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Porque é que a Alemanha precisa de combater a recessão com mais gastos?

A pressão está a aumentar para o governo abandonar a sua histórica aversão a gastar dinheiro. Vai a chanceler Angela Merkel abrir os cordões à bolsa para ajudar a economia – e será o suficiente?

25 de Setembro de 2019 às 15:19
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A Alemanha é o motor da economia europeia - e está a perder gás. Após uma década de crescimento constante, a economia está a namorar uma recessão. As empresas alemãs dependentes das exportações estão muito expostas às disputas comerciais, e a indústria automóvel, crítica para a economia, está a debater-se com a mudança para os carros elétricos. Isto significa que a pressão está a aumentar para o governo abandonar a sua histórica aversão a gastar dinheiro. Vai a chanceler Angela Merkel abrir os cordões à bolsa para ajudar a economia – e será o suficiente?

 

Porque é que a economia está em apuros?

Culpem Donald Trump, pelo menos parcialmente. As disputas comerciais do presidente dos EUA com a China e a União Europeia têm afetado as exportações das empresas alemãs, que já enfrentam uma procura tépida devido ao abrandamento do crescimento económico mundial. No segundo trimestre, as exportações alemãs desceram 1,3%, com empresas como a Daimler à BASF, passando pela Continental, a reverem em baixo as suas previsões e a pintarem um quadro negro sobre o futuro. O ainda robusto mercado laboral, com o desemprego num mínimo histórico em torno dos 5%, tem ajudado a ofuscar o enfraquecimento da indústria e a impulsionar os salários, o que sustentou a procura doméstica.

 

Não estão muitos países preocupados com uma recessão?

Estão, mas a Alemanha tem desafios específicos. As exportações representam quase metade do produto interno bruto (PIB) do país, e vende mais produtos para fora do que qualquer outro país, exceto a China e os EUA. O que significa que é muito mais sensível às subidas e descidas da economia mundial. O indicador de sentimento empresarial do instituto Ifo está perto de mínimos de sete anos, com o indicador para a indústria a registar o nível de pessimismo mais elevado da última década. Os recentes problemas do dominante setor automóvel do país pesaram bastante. Assim como ter de lidar com as consequências do escândalo da fraude nas emissões de poluentes, fabricantes e fornecedores de peças têm-se esforçado para gerir a mudança do motor de combustão para o motor elétrico. Se Trump prosseguir com a sua ameaça de impor tarifas aos carros europeus, poderá representar um golpe duro para o setor automóvel alemão.

 

Quão próxima está a Alemanha de uma recessão?

A economia pode ter contraído nos três meses até setembro, de acordo com o Bundesbank, depois de o PIB ter caído 0,1% entre abril e junho. Dois trimestres consecutivos de contração – algo que não acontece desde 2012-2013 – preenchem o critério de uma recessão técnica. Dito isto, os economistas não esperam uma queda severa como a provocada pela crise financeira há mais de uma década. As condições financeiras favoráveis permanecem, e a procura interna continua a aguentar-se – pelo menos para já. Contudo, há riscos significativos no horizonte, incluindo uma disrupção provocada pelo Brexit e as tensões no Médio Oriente. E se a indústria responder à queda com o despedimento de trabalhadores pode começar a sentir-se um efeito de bola de neve, resultando num aumento acentuado do desemprego, afetando a procura interna.

 

Pode o Governo estimular a economia?

Desde que abriram os cordões à bolsa depois da reunificação, em 1990, os responsáveis alemães pela política apenas aumentaram deliberadamente os gastos para animar o crescimento económico. Para responder à crise financeira de 2008, o Governo lançou um pacote de medidas avaliado em 50 mil milhões de euros que inclui apoios para a compra de carros e apoios a empresas. O ministro das Finanças, Olaf Scholz, já disse que poderá ser disponibilizado um montante semelhante se for necessário. A Alemanha está de mãos atadas nos efeitos de política monetária, uma vez que faz parte doa Zona Euro, onde quem determina esta questão é o Banco Central Europeu, por isso os estímulos orçamentais são a sua única opção.

 

O que tem feito o Governo?

O que às vezes é esquecido, entre tantos apelos para um pacto de estímulos, é que a coligação liderada por Angela Merkel já implementou medidas orçamentais que os economistas do IWH Institute estimam ter impulsionado o PIB em 0,7% este ano. O ministro da Economia, Peter Altmaier, afirmou no final de agosto que o governo quer ajudar as pequenas empresas ao reduzir o imposto sobre as empresas de cerca de 30% para 25%. Mas o governo federal é apenas uma parte do setor público. Algumas das maiores necessidades de investimento estão ao nível regional e local, onde as necessidades são um problema sério.

 

Porque é que a Alemanha está tão preocupada com o défice?

A crença de que viver com os seus próprios meios é uma virtude necessária está profundamente enraizada na cultura alemã. A nação continua ensombrada pela experiência de hiperinflação, nos anos 20, bem como com a reconstrução pós-guerra e com o preço da reunificação. O compromisso da Alemanha com um orçamento equilibrado permitiu-lhe atingir uma dívida pública de cerca de 60% do PIB – o menor entre as maiores economias europeias - dos 83% em 2010. Com as pressões para agir a amontoarem-se, Merkel já disse que o Governo vai agir "dependendo da situação", mas até agora resistiu aos apelos para implementar medidas preventivas e reavivar o crescimento.

 

O que é que isto significa para o resto da Europa?

A disciplina orçamental da Alemanha tem sido usada como um exemplo a seguir pelo resto da Europa. Ao impor as restrições de gastos rigidamente, tal como estipulado pela União Europeia, Berlim está a mostrar aos países mais propensos aos gastos, como Itália e Grécia, os benefícios do auto-controlo. Contudo, com o financiamento praticamente a custos zero, alguns economistas argumentam que os políticos em Berlim estão a perder a oportunidade de relançar o muito necessário investimento nos transportes e nas infraestruturas de comunicações. Uma recessão na Alemanha terá efeitos muito para além das suas fronteiras, com muitos dos seus parceiros europeus a estarem altamente dependentes das exportações dos seus produtos para a maior economia europeia.

 

E o BCE?

A política frouxa do BCE está desenhada para manter a economia da Zona Euro a funcionar. Mas apesar dos seus esforços para apoiar o crescimento, o presidente do BCE, Mario Draghi, tem sido descrito pelos "tabloids" alemães como um vampiro a sugar o sangue dos países salvadores. E não há sinais de que a era do dinheiro barato esteja perto do fim. Com a moeda única a revelar dificuldades e uma inflação tépida, o BCE cortou a taxa de juro dos depósitos para um patamar ainda mais negativo, no dia 12 de setembro, e reativou o programa de compra de ativos. O presidente do Bundesbak, Jens Weidmann, que representa a Alemanha no conselho do BCE, está entre os responsáveis que se opuseram abertamente a este caminho de estímulos.
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