóis, ao longo da primeira década da existência do euro, registaram excedentes orçamentais sucessivos e reduziram a dívida pública para 40 e qualquer coisa por cento do PIB, se não estou em erro. Nós aumentámos sempre.
E este veículo terá sempre que comprar os activos...
Terá sempre que comprar os activos, para não ser auxílio de Estado tem de os comprar ao valor de mercado, se é ao valor de mercado como é que os bancos resolvem o problema? Como digo, não consigo avaliar a ideia em termos teóricos. Teria de conhecer em detalhe, mas o Governo não explica. Não explica isso como não explica o resto.
Há uma acusação, que se tornou numa narrativa popular, de que o Governo anterior não quis mexer demasiado na banca e resolver problemas que poderia ter resolvido, para não dificultar a nossa saída do programa de assistência. Já sei que a sua resposta é que isto não aconteceu, mas a pergunta é outra: se tivesse que escolher entre tratar de um buraco num banco que poderia dificultar a saída do programa e sair do programa?
Nunca se pode fazer uma escolha nesses termos. Porque um Governo ter a consciência de que há um problema no sistema financeiro que pode pôr em causa o país não há saída de coisa nenhuma. Eu acho que uma grande parte do erro da construção dessa narrativa é que não se percebe exactamente o que é a saída limpa ou o fim do programa. Mas para isso talvez seja útil nós recordarmos porque é que entrámos no programa. O país deixou de conseguir pedir dinheiro emprestado, ou melhor, deixou de conseguir que lhe emprestassem. O mercado, os investidores, deixaram de emprestar dinheiro a Portugal. A saída limpa do programa era conseguir que os investidores voltassem a emprestar dinheiro em Portugal. Ora como é que é possível pensar que um Governo soubesse de alguma coisa que estava para acontecer e que inevitavelmente levaria a que os investidores voltassem a deixar de emprestar dinheiro a Portugal, e dizer que isso era uma opção. É uma pergunta que não faz realmente sentido.
Se houvesse um problema dessa dimensão, mais valia não sair do programa nesse momento?
É que não seria sequer possível. Além de que o Governo não tinha nenhum tipo de informação privilegiada de que mais ninguém tivesse conhecimento. Essa pergunta parece indicar que o BCE, a Comissão Europeia, o FMI, o Mecanismo Europeu de Estabilidade, não tinham acesso a toda a informação, não vinham cá de três em três meses, não acompanhavam tudo o que se passava. A ideia de que havia alguma informação que o Governo tinha e a ocultou parte, nalguns casos, de uma profunda ignorância de como as coisas se fazem, e noutros casos de uma coisa que é talvez pior, que é má-fé, tentando distrair com esse tipo de acusações. Não faz sentido. Aquilo que se sabia era sabido por múltiplas entidades que tinham responsabilidades concretas na monitorização dessas situações. A saída aconteceu no final do prazo do programa, com a razão que levou à existência do programa ultrapassada. Ou seja, o país conseguiu voltar a emitir dívida no mercado e a financiar-se no mercado. O que não significa que o acompanhamento não continuasse a ser feito, como continua a ser feito agora. Isto faz parte de um processo regular e essas entidades têm acesso a toda a informação, naturalmente, como têm de ter. E nem é só a partir do Governo, é também através das próprias autoridades de supervisão.
É ou não verdade que este Governo está a resolver assuntos no sistema financeiro que o Governo anterior não quis resolver?
