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UE perde "ingenuidade" e põe travão a subsídios estatais a empresas estrangeiras

A Comissão Europeia revelou as medidas com que quer atualizar a agenda industrial da UE para reduzir a dependência face à China, fortalecer o mercado interno e acelerar a dupla transição digital e climática. Uma das ideias consiste na fiscalização e possível penalização de empresas estrangeiras que operem na UE e sejam beneficiárias de apoios públicos no país de origem.

Os comissários Margrethe Vestager e Thierry Breton apresentaram proposta.
Olivier Matthys/EPA
05 de Maio de 2021 às 13:08
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Passados 14 meses desde o lançamento de uma nova estratégia industrial, a Comissão Europeia propôs esta quarta-feira uma atualização dessa agenda que se revelou necessária na sequência da dependência externa exposta pela pandemia. Entre as várias medidas propostas, Bruxelas pretende endereçar as distorções causadas ao mercado único europeu decorrentes de apoios estatais atribuídos por países terceiros.

Como explicou ao site EuroActiv o comissário europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, a União Europeia precisa de deixar de ser "ingénua" e assumir uma posição de liderança no desregulado processo da globalização.

Nesse sentido, o órgão executivo da União sugere a criação de um novo instrumento capaz de responder à distorção do mercado interno provocada por subsídios estatais externos atribuídos a empresa estrangeiras. Como explica a Comissão em comunicado, a intenção passa por suprir a atual lacuna existente na regulação comunitária, em grande medida incapaz de detetar subsídios concedidos por governos de países externos à UE, ao passo que é altamente escrutinadora dos apoios dados pelos próprios Estados-membros às suas empresas.

Ou seja, a UE é eficaz a prevenir auxílios de Estado às empresas europeias que possam desnivelar o pretendido "level playing field" (condições equitativas), não detendo, porém, mecanismos para fiscalizar e travar apoios idênticos atribuídos por países terceiros a empresas estrangeiras.

Um instrumento considerado vital para assegurar o sucesso da nova estratégia industrial agora proposta porque além de "promover um mercado único justo e competitivo, estabelece as condições adequadas para a indústria europeia prosperar".

A vice-presidente executiva da Comissão para "Uma Europa Preparada para a Era Digital" rejeita que Bruxelas pretenda seguir um caminho protecionista. Em conferência de imprensa realizada esta manhã, Margrethe Vestager afirma que o objetivo consiste em "proteger uma competição justa em todos os setores" e garante que a "Europa mantém abertura aos negócios", mas desde que de forma "justa", pelo que as empresas terão de notificar a Comissão dos apoios públicos recebidos.

Três instrumentos para prevenir distorções

A legislação proposta presume a adoção de três instrumentos: uma ferramenta de notificação para investigar aglomerações que envolvam apoios financeiros concedidos por países externos à UE e em que as receitas da empresa europeia a ser adquirida seja de 500 ou mais milhões de euros e em que o apoio estatal estrangeiro seja de pelo menos 50 milhões de euros; outro instrumento de notificação destinado a investigar ofertas em concursos públicos que envolva apoios financeiros de um governo externo à UE e em que o valor da licitação seja de 250 ou mais milhões de euros; uma terceira ferramenta que permita à Comissão iniciar investigações a todas as outras circunstâncias de mercado e a pequenas concentrações e procedimentos concursais públicos.

Relativamente aos dois primeiros instrumentos assentes em notificações, o comprador ou licitante terá de notificar previamente quaisquer contribuições financeiras recebidas de governos de países terceiros em operações que ficaram pendentes da validação de Bruxelas.

As medidas propostas asseguram à Comissão Europeia a capacidade para obrigar à alienação de determinados ativos ou proibir certos comportamentos do mercado, assim como de travar uma aquisição subsidiada ou de reverter o contrato conseguido em concurso público por um concorrente subsidiado. Em caso de incumprimento da notificação de aglomeração subsidiada, o órgão executivo quer poder aplicar coimas e assegurar o direito de revisão da transação como se tivesse sido notificada da operação.


PME no centro da aposta industrial
A nova estratégia industrial da UE reforça os apoios às pequenas e médias empresas (PME), desde logo acelerando a promoção daquilo que a Comissão Europeia designa de "transições gémeas" e que dizem respeito às transições para uma Europa verde e para uma economia digital, mas também garantindo melhores condições de acesso a financiamento e aos mercados.

A entidade liderada por Ursula von der Leyen sustenta que as PME e start-ups vão beneficiar desta nova estratégia industrial em várias dimensões. Além de tirarem partido de um mercado único reforçado e mais resiliente, verão a dependência face ao exterior reduzida - em virtude das medidas já noticiadas e que integram a nova estratégia -, terão apoios para avançarem mais rápido na dupla transição e poderão ainda receber apoios para resolverem problemas de solvabilidade (o InvestEU vai assegurar produtos financeiros de capital dedicado para as PME) e de pagamentos em atraso (Bruxelas vai lançar esquemas piloto de resolução de litígios para agilizar diferendos).

Reduzir dependência face à China
Se a UE já tinha definido como prioridade o reforço da autonomia estratégica, a crise pandémica mostrou quão dependente está o bloco europeu de cadeias de abastecimento em grande medidas dominadas pela China. Assim, além de querer travar aquisições por empresas estatais de outros países, vontade com Pequim na mira, a Comissão Europeia enuncia também um leque de medidas que visam reduzir a dependência relativamente à China, circunstância que se já era problemática antes da covid-19, acabou exacerbada pela pandemia.

Como tal, Bruxelas aponta seis áreas estratégicas - de matérias-primas a produtos para fabrico de fármacos, passando pelos cada vez mais essenciais semicondutores - em que a UE terá de reduzir a dependência em relação à Ásia e, em especial, à China, identificando para tal 137 "bens sensíveis" relativamente aos quais a União precisa assegurar maior autonomia.

Para o conseguir, a Comissão propõe "juntar recursos e construir cadeias de abastecimento alternativas, mais fortes e diversificadas", o que pressupõe a diversificação das cadeias de fornecimento de modo a dispersar a dependência por diferentes parceiros comerciais e a garantir condições para agir de forma autónoma quando tal se revele necessário. 

Outra medida tendente à redução da dependência na importação de bens, é proposta a conjugação de esforços para a criação de projetos europeus de interesse comum, através dos quais os governos nacionais poderão financiar investimentos ao abrigo de regras de ajudas de Estado mais flexíveis, assegurando maior margem de cooperação empresarial em todas as dimensões do projeto.

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