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Bruxelas quer Zona Euro com presidente exclusivo e orçamento próprio

A Comissão Europeia pôs na mesa um documento de reflexão detalhado e ambicioso: quer uma Zona Euro com novos poderes, mas também novas responsabilidades, a funcionar em pleno em menos de uma década.

As sanções que não existiram: Portugal esteve na linha da frente (a par com Espanha) para ser multado por incumprimento das regras orçamentais entre 2013 e 2015. A Comissão Europeia acabou por não propor qualquer multa no Verão, usando uma interpretação flexível das regras europeias defendida por Pierre Moscovici (na foto). A possível suspensão parcial de compromisso de fundos comunitários foi cancelada já em Novembro.
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31 de Maio de 2017 às 13:08
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A Comissão Europeia deu nesta quarta-feira, 31 de Maio, mais um passo na discussão sobre o futuro da Zona Euro, ao divulgar um documento, ainda de reflexão, mas detalhado e ambicioso: Bruxelas quer uma Zona Euro com novos poderes, mas também novas responsabilidades, a funcionar em pleno em menos de uma década, em 2025.

"Só conseguiremos combater os perigos do populismo se invertermos a situação de divergência económica e social na área do euro, que alimenta esse mesmo populismo. Chegou a hora de concluirmos o percurso que iniciámos em Maastricht, na direcção de uma verdadeira união económica e monetária, com instituições eficazes e responsabilização democrática", argumentou Pierre Moscovici, comissário dos Assuntos Económicos.

 

No entendimento da Comissão, que é amplamente partilhado por Berlim mas também por Paris, é preciso reforçar os poderes de controlo das políticas orçamentais e económicas nacionais por parte do "centro", sugerindo-se, para tal, a criação de uma espécie de ministro europeu das Finanças, que seria simultaneamente - e a tempo inteiro - presidente do Eurogrupo e comissário dos Assuntos Económicos a partir de 2019.


Ao mesmo tempo, Bruxelas diz ser necessário ponderar a criação, no horizonte de 2025, de um orçamento próprio, reparando, assim, talvez o maior defeito de fabrico da união monetária europeia, defendendo que este deva ter como "função central" a de "estabilizador", ou seja, a de apoiar orçamentos dos países membros afectados por choques económicos assimétricos, designadamente, ajudando a pagar parte dos subsídios de desemprego ou de investimento prioritário. Bruxelas sugere que esta nova "capacidade orçamental" deva ter uma base de receita constante, mas abre também a porta a que possa usar receita de títulos de dívida conjuntos, os chamados "eurobonds". Estes seriam emitidos por um Tesouro comum, que seria parte de um Fundo Monetário Europeu, onde se centralizaria a função de vigilância orçamental, hoje repartida entre a Comissão e o Eurogrupo.

"Uma maior integração política poderá obrigar a repensar o equilíbrio entre a Comissão e o Eurogrupo e justificar a nomeação de um presidente permanente e a tempo inteiro para o Eurogrupo, bem como a unificação da representação externa da área do euro. A ideia da criação de um Tesouro para a área do euro - eventualmente com um orçamento próprio - e de um Fundo Monetário Europeu poderia ser considerada numa fase posterior do aprofundamento da União Económica e Monetária, no quadro da UE", escreve a Comissão.

Financiar um orçamento comum para a Zona Euro através da receita da emissão de títulos de dívida comuns agrada a Lisboa, não desagradava a Paris (embora com Emmanuel Macron essa abertura pareça ter desaparecido) e não agrada de todo a Berlim, que não quer criar um mecanismo de transferências de rendimento permanente, preferindo uma "capacidade orçamental", activada pontualmente, a que fique consignada a receita de uma taxa específica (sobre os serviços financeiros, é a hipótese mais referida).

Já a proposta de um presidente a tempo inteiro para a Zona Euro agrada inteiramente a Berlim. Um Tesouro, um ministro das Finanças, um parlamento especial para o euro, é a estrutura da nova Europa que há muito tempo Wolfgang Schäuble tem na cabeça. Por sua vontade, disse ao Negócios em entrevista no Verão de 2014, o cargo de ministro das Finanças do euro seria criado "amanhã".