De momento o Governo não está de todo a resolver. Aquilo a que estamos a assistir no sistema financeiro é um enorme ruído, uma enorme instabilidade. O caso da gestão da Caixa dá para escrever um manual do que não fazer. Está tudo errado. Sendo o maior banco do sistema, isto tem obviamente repercussões negativas para todo o sistema financeiro. Portanto, os problemas não estão a ser resolvidos. Primeiro, porque a gestão política dos dossiers está a ser feita de forma errada, e essa é precisamente a origem da acusação de que foi o Governo anterior que deixou. Porque é para distrair da manifesta incompetência e incapacidade do actual Governo para resolver esses problemas. Aquilo de que estamos a falar, no essencial estamos a falar no processo Caixa Geral de Depósitos, há um Governo que está em funções há um ano, no início do ano começou a dizer que havia ali um problema muito grande, que era preciso intervir, que isso era muito urgente, e no entretanto seguiu-se uma sucessão de acontecimentos inenarráveis. E a cada pergunta que se faz, em que se exige transparência, a resposta que temos é que isto são problemas do passado. Acho no mínimo irónico que este Governo liderado pelo Dr. António Costa fale de problemas do passado. Porque os problemas do sistema financeiro que nós encontrámos em 2011 de facto são de um Governo de que ele próprio fazia parte, que é o Governo do Engenheiro Sócrates. A grande maioria dos problemas vem desse tempo, das decisões erradas que foram tomadas nesse tempo, na Caixa Geral de Depósitos e não só. Que depois acumularam problemas gerados por uma recessão económica e por um fraco crescimento, como naturalmente acontece. Mas, de facto, a herança do sistema financeiro era pesadíssima. Nós não tínhamos um banco a precisar de capital, tínhamos todo um sistema financeiro que deixou de ter acesso a mercado. Muito antes do programa já havia um programa de garantias do Estado para que os bancos conseguissem emitir dívida. É um problema que vinha claramente de trás, que nós gerimos, foi ultrapassada a fase mais crítica, os planos de reestruturação foram em boa parte bem sucedidos, com alguns casos em que isso não foi possível por razões algumas conhecidas e outras eventualmente ainda serão. Comparar a situação em que este Governo recebeu o sistema financeiro com a situação em que nós o recebemos em 2011, não se pode comparar. Não tem comparação.
Este Governo tem feito uma gestão dos casos do sistema financeiro para além do que são os bancos com intervenção pública, com legislação quase à medida que desbloqueou situações no BPI e no BCP...
E já agora da administração da Caixa, se estamos a falar de legislação à medida.
Em termos de técnica legislativa não será o melhor exemplo, mas em termos pragmáticos é ou não uma boa estratégia?
Nós não concordamos com essa estratégia, aliás já o dissemos publicamente. A interferência do Estado naquilo que são negócios de privados é um caminho que nós não seguimos, com o qual não concordamos, e achamos que não deve ser seguido. Não vou sequer discutir técnica legislativa, até porque não sou jurista, mas de facto a interferência do Estado directamente nos negócios foi uma boa parte da origem dos problemas que nos levaram à pré-bancarrota em 2011. Infelizmente isto não é novo, nós já vimos este tipo de actuação no passado e lembramo-nos todos bem demais como é que isso acabou. Não podemos de maneira nenhuma concordar que esse tipo de actuação seja aplicado novamente. O papel das autoridades tem de ser fazer a supervisão e a regulação, mas aquilo que é o papel dos accionistas privados e as suas questões devem ser resolvidas entre si.
Queria falar-lhe também um bocadinho do Novo Banco: estamos a aproximar-nos a passos largos do que esperamos que seja o desfecho desta parte da vida do Novo Banco. Já aconteceu antes de facto termos um processo de venda em curso e depois não haver condições para que ele se concretize. Neste cenário é possível mais algum adiamento se as propostas não corresponderem minimamente aquilo que os contribuintes e os outros bancos desejariam?
Eu espero que não. A informação que tenho sobre o Novo Banco é a que é publicada nos jornais e não sei mais nada sobre o processo. Eu espero que não seja adiado porque tipicamente – e isto aconteceu no passado com múltiplas entidades – havia a ideia de que se adiarmos teremos condições mais favoráveis e consegue-se maior valor. Eu continuo à procura de um exemplo em que isso tenha acontecido, não me recordo de nenhum. E portanto eu espero que não seja adiada. A incerteza do desfecho deste processo é provavelmente um dano maior do que qualquer outro tipo de dano. Mas, isto dito, não conheço rigorosamente nada do processo.
Mas já houve um adiamento e o processo voltou todo ao princípio ainda no tempo do anterior governo, também com essa expectativa de que o futuro poderia trazer maior competitividade e maiores ofertas.
Eu já o disse, eu não concordei com essa decisão, mas essa decisão não era do Governo. Essa decisão é da autoridade de resolução do fundo de resolução. O Fundo de resolução é que é o dono do Novo Banco, o Estado tem um empréstimo concedido, mas que é um empréstimo. E não é accionista do Novo Banco, porque o Fundo de Resolução é detido e alimentado pelos diversos bancos.
O Ministro das Finanças tem falado várias vezes em mexidas no modelo de supervisão, embora sem especificar, dando a ideia de que é preciso é sobretudo uma estrutura que trate da articulação entre os diversos supervisores. Acredita que é preciso mexer na arquitectura ou tem mais a ver com os comportamentos dos supervisores?
Há muitos modelos diferentes de supervisão.
E todos eles já falharam num momento ou noutro.
