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UE unânime sobre necessidade de fundo de recuperação, agora falta o mais difícil

O Conselho Europeu desta quinta-feira decorreu num ambiente bem mais distendido do que a cimeira de há um mês. Os líderes europeus chegaram a acordo, por unanimidade, sobre a necessidade de um fundo de recuperação económica. Fica a faltar um mais difícil acordo sobre a forma como esse instrumento irá financiar os Estados-membros, se a fundo perdido ou através de empréstimos.

António Pedro Santos/Lusa
23 de Abril de 2020 às 18:49
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Os líderes europeus chegaram a acordo para a criação de um fundo de recuperação económica enquadrado pelo próximo orçamento de longo prazo da União Europeia e financiado pela emissão de dívida por parte da Comissão Europeia que, por seu turno, ficou mandatada para apresentar, a 6 de maio, uma nova proposta para o quadro financeiro plurianual (QFP, 2021-27).

Mas apesar do clima mais propício a compromissos observado nesta cimeira, e como era esperado, os 27 ficaram aquém de um acordo sobre a forma de transferência do dinheiro desse fundo de retoma para os Estados-membros, se através de subvenções (a fundo perdido), empréstimos ou uma conjugação de ambas.  

Após mais de quatro horas de reunião, a quarta dos líderes europeus por videoconferência neste contexto de pandemia, houve maior convergência dos Estados-membros sobre o modelo, e respetiva dimensão, que a resposta da UE à crise deve assumir. Sendo ainda cedo para falar de valores definitivos, o primeiro-ministro, António Costa, já pôs de parte o pior cenário: "Já sabemos que não será uma fisga, agora é preciso saber se é uma pressão de ar ou mesmo uma bazuca". 

A Comissão Europeia aponta a 1,5 biliões de euros e o Banco Central Europeu, cuja presidente, Christine Lagarde, disse que no pior cenário a economia da UE pode ter uma quebra de 15% em 2020, considera que serão necessários 1,6 biliões. "Será algo com grande robustez", antecipa já um agora mais otimista António Costa. 

O governante português fez questão de sublinhar que "houve unanimidade" acerca da necessidade de tal fundo de retoma, assim como sobre o recurso à emissão de dívida pela Comissão para o financiar. Isto significa que, sem necessidade de mexer nos tratados, o órgão executivo comunitário poderá, com base no artigo 122, colocar dívida apoiada em garantias dos Estados-membros, o que replica o método usado no programa SURE destinado a subsidiar salários. 


O diabo está nos detalhes
Todavia, como diz o adágio, o problema está nos detalhes. "Como sempre os detalhes são essenciais. Falta saber quando é que o temos disponível, qual o montante, em que condições temos acesso e como se distribuirá", disse o primeiro-ministro na conferência de imprensa realizada depois da cimeira.  

Mas como realçou o próprio António Costa, "a grande questão está em saber como é que esse fundo de recuperação vai financiar cada um dos Estados-membros".

O governante português confirmou a divisão entre uma "grande maioria" de países, que defende um financiamento via subvenções (grupo onde se inclui Portugal), e o bloco de quatro Estados, liderado pela Holanda, a que se juntam ainda, segundo apurou o Negócios, Suécia, Dinamarca e Áustria, que prefere a concessão de empréstimos (faltando saber com que taxa de juro e maturidades). A meio caminho, numa posição conciliadora, surgem países (com a Alemanha à cabeça) que preconizam uma combinação das outras duas modalidades. 

A hipótese de o acesso ao fundo de recuperação ficar condicionado à contração de empréstimos é sobretudo rejeitada por Itália, que além de ser o país mais atingido pela pandemia detém a segunda maior dívida pública da Zona Euro (135%), pelo que está numa posição especialmente vulnerável num cenário de reforço do endividamento. Já a atribuição de meios financeiros a fundo perdido tem forte oposição da Holanda, que rejeita qualquer tipo de partilha de riscos que envolva transferências entre Estados-membros. 

É por isso mesmo que a posição da chanceler alemã, Angela Merkel, em quem Costa viu uma "postura aberta e construtiva", deverá ser decisiva para desbloquear o processo, fazendo vingar a tal combinação entre subvenções e empréstimos numa espécie de ponte entre o que Roma e Haia pretendem.

Fundo de recuperação só em 2021
Não obstante a "grande coincidência de pontos de vista" que Costa detetou neste Conselho Europeu, o primeiro-ministro não acredita que até 6 de maio possa haver acordo sobre a forma de distribuição de dinheiro pelos Estados-membros, o que, com grande probabilidade, atira um eventual acordo definitivo sobre a matéria para a cimeira de 18 e 19 de junho.

"Espero que possamos chegar ao verão com um acordo político sobre o QFP e o fundo de recuperação", disse António Costa. E como o próximo QFP deve entrar em vigor a 1 de janeiro de 2021, o fundo de recuperação não estará acessível antes dessa altura.

Executar o fundo de retoma através do orçamento de longo prazo da UE tem como mérito ulterior superar o impasse na negociação do próximo quadro financeiro, processo há muito bloqueado devido às divergências sobre a ambição das contribuições nacionais para a sua constituição.

Um documento técnico da Comissão a que o Negócios teve acesso, mostra que a instituição liderada por Ursula von der Leyen quer cortar a sua proposta assente em 1,1% da riqueza europeia - recusada pelos países da coesão -, o que facilitará a sua aprovação, apostando na reafetação de instrumentos que já existem (tais como o InvestEU, agora denominado RecoverEU) para a resposta ao choque económico:

Na cimeira ficou ainda decidido que este instrumento temporário terá uma duração de dois a três anos e ser "coerente" com as novas prioridades da UE, designadamente a transição digital, o combate às alterações económicas e uma estratégia industrial que reforce a autonomia do bloco europeu. 

Pacote de 540 mil milhões disponível a 1 de junho
Para fazer face às necessidades mais imediatas decorrentes da crise económica e social que atravessa o continente, os líderes europeus aprovaram ainda o pacote de 540 mil milhões tirado a ferros no Eurogrupo de há duas semanas. Trata-se das redes de proteção ao emprego (SURE), empresas, sobretudo PME (através do BEI), e Estados (com recurso à linha de crédito cautelar do MEE).

Nas conclusões do presidente do Conselho (desta feita não houve conclusões da cimeira atribuíveis ao conjunto dos Estados-membros), é referido que os 27 deram indicação para que todas as medidas desse pacote devem estar operacionais no próximo dia 1 de junho. António Costa aproveitou para frisar que essas medidas "não estão sujeitas a qualquer tipo de condicionalidade, programa de ajustamento ou troika".

Neste Conselho Europeu foram também aprovadas as orientações apresentadas pela Comissão Europeia com vista a uma estratégia coordenada de desconfinamento e ainda as linhas que deverão nortear a resposta comunitária no caso de surgir uma segunda vaga da pandemia. 


(Notícia atualizada pela última vez às 20:00)
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