  

O documento de reflexão agora apresentado por Bruxelas tem por base o Relatório dos Cinco Presidentes, divulgado há já dois anos. Prevê medidas concretas para serem adoptadas até às eleições europeias de 2019, em particular para completar a União Bancária (designadamente com a criação de um esquema europeu de seguro de depósitos), assumindo-se que a nova arquitectura da Zona Euro pode estar plenamente operacional em 2025. Bruxelas admite, porém, que poderá ser necessário modificar Tratados, o que introduz sempre um elemento de grande risco, sobretudo se a ratificação nacional passar por referendos – processos onde os assuntos europeus costumam tropeçar.


Estas sugestões surgem uma semana depois de os ministros alemão e francês das Finanças, Wolfgang Schäuble e Bruno Le Maire, terem anunciado que vão trabalhar numa proposta única de reforma e de aprofundamento da integração da Zona Euro que apresentarão aos seus pares até Julho, antes, portanto, das eleições alemãs agendadas para 24 de Setembro. A ideia é que propostas e calendários concretos possam ser aprovados ao mais alto nível na cimeira de Dezembro.


Com Emmanuel Macron, um europeista convicto mas também um defensor da ortodoxia orçamental, há agora maiores probabilidades de entendimento genuíno entre Paris e Berlim. 

Diferentemente de François Hollande, o novo presidente francês considera fundamental cumprir o Pacto de Estabilidade e o Tratado Orçamental, e promete reduzir finalmente neste ano o défice abaixo do limite de 3% do PIB. 

Macron quer "contas certas" e regras cumpridas com o rigor alemão, mas quer também que a Zona Euro passe a ser gerida numa "lógica positiva e não apenas punitiva". Nesse contexto, defende a criação de um orçamento próprio para os países do euro e, dentro deste, de uma linha de investimento para  dinamizar projectos nos países que, em contrapartida, se comprometam em tornar-se mais competitivos, através de reformas estruturais, geralmente muito impopulares, desde logo em França.

 

"Quero um orçamento para a Zona Euro, um ministro responsável por esse orçamento, um parlamento para o controlar e uma verdadeira capacidade para investir e para corrigir os choques que existem na Zona Euro", tem explicado Macron, que tem uma linha de pensamento próxima da de Wolfang Schäuble.


Também 
Espanha partilha muitas destas ideias, tendo já entregue em Bruxelas um documento onde defende que o futuro orçamento exclusivo da Zona Euro possa suportar parte dos subsídios de desemprego. Espanha é, a par da Grécia, a recordista do desemprego na Europa.



O que pode mudar até 2025

 

Presidente a "full time"

Até 2019, o Eurogrupo seria convertido numa instituição com plenos poderes, e passaria ser presidido por um presidente a tempo inteiro (hoje, o cargo é  acumulado com o de ministro das Finanças de um país-membro). Esse presidente acumularia o cargo com o de membro da Comissão responsável pelo euro. Este modelo, de "duplo chapéu", já hoje existe na política externa europeia.

 

Fundos condicionados às reformas

Bruxelas sugere que, no próximo quadro financeiro (após 2020), o desembolso de fundos estruturais e de investimento fique condicionado ao cumprimento, por parte do país beneficiário, das reformas económicas prometidas. Hoje existe já alguma condicionalidade, mas associada às metas orçamentais.

 

Tesouro e orçamento para a Zona Euro

Até 2025, Bruxelas sugere a criação de um Tesouro. Este centralizaria a supervisão orçamental  (hoje repartida entre a Comissão e o Eurogrupo) e, em caso de necessidade, emitiria um "activo europeu seguro" (eurobonds), replicando funções hoje desempenhadas pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade. Paralelamente, Bruxelas abre a porta à criação de uma "capacidade orçamental de estabilização" - ou seja, um orçamento capaz de apoiar os países do euro afectados por crises. Deixa também em aberto a criação de um "fundo de crises". Sobre a forma de financiamento de ambos, deixa várias opções em aberto.

 

 

 


(notícia actualizada às 13h30)

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