É muito uma questão de uma cultura de colaboração entre instituições que importa reforçar – as instituições são lideradas por pessoas, às vezes isso torna a relação mais fácil outras vezes menos fácil, mas isso é da natureza das coisas. Não me parece que para resolver eventuais problemas a resposta esteja numa alteração da arquitectura. Acho que é perfeitamente possível haver melhor colaboração entre supervisores com a arquitectura que existe. Mas não significa que não se possam ponderar modelos diferentes. Eu acho é que neste momento temos preocupações bem mais prementes e importantes do que mexer na arquitectura de regulação ou supervisão, mas enfim. Há vários modelos e todos eles falharam e funcionaram em diferentes momentos do tempo.
Uma notícia recente, a questão dos swaps. A dra. Maria Luís foi a responsável por começar a levantar esta questão e colocar o Estado a fazer alguma coisa acerca do assunto. Como vê a decisão, que já é a segunda no mesmo sentido, dando razão ao Santander?
Aquilo que nós fizemos, e esse assunto foi devidamente escrutinado numa comissão parlamentar de inquérito, foi encontrar um problema imenso e em permanente crescimento, que era um conjunto de operações que tinham sido feitas por várias empresas públicas, algumas delas absolutamente ruinosas. Nós conseguimos resolver uma grande parte do problema através de negociação, com uma poupança que ultrapassou os 500 milhões de euros para os cofres do Estado. Os casos destes swaps que estão agora a ser avaliados, que foram objecto de sentença do Tribunal da Relação em Londres, eram excessivamente complexos, eram os casos claramente mais problemáticos, e sobretudo não houve da parte do Santander abertura para fazer uma negociação em termos que fossem aceitáveis, da mesma forma que foi possível fazer com os outros bancos…
O banco continua a dizer que sempre quis negociar e continua aberto a negociar…
O que é que o banco agora poderá fazer, não sei, não me diz respeito. Aquilo que foram as múltiplas conversas havidas com o Santander não permitiam uma solução transparente, e o Estado não pode entrar em soluções que não sejam transparentes, e não pode agir como se fosse um privado, e só pode fazer aquilo que esteja em condições de expor, divulgar e explicar. Não pode fazer de outra maneira, portanto nunca houve uma solução dessas.
A questão nessa altura não era tanto de custo, era mais de desenho?
Eventualmente seria um problema de custo se a conversa tivesse ido mais além. Mas o desenho em si não era transparente e ao não ser transparente não é aceitável. O Governo não pode tomar decisões com base em critérios puramente financeiros sem atender àquilo que é um princípio básico da defesa do interesse público, que é poder divulgar, explicar publicamente. É absolutamente indispensável a qualquer processo desta natureza, essas condições não existiram de facto, e estes swaps são muito maus. Mesmo muito maus. Têm características que os tornam especialmente danosos a quem os contratou.
Não há aqui uma crítica muito forte feita ao Santander, que podemos questionar, mas que apesar de tudo estava a fazer o seu negócio… e do lado de quem contratou?
São estruturas complicadas, ainda que haja uma característica básica que é: os cupões têm memória e portanto, a partir do momento em que se fixa o nível, nunca poderá ficar abaixo desse, e essa é uma coisa relativamente fácil de perceber. Eu recordo que houve consequências do tempo em que estávamos no Governo sobre pessoas que fizeram a contratação destes swaps. Houve demissões, pessoas que foram afastadas dos seus cargos precisamente por terem feito a contratação destes produtos. Não é verdade que não tenha havido consequências; houve consequências, de facto.
Temos assistido ao exercício do actual Governo que tem feito alguma consolidação que vende aparentemente como sem medidas de austeridade. É verdade? Isto vai ou não um bocadinho contra o facto de não haver alternativa, que foi o que nos foi dito durante tantos anos no Governo anterior?
São muitas perguntas numa. Agora lembrei-me do Vítor Gaspar. Primeiro: a austeridade agora tem outro nome, parece. Foi rebaptizada, foi transformada em rigor, foi passada do lado da despesa sobretudo para o lado da receita, com a proliferação de impostos, de taxas, que são coisas mais difusas, de que as pessoas têm menos consciência imediata, mas que estão, em compensação, muito mais distribuídas pela sociedade, porque afectam toda a gente, sem proteger sequer aqueles que têm menores condições, porque os impostos indirectos e as taxas são mais cegos – os impostos indirectos em particular são mais cegos e têm um efeito mais regressivo. Mas acima de tudo essa questão do "não há alternativa", há sempre alternativa, o que ela é é pior. Mas há sempre alternativa. O ponto é que esta alternativa é pior. Porquê? Tem um efeito negativo no crescimento da economia, a economia abrandou, vai crescer menos este ano do que em 2015, e de acordo com as previsões que estão agora a ser feitas deverá crescer em 2017 ainda menos do que aquilo que cresceu em 2015. E esse é um problema de fundo para a consolidação. E depois está-se rapidamente a repor níveis de despesa sem acautelar a sua sustentabilidade. Note-se que aquilo que estava no nosso programa de Governo, no programa de estabilidade, em tudo aquilo que dissemos durante a campanha eleitoral, era que todas estas medidas de natureza temporária - as reduções salariais, porque as reduções nas pensões já não havia, só naquelas acima de 4.611 euros, todas as outras já não tinham qualquer tipo de redução - todas essas medidas seriam para desaparecer, mas gradualmente. Para que a economia tivesse condições para estabilizar, para que não fosse preciso aumentar mais impostos. Antes pelo contrário, havia uma descida programada do IRC, não havia previsão de outros aumentos de impostos, que era para com essa criação de riqueza se ir acomodando depois o aumento progressivo da despesa. Quando se faz um aumento da despesa concentrado num único ano, sem cuidar da criação de riqueza que se está a distribuir, a única coisa que se vai distribuir é impostos. Impostos presentes e impostos futuros para pagar a dívida que entretanto é gerada. Portanto não é que não haja alternativa, mas ela é pior e vai ser mais custosa a prazo. Vai custar mais aos portugueses porque vai custar mais impostos presentes e futuros. E portanto na prática está-se a distribuir o que não se tem, o que aliás é o erro típico do partido socialista, que infelizmente já o cometeu no passado e volta a cometer agora.
A comparação mais correcta não é entre a estratégia seguida por este Governo e a estratégia seguida pelo seu Governo durante o período de ajustamento. Se calhar a comparação é mais com o que estava no programa eleitoral nas últimas eleições do lado do PSD. A pergunta é, não há alternativa, ou na altura no programa de ajustamento não havia alternativa à forma como foi feito o programa? Eu sei que o programa foi herdado, como disse, mas não era possível fazer a consolidação de outra forma naquelas condições?
A consolidação com as consequências que teve, as vantagens que teve… eu recordo que o país começou a crescer em termos do ano no seu conjunto em 2014, cresceu em 2015, a taxa de desemprego começou a descer marcadamente, com criação líquida de emprego, com recuperação do investimento, com todos os indicadores avançados a mostrar uma expectativa mais positiva para a economia depois daqueles anos mais difíceis do programa de ajustamento. Como disse, é verdade que herdámos o programa de ajustamento, e portanto com uma margem de manobra em termos de escolhas políticas muito mais pequena e uma economia em recessão. E portanto as escolhas possíveis nessa circunstância são muitíssimo mais limitadas. E na altura não fazer este tipo de ajustamento... Eu confesso que tenho um bocadinho de dificuldade em especular sobre essas alternativas teóricas, porque quando elas se discutiam na praça pública era "não podem fazer isto". Porque o que é preciso é dar dinheiro às pessoas para pôr a economia a crescer. Este ano deu-se dinheiro às pessoas e a economia cresce menos do que o ano passado. Aliás nós ouvimos esta conversa em 2009 e 2010, que era preciso era dar dinheiro às pessoas para a economia crescer, e o que aconteceu foi uma bancarrota. E portanto essa alternativa claramente não é uma alternativa boa, porque sabemos como ela acaba. As escolhas que estão a ser feitas agora não podem ser comparadas com as escolhas que existiam em 2011 e 2012, embora o PS muito rapidamente - depois de nos deixar com um programa de ajustamento para cumprir - se tenha esquecido porque é que o programa foi necessário e quem é que o negociou. Rapidamente se esqueceram que tinham uma obrigação real, política, de ter dado apoio à execução de um programa, porque estiveram na origem da necessidade desse programa e na negociação desse programa. Mas além disso o leque de escolhas aumenta significativamente quando se termina um programa de ajustamento e se tem novamente acesso a financiamento de mercado e quando a economia está em melhores condições. E aquilo que nós nos propúnhamos fazer, e está amplamente documentado, houve inclusivamente um programa de Governo que foi apresentado no Parlamento e reprovado, previa também a reposição de rendimentos. Mas o que nós nos propúnhamos fazer era continuar a ter o país a criar riqueza, para ir distribuindo essa riqueza. Mas criando riqueza, que é aquilo que falta neste modelo. A consolidação orçamental é feita à custa da paragem do investimento público, que tendo o Governo o apoio que tem é do ponto de vista político também extraordinário. Mas é a completa paragem do investimento público, um desincentivo claro ao investimento privado com uma série de medidas que foram tomadas logo no início, e um estrangulamento dos serviços públicos, que apesar de não haver muitas notícias sobre o assunto já vai acontecendo muito e só tenderá a agravar-se. Se fosse tão óbvio assim onde é que se cortam 445 milhões na aquisição de bens e serviços, o Governo já o teria dito. Porque até agora só nos disse que não era na Educação e na Saúde, mas continua sem nos dizer onde. E para o ano propõe-se cortar mais umas centenas de milhões de euros, mas também não sabemos onde. Se fosse dinheiro que não fizesse falta porque é que o Governo não haveria de dizer?
Este Governo tem apostado numa política de devolução de rendimentos, o que acaba por aumentar a despesa...
Deixe-me só dizer-lhe uma coisa. Os dados do primeiro semestre deste ano, que são os que estão disponíveis, mostram que o rendimento disponível em 2016 cresceu menos do que no primeiro semestre de 2015. Portanto a devolução de rendimentos também é uma coisa muito mais aparente do que real.
No que toca aos funcionários públicos...
Com mais de 1.500 euros brutos não tinham nenhum tipo de redução.
O que temos aqui é naturalmente um aumento de despesa fixa e permanente, embora estes cortes fossem ser sempre revertidos.
Já tinha começado em 2015.
A reforma do Estado e que agora parece evidente que não vai ser feita, até porque politicamente não parece que os partidos mais à esquerda estejam interessados, foi a grande oportunidade perdida no anterior Governo?
A reforma do Estado é um conjunto de muitas coisas diferentes e muita coisa foi feita.
Quando falo em reforma do Estado falo em redução de despesa fixa e permanente. E se quiser, estamos a falar na redução do número de funcionários públicos, para ser claro.
Que também foi muito substancial e que foi superior até ao que eram as metas do programa, sem despedimentos, naturalmente. Integrando inclusivamente professores que estavam com contratos a prazo. Houve uma redução muito significativa do número de funcionários púbicos. E houve muito da reforma do Estado que foi feita. Deixe-me só dar-lhe muito rapidamente alguns exemplos. O sector empresarial do Estado tem um peso enorme na dívida pública, menor agora. E um peso muito grande na despesa pública, quer a que está dentro das contas públicas, quer a que está fora. Foi feita aí uma reforma profundíssima, que infelizmente em alguns casos parece que as coisas não estão a correr bem outra vez, mas foi feita aí uma reforma profundíssima. Foi feita uma reforma muito profunda do sistema judicial. Continuámos com uma série de processos de desburocratização e simplificação em várias áreas da economia ao ambiente. Tudo isso é reforma do Estado. A reforma do Estado que as pessoas talvez esperassem ver ou que associaram, que é fechar organismos e reduzir o número de funcionários públicos, teve dificuldades várias. Nomeadamente a impossibilidade de mesmo após comprovadamente os serviços fecharem, não haver utilização, as pessoas em requalificação não encontrarem colocação alternativa. Ainda assim, não é possível libertar essas pessoas. Isso é uma limitação efectiva, mas não significa que não tenha sido feito muito trabalho. Agora, é preciso continuar a fazer esse trabalho. E é preciso conter um crescimento da despesa, porque nós sabemos que a despesa pública é muito rígida. Uma vez assumido um compromisso e contraída uma despesa é muito difícil voltar para trás. Como os impostos são o que resulta da necessidade de financiar essa despesa, qualquer decisão de aumento de despesa teria de ser muito ponderada para além daquilo que é o interesse óbvio das pessoas. Com certeza que os pensionistas devem ter pensões maiores, que os salários devem ser melhores. Ninguém questiona isso. O que se questiona é se o país tem ou não tem condições para proceder a estes aumentos e reposições a este ritmo. Porque se não tiver, o que vai acontecer é primeiro mais impostos e no limite voltamos a estar na situação em que estivemos em 2011. Em que já não temos dinheiro para satisfazer os compromissos. E aí, o valor que se prometeu pagar releva pouco. Quando não houver dinheiro, não há nada a fazer.
Como é que se ultrapassa o trauma de ganhar eleições e não conseguir governar?
Não acho que seja um trauma, de todo. É um resultado democraticamente legítimo do ponto de vista daquilo que é o nosso ordenamento constitucional e do que são as regras. É clarificador para se perceber que em Portugal a tradição foi sempre de que o partido mais votado formava Governo e o seu líder assumia o cargo de primeiro-ministro. Não é necessariamente assim, como ficámos a saber. E portanto, a legitimidade constitucional da solução actual não está de todo em causa. Eu diria que é provavelmente uma desilusão para muita gente, e não estou a falar apenas daqueles que votaram no PSD e CDS. Outras pessoas que não votaram na coligação, não desejariam esta solução de Governo. Mas nós aceitamos o papel que democraticamente nos coube, que é estar na oposição a fazer oposição. E fazer oposição é isto. É questionar, é mostrar um caminho alternativo, é apontar os erros, seja qual for a área. É exigir respostas dignas e respeitosas, capazes, nomeadamente ao Parlamento.
Mas custou muito ou não?
Se me custa muito não ser ministra? A minha vida é muito melhor agora. (risos)
Não é ser ministra, é o facto de depois de aplicar um programa de ajustamento ter conseguido ganhar eleições, parece que em algumas pessoas do PSD este trauma não desapareceu ainda. Algum sentimento de injustiça, não sei se é a palavra certa. Como é que se ultrapassa isto. Já está ultrapassado?
Não posso falar de estados de alma de outras pessoas. Posso falar do meu. Não há qualquer tipo de trauma. Nem nenhum tipo de ressentimento. A democracia é isto mesmo. Acho que é uma extraordinária vitória do país que a coligação PSD/CDS tenha ganho as últimas eleições, porque significa que a maioria da população portuguesa compreendeu a situação em que estivemos e, concordando ou discordando aqui ou ali, compreendeu qual era a origem do problema e porque é que foi necessário adoptar soluções tão duras. E confiaram na mesma pessoa, no mesmo primeiro-ministro para continuar a liderar o país durante mais quatro anos. Dito isto, o resultado eleitoral permitiu uma solução parlamentar diferente. E convivo muitíssimo bem com isso.
Está ultrapassado?
Não é a questão de estar ultrapassado, porque é um trauma que não existiu. Se me perguntar se foi surpreendente? No momento em que ela se materializou a surpresa já não era grande. Tinha acontecido umas semanas antes. Mas isso não é um trauma e é clarificador todos percebermos no que é que se vota, porque na próxima vez quando se votar no partido mais votado para formar Governo, pode não ser necessariamente assim. E composições parlamentares podem vir a dar outros resultados diferentes, não necessariamente com este tipo de formato. Mas está absolutamente clarificado quais são os resultados possíveis na sequência de uma eleição. Nas pessoas com quem eu lido no dia a dia, no Parlamento, na direcção do PSD, não encontro ninguém traumatizado. Antes pelo contrário, encontro toda a gente muito motivada para fazer o papel de oposição. Que é essencial numa democracia. E faz parte desse papel que o Governo e a maioria respeitem a oposição.
Há quem defenda que o seu futuro político está necessariamente ligado ao do Dr. Passos Coelho, pela evidente proximidade que existe. É verdade que sem Passos Coelho, a Dra. Maria Luís perderá futuro e espaço no PSD?
Confesso-lhe que é coisa que não pensei. Voltamos à história do fazer cenários em política, que me parece um exercício muito pouco prudente e demasiado susceptível a ser desmentido pela realidade. Mas aquilo que me preocupa no meu futuro político é a forma como posso contribuir para fazer uma oposição eficaz neste momento e construir uma alternativa de Governo. E garanto-lhe que não tenho outras preocupações de futuro político além dessas. Mesmo.
Temos eleições autárquicas no próximo ano. Qual é o objectivo mínimo do PSD para se poder dizer que foi um sucesso?
Nós partimos sempre para as eleições para as ganhar. Esse tem sempre de ser o nosso objectivo, por todas as razões, pela dimensão do partido, pela importância do partido, pela tradição e implantação autárquica que temos, o objectivo é esse. Mas associar resultados de eleições autárquicas a questões nacionais é que já me parece abusivo. Aconteceu uma vez um primeiro-ministro demitir-se alegadamente por causa disso, mas dificilmente constitui um precedente que tenha de ser seguido em outras circunstâncias. Partimos para este combate autárquico com determinação, com empenho, com os candidatos todos anunciados a seu tempo nas câmaras todas e vamos a este combate para ganhar, como vamos a todos.